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    O Globo | Com um novo clube de tiro por dia, país já tem estandes de treino até perto de escola

    3 de maio de 2022 às 03:20

    Por Aline Ribeiro (Leia matéria original publicada pelo jornal O Globo)

    Cidade no Rio Grande do Sul teve que proibir disparos a menos de três quilômetros de colégio rural, que atrapalhavam aulas e ofereciam risco a alunos e professores

    No último dia 12, a Prefeitura de Santo Augusto, uma cidadezinha de 13 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul, resolveu com uma canetada uma querela que há meses afligia a comunidade local. A Prefeitura sancionou uma lei que proíbe a instalação de clubes de tiros num raio de três quilômetros de instituições de ensino. Estabelecimentos já situados nesse perímetro têm o prazo de um ano para se mudar.

    A medida foi tomada por um vereador da cidade para apaziguar os ânimos não só da vizinhança de um clube de tiros, mas principalmente de alunos de uma escola da zona rural localizada a 230 metros do estabelecimento. Moradores e estudantes reclamavam do barulho constante dos disparos feitos a qualquer hora do dia. Como o clube funcionava a céu aberto, o som não encontrava barreiras físicas e atravessava para o entorno. Houve até um vizinho que afirmou ter achado dois projéteis em sua casa (a Polícia Civil de Santo Augusto afirmou que “é remota” a probabilidade de as balas terem escapado para a comunidade).

    É a prefeitura de cada município quem define onde um clube de tiros pode ser instalado. A localização depende da lei de zoneamento, que não faz menção especificamente à venda de armas ou à prática de tiros, mas define áreas que podem ser ocupadas de acordo com o barulho que produzem. A mesma regra, portanto, vale para um bar e para um clube de tiros. Não existe uma lei federal que impede, por exemplo, que um estabelecimento do tipo esteja situado ao lado de um hospital, casa de repouso ou uma escola. Ao Exército, cabe apenas a liberação da licença e a fiscalização dos produtos controlados.

    Um clube de tiro por dia

    No ano passado, 457 novas entidades de tiro desportivo foram abertas no Brasil, um crescimento de 34% em relação ao ano anterior. É o equivalente a dizer que, a cada dia dia, mais de um novo estabelecimento passou a funcionar no país. Só nos primeiros três meses deste ano, outros 268 foram criados. No total, já são hoje 2.070 clubes e estandes com registros ativos, segundo o Exército Brasileiro. Os dados são inéditos e foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pelos institutos Igarapé e Sou da Paz.

    — A gente não abriu uma escola por dia no Brasil no último ano, mas abrimos clubes — afirma Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé.

    — Quando olhamos o aumento dos clubes e nenhum indicativo de que a fiscalização é uma prioridade dos órgãos, isso é muito preocupante. Ainda mais considerando o impacto dessa dinâmica na segurança pública nas cidades, porque há um crescimento de pessoas que transitam nesses locais com armas municiadas.

    Michele ressalta que, em 2020, o Exército fiscalizou só 2,3% dos arsenais privados do país. Os militares visitaram apenas 7.234 dos 311.908 locais que deveriam ser inspecionados, entre casas de caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs, além de lojas e clubes de tiro. Os dados, os mais recentes disponíveis, foram publicados no boletim “Descontrole no Alvo”, do Igarapé, segundo o qual “o governo federal está favorecendo o armamento de grupos específicos em detrimento da segurança da população em geral”.

    A solução local que Santo Augusto encontrou para lidar com o impasse impõe questionamentos de ordem nacional — ainda mais relevantes diante da proliferação dos clubes de tiros nos últimos anos. Quais as regras para a instalação de uma entidade desse tipo? Quais os critérios de segurança para armazenamento das armas e munições? A fiscalização está ocorrendo a contento?

    O empresário Gustavo Pazzini, dono do G16 Universidade do Tiro e Caça, explica que o processo que envolve a abertura e manutenção de um clube é criterioso. Além de uma lista extensa de documentos, segundo ele é necessário estar em dia com cinco órgãos. O Exército concede a liberação do Certificado de Registro (CR), que permite atividades com produtos controlados, e fiscaliza os espaços físicos que armazenam esses itens. A Polícia Federal autoriza transações entre lojistas com permissão para vender armas de fogo. A Polícia Militar fiscaliza, por meio dos Bombeiros, as instalações físicas da sede do comércio. À Polícia Civil cabe a inspeção das pistas de tiros. Já a Prefeitura dá a licença de funcionamento.

    Alunos com medo

    Se há tantos órgãos responsáveis por zelar pela segurança de um clube de tiro, como um a pouco mais de 200 metros de uma instituição de ensino funcionou livremente por meses? Leandro Duarte Radin, diretor da Escola Municipal Antônio João, na zona rural de Santo Augusto, conta que os problemas com o clube Caça Águias começaram em maio de 2021, mês em que os alunos voltaram para a escola de forma híbrida, em decorrência da pandemia.

    — Os professores não conseguiam fazer os alunos se concentrarem — lembrou Radin. — Várias atividades foram interrompidas, principalmente durante as aulas de Educação Física, que eram abertas. Teve uma tarde que só 30% dos alunos vieram para a escola. Houve pai que quis tirar o filho daqui.

    Como medida inicial, Randin fez um memorando para a Secretaria Municipal de Educação para relatar que os tiros estavam atrapalhando o desenvolvimento pedagógico dos alunos. Em seguida, organizou um abaixo-assinado e uma reunião com a comunidade. Por fim, sugeriu ao dono do clube para levar os pais de alunos até lá com a intenção de tranquilizá-los sobre as chances de os projéteis chegarem à escola, pedido que não foi atendido.

    O promotor de Justiça de Santo Augusto Eduardo Pohlmann conta que, depois de receber as denúncias, o Ministério Público verificou se o clube estava regular mediante aos órgãos. O Exército chegou a interditar temporariamente o espaço, até que o dono realizasse melhorias, como a construção de uma placa de aço para garantir a retenção dos projéteis. O clube foi reaberto, mas logo depois fechado pela Prefeitura, que não renovou seu alvará. Procurado pelo GLOBO, o dono do clube Caça Águias não retornou.

    A prefeita de Santo Augusto, Lilian Fontoura Depiere (DEM), conta que, para reabrir, o clube precisa apresentar um estudo de impacto da vizinhança que, entre outros itens, mede os ruídos causados no entorno. Ela ressalta que não é contrária à atividade, apenas ao local em que o estabelecimento está instalado.

    — Fizemos até uma proposta para eles acharem outro lugar, que nós entraríamos com maquinário e ajuda financeira para fazer terraplanagem. Mas eles não quiseram — afirma. — Não somos contrários ao esporte, até admiro quem pratica.

    Em nota, o Exército Brasileiro informou que a “autorização/localização de clubes de tiro é de competência do poder público municipal”. Questionado sobre a fiscalização, interdição e fechamento de clubes nos últimos anos, o órgão afirmou que os processos “não são registrados em sistema informatizado”. Em outras palavras, o Exército não sabe quantificar quantos estabelecimentos foram interditados ou fechados por irregularidades.

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