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    Nota Pública | Sou da Paz alerta para o avanço de projeto de lei que banaliza o acesso a armas

    6 de novembro de 2019 às 04:12

    Originado no vai-e-vem dos decretos sobre armas da Presidência da República, o PL nº 3.723/2019 foi aprovado ontem pela Câmara dos Deputados, após permanecer por dois meses na pauta do plenário.

    Devido ao longo impasse, na última semana partidos do centro e da oposição costuraram um acordo com o relator da proposta, o deputado Alexandre Leite (DEM/SP), para que o texto, que trazia alterações ainda mais profundas à política de controle de armas, fosse limitado às regras para caçadores, atiradores desportivos e colecionadores, conhecidos pela sigla CACs. A votação foi tumultuada, com acusações de quebra do acordo por lideranças partidárias, mas o texto acabou aprovado, promovendo uma enorme facilitação de posse e porte de armas para CACs e alterações nas penas para crimes associados ao uso e comércio de armas.

    O grupo dos CACs, que crescia ao ritmo de cerca de 8 mil pessoas ao ano em 2014, cresceu exponencialmente desde então, aumentando quase 900% até 2018. Este grupo hoje já soma 170 mil pessoas, boa parte delas muito mais interessadas nos privilégios que a legislação concede no acesso a armas de fogo do que em práticas desportivas legítimas, na caça de manejo ou no colecionamento de itens históricos.

    É bastante sintomático que o próprio relator do projeto seja integrante deste segmento, tendo concedido benefícios desconectados de uma agenda responsável para a segurança pública e de grande potencial danoso, como por exemplo a autorização de compra de até 16 armas anuais, inclusive de uso restrito; a autorização para que CACs andem armados nas ruas; a exclusão dos órgãos ambientais na fiscalização dos caçadores; a restrição da fiscalização sobre o arsenal em posse dos CACs, a permissão para que façam recarga ilimitada de munições, inclusive manuseando pólvora em suas casas, eliminando a já precária política de controle de munições. A banalização do acesso e do porte por meio do registro como CAC pode se tornar um desvio irreparável da política de controle de armas.

    O texto, que não tramitou por nenhuma comissão parlamentar, teve diversas versões que não foram publicadas nos canais oficiais da Câmara dos Deputados. Sem debate público, transparência ou publicidade, foram semanas de embate entre entusiastas de armas e parlamentares defensores de uma política responsável de controle de armas de fogo.

    Agora, o texto segue ao Senado Federal e é absolutamente fundamental que a Casa Revisora promova uma discussão legislativa muito mais profunda e transparente do que o que se observou na Câmara. O projeto aprovado ontem pela Câmara busca conceder benefícios a um grupo em suas atividades de hobby e lazer sem considerar o enorme risco que isso implicará para a segurança de toda a população brasileira. Não se trata de deslegitimar cidadãos que realizem de forma responsável e consciente suas atividades de desporto e lazer, mas estas práticas não podem ser autorizadas de forma que prejudiquem ao conjunto de uma sociedade já tão vitimada pela alta circulação de armas de fogo. O texto aprovado – se prevalecer em sua redação atual – certamente aumentará o número de armas e munições desviadas para o crime, inclusive de uso restrito, e aumentará a ocorrência de feminicídios, mortes ocasionadas por discussões banais e a vitimização policial.

    Acima de tudo, é fundamental que as lideranças políticas do país tomem consciência dos reais desafios – de segurança, econômicos, ambientais, sociais e educacionais – que afligem a população brasileira e orientem seus esforços a resolvê-los. Basta do desperdício de tantas energias para flexibilizar a política de controle de armas de fogo e aumentar o acesso da população ao armamento. Já são oito decretos presidenciais, um caos normativo sem paralelo, e meses de tramitação legislativa com o único objetivo de que – ao fim e ao cabo – mais armas sejam vendidas. É mais do que chegada a hora de que nossas lideranças políticas centrem esforços numa política séria e responsável de segurança pública e abandonem os interesses de lobistas de armas.

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