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    Valor Econômico | A reforma que barateia armas

    6 de outubro de 2023 às 04:01

    Reportagem publicada pelo Valor Econômico (clique para acessar o texto original) sobre a Nota técnica, Correção da tributação sobre armas e munições, do Instituto sou da paz em parceria com a Oxfam Brasil

    Estudo mostra como o texto da reforma tributária aprovada na Câmara pode fazer despencar o preço de armas e munições enquanto o governo tenta restringir o acesso

    Uma das armas mais vendidas no Brasil é a Taurus G2C, calibre de 9 milímetros. Pesa apenas 600g. Sua ficha técnica a descreve como ideal para “porte velado e pronto emprego”, ou seja, pode ser ocultada na roupa para uso imediato.

    Em lojas físicas e legalizadas no Rio, um dos estados onde mais se tributam armas, o preço médio é de R$ 4.250. Com o texto da reforma tributária aprovado na Câmara e hoje sob análise do Senado, pode cair para até R$ 2.671.

    A estimativa é aproximada porque ainda não se tem clareza sobre as alíquotas efetivas. Foi feita com base em estudo produzido pelos institutos Sou da Paz e Oxfam a partir do texto aprovado na Câmara dos Deputados, hoje em tramitação no Senado, e mostra o risco de a reforma tributária baratear o acesso a armas.

    A perspectiva vai na mão contrária das políticas públicas de restrição de posse e porte e apreensão de armamento ilegal adotadas pelo Executivo numa tentativa de reduzir os homicídios – 76% deles cometidos com armas de fogo – e lesões com armas que custam por ano, além de milhares de vidas, R$ 50 milhões aos cofres públicos.

    O levantamento leva em consideração o impacto das mudanças tributárias no Rio e em São Paulo, onde a tributação total sobre revólveres e pistolas é, respectivamente, de 75,5% e 63,5%. São três os impostos que incidem sobre armas e munições, dois federais, IPI e PIS/Cofins, e um estadual, o ICMS, cuja alíquota se diferencia na federação.

    O governo Jair Bolsonaro reduziu o IPI sobre revólveres e pistolas de 45% para 29,5%. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou muitos decretos liberalizantes do mercado de armas, mas não a redução de impostos, e agora se depara com a perspectiva de ver a tributação sobre o setor despencar. O tema passou despercebido no acelerado grupo de trabalho da Câmara, onde muito se discutiram a questão federativa, o conselho gestor do imposto unificado e a tributação sobre educação, saúde e transporte, mas não o impacto sobre o preço das armas.

    O governo Jair Bolsonaro reduziu o IPI sobre revólveres e pistolas de 45% para 29,5%. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou muitos decretos liberalizantes do mercado de armas, mas não a redução de impostos, e agora se depara com a perspectiva de ver a tributação sobre o setor despencar. O tema passou despercebido no acelerado grupo de trabalho da Câmara, onde muito se discutiram a questão federativa, o conselho gestor do imposto unificado e a tributação sobre educação, saúde e transporte, mas não o impacto sobre o preço das armas.

    Foi na madrugada de 7 de julho, durante a negociação das concessões que garantiram o placar folgado de aprovação, que as armas encontraram uma brecha que pode tirá-las da sobretaxação e colocá-las à sombra de um regime especial de tributação reduzida.

    A inclusão do inciso que garantiu a redução da alíquota foi feita por uma emenda apresentada em plenário, pouco antes da votação, dos deputados André Figueiredo (PDT-CE) e Antonio Brito (PSD-BA), como líderes de seus blocos partidários que, além de seus partidos, reúnem quase a totalidade da Câmara (União, PP, PSDB, Cidadania, PSB, Avante, Solidariedade, Patriota, MDB, Republicanos, Podemos, PSC).

    Renata Mendes, que lidera o movimento Pra Ser Justo, acompanhou a votação madrugada afora. Diz que o texto com este inciso entrou no sistema às 21h43. Foi votado uma hora e meia depois sem que os parlamentares conhecessem o inteiro teor e o significado do que estavam a chancelar.

    O relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), se limita a dizer que a alíquota sobre armas ficou para ser definida em legislação complementar que tratará dos setores sobre os quais incidirá o “imposto seletivo”, com alíquotas superiores à básica. Na prática, porém, o texto aprovado não facilita a inclusão de armas e munições nesta sobretaxação, tanto que a equipe da Fazenda tem discutido com senadores uma mudança no texto.

    Com a unificação do IVA, abriram-se exceções para sobretaxar uns produtos e isentar outros. As armas se abrigaram na segunda hipótese. É o que diz parecer de duas advogadas, Luiza Menezes e Daniela de Oliveira, que embasa o estudo do Sou da Paz e Öxfam e mostra a rota para o éden tributário das armas.

    O texto aprovado na Câmara restringe a sobretaxação a produtos que afetem a saúde e o meio ambiente sem fazer qualquer menção àqueles que ameaçam a integridade física e a vida. A redação, na percepção das advogadas, não garante a inclusão de armas e munições neste capítulo.

    Sem abrigo para permanecer sobretaxado, o setor cairia na vala comum da tarifa do imposto unificado que a Fazenda estima em torno de 25%, alíquota que pode crescer a depender do número de exceções a serem abertas até o fim da tramitação.

