Publicação, em parceria com Instituto Fogo Cruzado, Fiquem Sabendo e Abraji, mostra que apenas um estado cumpre todos os critérios de transparência ativa em segurança pública e que os demais descumprem a LAI em pedidos de dados
Que estados brasileiros publicam em seus portais da transparência informações sobre a violência e criminalidade que atingem suas populações? Quais cumprem ou desrespeitam a Lei de Acesso à Informação e pedidos feitos por cidadãos e jornalistas? Quantos detalham essas informações em nível local? Como jornalistas podem romper a barreira da cultura de sigilo para jogar luz em informações importantes para a construção de políticas de prevenção à violência?
O Instituto Sou da Paz se debruçou sobre essas questões e lança nesta quarta-feira (9/8) o “Segurança Pública em Dados: guia prático para jornalistas” (acesse aqui), em parceria com o Instituto Fogo Cruzado, a Agência Fiquem Sabendo e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A publicação é uma radiografia do tema no país e tem como objetivo contribuir para o trabalho de jornalistas e de comunicadores de todo o Brasil.
Além de ser um guia prático sobre como acessar dados disponíveis nas dezenas de bases e fontes disponíveis e também como obter dados não disponibilizados pelos governos via LAI, a publicação mostra quais unidades da federação cumprem critérios de transparência ativa nesta área, e que, apesar dos avanços, ainda ignora-se a lei quando se trata da segurança pública.
“A segurança pública é técnica e seus operadores oriundos de carreiras jurídicas ou policiais criam uma redoma difícil de transpor”, avalia Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, na introdução da primeira seção do Guia. “Saber como acessar e comunicar dados é essencial para que atores como jornalistas e sociedade civil possam romper essas barreiras, seja para promover um diálogo mais equânime, cobrar melhores políticas ou reconhecer as bem implementadas”, conclui.
O capítulo 3, “Panorama dos dados publicados (e os não publicados) ativamente por cada estado”, mostra que enquanto estados como Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeir, apresentam de forma ativa, ou seja, nos seus portais da transparência, dados de violência policial, além de vários outros índices, a Secretaria de Segurança de Minas Gerais nunca publicou essa informação, e que o portal da transparência de Roraima não publica nenhum índice, já que está em manutenção desde 2021. Sobre a diversidade de informações disponíveis, Mato Grosso do Sul, Ceará e São Paulo são exemplos de boas práticas, pois publicam todo mês indicadores de homicídios, feminicídios, roubos, entre outros, de todos os seus municípios.
Em relação à transparência passiva, exercida pelos órgãos após um pedido via LAI, foi realizado o mesmo pedido para as secretarias de cada um dos 27 deles entre abril e maio de 2023. Essa análise permitiu perceber a falta de padronização das respostas. Cada estado divulga os dados à sua maneira, sendo São Paulo o único que já disponibiliza de forma ativa no site da Secretaria de Segurança Pública a maioria dos dados solicitados no pedido LAI. Foi possível também perceber que as informações sobre raça/cor da vítima nem sempre são preenchidas, fator que compromete as análises de vitimização segundo o perfil racial.
“Quando um órgão público não divulga dados por iniciativa própria, a visibilidade das informações depende do quanto a sociedade civil está vigilante e preparada para fazer as perguntas necessárias para expor lacunas e abusos, principalmente em matéria de segurança”, avalia Taís Seibt, diretora de operações da Agência Fiquem Sabendo na abertura da seção 3, dedicada a “Como obter dados” por meio da LAI. “Com a LAI, temos os meios para perguntar. Na prática, porém, o desafio é bem mais complexo, por duas razões principais: a ausência de dados e a ‘cultura de sigilo’, que ainda persiste nas estruturas de segurança, mesmo após 11 anos da LAI em vigor”, conclui.
“Esperamos que a publicação ajude estudantes, profissionais de veículos e freelancers a se preparar melhor para a cobertura de um tema crucial, fornecendo ferramentas importantes e apontando caminhos para destravar impasses ao cumprimento da LAI”, afirma Katia Brembatti, presidente da Abraji.
Na seção final, Marianna Araujo, diretora de comunicação e inovação do Instituto Fogo Cruzado, observa que “vivemos em um país que convive com uma carência histórica na produção e difusão de dados sobre segurança”. Para ela, produzimos políticas públicas sem levar em conta dados e evidências. “Essa é uma das nossas bandeiras mais valorosas: precisamos nos basear em números, estatísticas e no conhecimento acumulado para, de fato, conseguir mudar a realidade. Sem esquecer que estatísticas representam pessoas, lugares e situações. Os números são histórias”, complementa Yuri Eiras, jornalista e redator do Instituto Fogo Cruzado.
O Guia traz, no capítulo final, iniciativas de comunicação inspiradoras e um pequeno guia de fontes, redes e movimentos sociais espalhados por todo o território brasileiro e que trabalham os diferentes temas da segurança pública, como controle de armas, violência policial, violência de gênero, sistema carcerário, política de drogas, entre outros, que podem ser procurado por jornalistas e amplificar vozes e narrativas por meio de reportagens.
Feito com jornalistas para jornalistas, O Guia “Segurança Pública em Dados: um guia prático para jornalistas” é um convite também a pesquisadores, ativistas, gestores públicos e qualquer pessoa que queira aprender desde como monitorar os diferentes índices de violência que afetam seus bairros até a comparar o nível de transparência exercido pelos governos de seus estados em relação ao resto do país”, afirma Izabelle Mundim, jornalista e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz. “Seu objetivo é desmistificar a ideia de que apenas especialistas e operadores dos sistemas de justiça e segurança pública devem debater os rumos das políticas públicas do campo e que cabem também a jornalistas e cidadãos comuns se apropriarem cada vez mais do debate”, afirma.