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    HuffPost Brasil | O Estado falha em efetivar o Estatuto da Criança e do Adolescente?

    25 de julho de 2020 às 09:58

    Por Danielle Tsuchida e Jéssica Moura (leia o texto original no Huffington Post)

    Índices de mortalidade entre adolescentes em privação de liberdade e taxas de adolescentes negros internados mostram que pontos do ECA ainda precisam ser tirados do papel.

    Três décadas marcam a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90), o ECA, uma das legislações mais avançadas do mundo sobre direitos de crianças e adolescentes, especialmente por ter rompido com a lógica histórica de objetificação desses indivíduos, dando a eles o caráter de sujeito de direitos e lhes conferindo prioridade absoluta nas políticas de atendimento.

    Muitos avanços foram alcançados nestes 30 anos: a redução das taxas de mortalidade infantil, a ampliação do acesso à educação, a implantação dos Conselhos Tutelares, responsáveis por zelar por esses direitos e, até mesmo, a redução do trabalho infantil. É sabido que o momento econômico atual ameaça parte destas conquistas, mas para uma importante parcela o desafio da garantia de direitos e de proteção integral sempre se faz presente. 

    A previsão da lei de aplicabilidade de medidas socioeducativas a adolescentes representou avanço, se comparado à lógica de encarceramento no sistema penal. Essas medidas visam a responsabilizar o adolescente pelo ato cometido, mas também promover a integração social e reparar os direitos que lhes foram negados anteriormente. 

    Aos 30 anos da lei, entre os diversos desafios enfrentados está a consolidação de dados estatísticos sobre o atendimento socioeducativo. Apesar de alguns avanços a partir da Lei 12.594, de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, os dados mais recentes trazem informações de 2016, ainda que a lei preconize a implantação de informações atualizadas sobre o atendimento socioeducativo, com recebimento de dados regularmente pelos estados.

    Em 2016, os dados indicavam que havia 25.929 adolescentes nas unidades voltadas à restrição ou privação de liberdade (semiliberdade, internação ou internação provisória), além de 521 adolescentes em outras modalidades de atendimento (internação, sanção e acolhimento inicial). 

    No mesmo ano, 49 adolescentes inseridos no sistema socioeducativo morreram sob a responsabilidade do Estado. Número alarmante e um pouco menor do que o do ano anterior, que indicava 53 óbitos nos ditos “estabelecimentos educacionais” segundo o que o ECA estabelece.

    Os 49 óbitos indicam a morte de 4 adolescentes por mês. Pode parecer pouco frente a 26.450 adolescentes internados, mas toda e qualquer vida perdida tem valor e sob tutela do Estado a discussão não pode ter o foco desviado. Essas mortes aconteceram em 13 estados e no Distrito Federal.

    O levantamento analisa os óbitos a partir de 2 cenários: os ocorridos dentro das unidades de internação e os ocorridos em saídas autorizadas. A partir daí, classificam-se as possíveis causas — conflito generalizado, conflito interpessoal, homicídio, suicídio, morte súbita e afogamento.  

    Cabe salientar que o único direito do qual o adolescente, nessas condições, deve ser privado é o de ir e vir. Das mortes ocorridas nas unidades, 76% foram classificadas como resultantes de conflitos, além de 18% decorrentes de suicídio, 3% homicídio e 3% morte súbita.

    Esses dados apontam para a importância de compreender os desafios que os estados estão enfrentando na gestão dos centros socioeducativos e, ainda mais, na importância e urgência de cuidados com a saúde mental dos adolescentes que ali estão internados. Se analisarmos as mortes nas saídas autorizadas, 90% foram classificadas como homicídios, o que aponta a gravidade do fato e abre o questionamento: o sigilo da identidade dos/das adolescentes está garantido? E como fica a responsabilidade do Estado, quando estes adolescentes são mortos sob sua tutela?

    Além disso, dos 26.450 adolescentes internados, 59,08% eram pardos ou pretos, seguidos de 22,49% de brancos. O percentual de amarelos e indígenas era de 0,91% e 0,98%, respectivamente. Dado relevante também é o alto percentual de registros sem informação de raça/cor, totalizando 16,54%. Esses dados não trazem em si uma novidade, já que historicamente o sistema socioeducativo é marcado pela presença de meninos negros de regiões mais periféricas. Esse desafio se soma à condição histórica de marginalização da população negra, sendo a mais vulnerabilizada, pois sofre pela pobreza e falta de acesso a direitos sociais básicos.

    Essa condição causa uma aceitabilidade e não desperta comoção social, ação da mídia e/ou grandes campanhas, especialmente se os corpos nestas condições forem de crianças ou adolescentes em situação de rua, institucionalizados nos serviços de acolhimento ou em condição de privação de liberdade dos sistemas socioeducativos. 

    Desse modo, não é possível pensar em adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas sem discutir racismo estrutural. E não podemos esperar mais 30 anos para que seus direitos sejam garantidos. A necessidade de romper com práticas que violam direitos, sejam estes direitos individuais ou coletivos é urgente e as ações podem e devem ser praticadas em todos os níveis.

    Como cidadãos, cabe a nós, além de romper com discursos que excluem, nos posicionarmos sempre diante de uma atitude racista e violadora de direitos. No âmbito institucional, de nossas ocupações profissionais, é essencial refletir se temos equidade de gênero e raça e buscar o diálogo com as lideranças para nos aproximarmos da equidade. No trabalho socioeducativo com adolescentes, nas possibilidades de espaços de construção de conhecimento, temos que discutir sobre a repetição histórica de comportamentos de exclusão e construir estratégias reais de rompimento destas práticas.

    Portanto, devemos cobrar do Estado a responsabilidade pela violência e morte da população negra que é atingida pelo sistema socioeducativo, o alto índice de morte por violência, condição de pobreza e tantas condições de vulnerabilidade. É necessário que todo/a e qualquer cidadã e cidadão defenda a efetivação de programas e projetos que proporcionem apoio à população negra por meio de acesso equânime às políticas públicas para diminuir esses índices.

    É fundamental ainda que as instituições capacitem continuamente seus/suas profissionais e busquem pelo investimento em políticas de prevenção da violência e de práticas restaurativas.

    Afinal, somente atuando para romper com o racismo estrutural é que será possível ampliar as possibilidades de preservação da vida dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

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