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    NOTÍCIAS

    UOL Confere | Governo federal distorce dados sobre violência para defender acesso a armas

    7 de outubro de 2021 às 02:51

    Por Pedro Canário (leio o texto completo publicado pelo UOL)

    7.out.2021 - Post da Secom distorce evolução dos números de mortes violentas para defender armas - Arte/UOL sobre Reprodução/Twitter Secom
    Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução/Twitter Secom

    O governo federal usou sua comunicação oficial para distorcer a evolução dos números de mortes violentas e fazer uma relação enganosa entre estes índices de criminalidade e o aumento no número de armas novas no país.

    No dia 27 de setembro, em um post sobre os 1.000 dias do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) publicou em suas redes sociais um gráfico acompanhado da frase “mais legítima defesa, menos mortes e violência”.

    Uma análise enviada ao UOL Confere pelo Instituto Sou da Paz, ONG que analisa políticas de segurança pública, mostra que o gráfico da Secom usa uma escala que distorce a evolução dos números de novas armas, homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios (roubo seguido de morte).

    Mesmo com a alta de novas armas durante o governo Bolsonaro, o número de homicídios dolosos subiu entre 2019 e 2020 — o que o gráfico não deixa claro.

    Armas x mortes

    O número de novas armas de fogo em poder de civis deu um salto durante o governo Bolsonaro, segundo dados da Polícia Federal reunidos pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

    Em 2017, foram registradas 42.387 novas armas; em 2018, 47.691. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, esta cifra praticamente dobrou e foi a 94.416. No ano passado, novamente quase dobrou, chegando a 186.071.

    Em paralelo, a quantidade de homicídios dolosos caiu entre 2018 e 2019 (de 48.965 para 39.628), mas aumentou entre 2019 e 2020 (de 39.628 para 42.225). Os dados são do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça), alimentado pelos registros de ocorrências feitos pelas polícias nos estados.

    Homicídios dolosos x Armas novas

    Estes dados estão no gráfico da Secom, mas a visualização usada pelo governo achata a linha da evolução de homicídios dolosos. Este crime tem a maior proporção entre as mortes violentas — nos anos citados no gráfico da Secom, os homicídios dolosos representam sempre mais de 90% das mortes enquadradas nos três crimes citados.

    O post do governo coloca em destaque a queda nos latrocínios, que representam menos de 5% das mortes decorrentes dos crimes mencionados no gráfico.

    A distorção ocorre porque a Secom optou por retratar dados de magnitudes muito diferentes como se tivessem a mesma ordem de grandeza. Enquanto o número de novas armas chega à casa de 180 mil em 2020, o de homicídios dolosos nunca passa de 60 mil nos anos mencionados no gráfico. Os de latrocínios não ultrapassam 2.500, e os de lesões corporais seguidas de morte não atingem mil.

    No mesmo post, a Secom também compara dados anuais de 2015 a 2020 com dados parciais de janeiro a maio de 2021. “O correto seria comparar, por exemplo, dados de janeiro a maio em todos os anos com os dados de janeiro a maio deste ano”, explica a diretora-executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo.

    Para ela, o post “apresenta uma argumentação simplista na tentativa de atrelar a política do governo em relação às armas a uma suposta redução da violência”.

    Armas predominam entre mortes violentas

    De acordo com números do Ministério da Saúde compilados pelo Sou da Paz, desde 2010, as mortes por arma de fogo respondem sempre por entre 70% e 75% do que a pasta classifica como “mortes por agressão”.

    Segundo o FBSP, das 50.033 vítimas de “mortes violentas intencionais” em 2020, 78% morreram devido a ferimentos provocados por armas de fogo. A categoria inclui homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais.

    Os dados do Ministério da Saúde, que se baseiam nas informações das certidões de óbito, também mostram que as mortes por arma de fogo com intenção indeterminada — quando não se sabe se foram homicídio, acidente ou suicídio — mais que triplicaram de 2017 para 2020 (de 818 para 2.556). Na série histórica que vai de 2010 a 2020, o número mais alto registrado antes de 2017 nesta categoria foi de 1.066 óbitos.

    O relatório do Sou da Paz enviado ao UOL Confere destaca que, “a despeito das variações, crescimento ou redução, o número de homicídios (ou de mortes por agressão) segue altíssimo, assim como a arma de fogo segue como principal meio empregado nesse tipo de violência.”

    Estudos consultados pelo UOL Confere mostram que há uma correspondência entre mais armas e o aumento do risco de mortes violentas.

    “Entre os preditores da letalidade, não é possível esquecer o crescimento expressivo do número de armas em circulação”, diz o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, do FBSP.

    O último Atlas da Violência, elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com o FBSP e publicado em agosto, afirma que “há consenso na literatura especializada do campo da segurança pública de que quanto mais armas disponíveis e em circulação, maior a probabilidade de crimes”.

    O estudo “Dossiê Armas, Crimes e Violência”, do pesquisador Thomas Conti, publicado em 2017, analisou 61 pesquisas sobre armas e criminalidade e constatou que 90% delas refutam a tese “mais armas, menos crimes”.

    O estudo “Mapa das Armas de Fogo nas Microrregiões Brasileiras”, publicado pelo Ipea em abril de 2013, estimou que um aumento de 1% no número de armas de fogo em circulação elevava em até 2% a taxa de homicídio. A pesquisa também identificou que as áreas com maior difusão de armas de fogo apresentavam uma taxa de homicídios 7,4 vezes maior que as de menor difusão.

    Correlação ‘simplista

    Na sexta-feira (1º), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, fez um post no Twitter com linha similar à da Secom.

    Segundo ele, os cinco estados “mais armados” (Acre, Mato Grosso, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul) “concentram 33% das armas” e “9% dos homicídios”. Já os “estados menos armados” (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Sergipe) “concentram 6% das armas” e “26% dos homicídios”. “Mais armas, menos crimes”, disse ele.

    Dados obtidos em 2019 pela Agência Lupa por meio da Lei de Acesso à Informação mostram um panorama diferente. Os estados com maior número absoluto de armas são São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, nessa ordem. Já os estados com mais armas em relação à população (armas por 100 mil habitantes) são Distrito Federal, Acre, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso.

    A diretora-executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo, afirma que transformar esse tipo de correlação estatística em relação de causalidade é “simplista” e costuma esconder a realidade, em vez de explicar.

    “Em segurança pública, nada pode ser explicado por uma única razão. O aumento ou redução de taxas sempre se deve a conjuntos de fatores, como as realidades institucionais, as mudanças sociais, mudanças de governo, de política pública e indicadores do tipo. Para falar que a criminalidade em determinado estado diminuiu, é preciso ver o que aconteceu naquele estado e o que aconteceu com aquela população, e isso não é tão simples quanto dizer que há mais armas circulando”, afirma.

    Segundo a diretora do Sou da Paz, “existe um método de se fazer política pública, que é de gestão por resultados. O secretário de segurança cria metas de acordo com os indicadores e estatísticas e monitora as movimentações nesses índices e cobra explicações e o cumprimento das metas. Os estados que reduziram homicídios na última década foram estados que investiram nisso, como foram os casos do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Espírito Santo”.

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