    Foi uma delas que abriu uma brecha para as armas. Incluiu-se, no artigo 9, uma lista de bens e serviços que podem ter redução de alíquota de 60%. É neste rol que, em igualdade de condições com saúde e educação, entraram agrotóxicos e armas. A brecha para armas mais baratas entrou no último inciso do primeiro parágrafo do artigo: “Bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética”.

    E aí se explica a conta que abre este texto. Se armas e munições não poderão ser sobretaxadas, cairiam na vala comum do IVA, com uma alíquota de cerca de 25%. Já seria uma redução gigantesca em relação à atual taxação, mas o texto foi mais generoso ainda e, sobre esta alíquota, garantiu um desconto de 60%.

    É assim que se chega aos 10% que podem resultar como o imposto efetivo do setor, capaz de derrubar o valor de uma pistola Taurus de R$ 4,2 mil para R$ 2,6 mil.

    É improvável que o artigo tenha sido incluído em prol da defesa e da segurança públicas se as compras da administração pública direta e de suas autarquias já têm isenção garantida em outro artigo da reforma (156-A).

    Não parece haver dúvidas de que o texto saiu da Câmara com os generosos benefícios para a aquisição privada de armas e munições por obra, graça e pressão de um conjunto de interesses que não se arrefeceram com a saída de Jair Bolsonaro do poder.

    Mobilizaram-se a bancada ruralista, cuja base ganhou licença para se armar, não revogada por este governo, e quer baratear o custo de aquisição de armamento, os caçadores, atiradores e colecionadores, os CACs e expoentes da “Frente Parlamentar pela Defesa e Valorização dos Profissionais de Segurança Pública e da Segurança Privada” lançada concomitantemente à aprovação da reforma tributária na Câmara.

    O movimento que se consolidou na madrugada do dia 7 de julho na Câmara passou ao largo do Ministério da Justiça, onde se concentram as iniciativas para redução do arsenal de armas em mãos de pessoas físicas.

    Há uma afronta constitucional evidente na isenção tributária de armas apontada na nota técnica das entidades. A integridade física e a proteção a vida são princípios tutelados pela Constituição a serem resguardados pela tributação.

    A nota já circula em gabinetes do Senado, e a mudança pode vir a ser acolhida por um parlamentar da base governista. Outra hipótese é que vá parar diretamente no substitutivo do relator da reforma no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), para não indispor os proponentes com os setores que defendem o texto herdado de Câmara.

    Num recurso extraordinário de 2009, o Supremo Tribunal Federal avalizou a constitucionalidade de uma lei estadual do Rio que elevou para 200% a alíquota do ICMS incidente sobre armas de fogo e munições.

    “O tributo cumpre, na espécie, uma função extrafiscal: desestimular a compra de armas esperando-se, com isso, reduzir o nível de violência no estado. (…) Logo, produtos ou serviços que não sejam essenciais, como é o caso das armas para a população em geral, podem sofrer a incidência de carga tributária mais elevada”, disse o relator, Eros Grau, hoje ex-ministro da Corte.

    Dado o grau de animosidade que hoje preside as relações entre Congresso e Supremo, seria preferível que a reoneração de armas e munições não abrisse outra frente de batalha. Mas isso só será possível se o Senado se dispuser a mudar o texto da Câmara.

    Esta é aposta de interlocutores da Fazenda. A avaliação de um deles, envolvido na negociação, é que o arranjo derivou da correlação de forças da Câmara, desfavorável ao Executivo, e que a brecha para mudança é o Senado.

    Esta avaliação é anterior à aprovação, nesta Casa, do marco temporal das terras indígenas, que sinalizou uma inflexão dos senadores em relação ao Executivo. O Senado de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) sempre foi considerado uma Casa mais governista que a Câmara de Arthur Lira (PP-AL).

    Dois deputados acabaram de entrar na Esplanada dos Ministérios, Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e André Fufuca (Esportes), mas nem tudo no comportamento dos senadores se explica pelo ciúme.

    Fica cada vez mais claro, na Casa, que o ex-presidente Jair Bolsonaro se inviabilizou eleitoralmente mas seu eleitorado permanece fiel aos mesmos valores que o moveram. Por isso, as pautas das bancadas do boi, da bala e da bíblia permanecem em alta.

    Isso inclui o senador Rodrigo Pacheco, que parece ter sido preterido pelo governo para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, que chegou a almejar, e hoje está “condenado” a buscar seja uma reeleição ao Senado, seja o governo do Estado, em 2026.

    A alegação se concentra nas dificuldades evidentes de se enfrentar a resiliência do bolsonarismo em Minas, confirmada, no ano passado, pela reeleição do governador Romeu Zema e pela ascensão de fenômenos eleitorais como o deputado Nikolas Ferreira (PL) e o senador Cleitinho (Republicanos).

    Ao contrário de temas como aborto ou liberalização da maconha, porém, o acesso facilitado a armas é pauta que não agrega o bolsonarismo. Há brechas a serem exploradas, por exemplo, entre as mulheres pentecostais, para evitar que a insensatez aja em bloco.

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