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    Gama | CV: CAROLINA RICARDO

    30 de novembro de 2022 às 02:51

    Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, que atua na redução da violência no Brasil, fala sobre desafios, aprendizados e objetivos profissionais

    Reportagem feita pela revista Gama (clique para acessar o texto original)

    Para um engenheiro, a construção de uma ponte pode ser uma tarefa sistemática. Mas para profissões menos exatas e mais das humanas, construir pontes tem um sentido figurado – e complexo. Seu significado tem uma importância especial para a advogada e socióloga Carolina Ricardo, 45, que é diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, uma organização da sociedade civil que atua há 20 anos na redução da violência no Brasil.

    Quando criança, queria ser presidente do país – “não quero mais, tá?”, e ri –, mas encontrou na área da segurança pública o espaço para gerar as mudanças que queria ver no mundo. Em sua trajetória, Carolina Ricardo foi consultora de prevenção da violência e segurança de gigantes como Banco Mundial, Banco Internacional do Desenvolvimento, Ministério da Justiça e International Centre for the Prevention of Crime, no Canadá. Hoje à frente do Sou da Paz, tem como missão a tal construção de pontes: “O diálogo é algo que me move, principalmente os improváveis”.

    Atualmente, o Instituto está envolvido em projetos de engajamento cívico no campo da segurança pública, fomento ao protagonismo juvenil para elaboração de propostas na área, além de pesquisas, campanhas e mobilizações para fortalecer políticas públicas com foco na desigualdade racial e de gênero e na violência armada, como explica a diretora-executiva. “Acredito muito que segurança pública não é uma coisa só de polícia ou só de governo, é algo que vai muito além de reprimir o crime. Precisamos de política de prevenção, investimento em desenvolvimento social e obviamente melhorar as polícias.”

    Com a crença de que a esperança é um dever, Carolina Ricardo diz que “para chegar em uma mudança estrutural você precisa fazer pequenas mudanças. É necessária resiliência”. A seguir, confira a entrevista na íntegra.

    G |O que te trouxe até aqui?

    Carolina Ricardo | Desde sempre, tive uma inquietação muito grande com as questões de desigualdade, nunca me conformei muito com a realidade que via ao meu redor. Fiz direito e um ano depois comecei o curso de ciências sociais. Eram visões muito diferentes mas complementares. Fui entendendo a profundidade e as complexidades de questões do nosso país, além das instituições e do mundo jurídico. Até que encontrei, na faculdade de direito, a disciplina de direitos humanos. Ali discutíamos justiça, igualdade, acesso a direitos básicos. Era muito bacana, até comecei a trabalhar como monitora da minha professora na época. Mas ainda me parecia muito distante da realidade. Meus estágios sempre foram em órgãos públicos, então discutia a produção legislativa, atendia pessoas que não tinham condição de ter um advogado privado. Nesse meio tempo, me candidatei para uma vaga no Instituto São Paulo Contra a Violência, responsável pelo Disque Denúncia e que trabalha com o tema da violência. Sem muita pretensão, acabei selecionada, e entrei para o mundo da segurança pública. Nunca foi meu maior sonho de emprego, foi apenas uma conjunção de coincidências. Mas quando comecei a trabalhar lá, me encantei com o tema da segurança pública.

    G |O que te moveu a trilhar esse caminho?

    CR | Tive um chefe, uma pessoa muito inspiradora, o professor Paulo de Mesquita Neto. Ele foi muito importante na minha trajetória, muito generoso, sério, competente e, acima de tudo, construtor de pontes. Ele era capaz de sentar com empresários, polícia e pessoas que fazem trabalhos de direitos humanos na comunidade, e encontrar conexões entre esses mundos. O diálogo é uma coisa que me move, principalmente os improváveis — claro, com limites de valores. Mas parto do princípio que precisamos construir essas pontes, porque polícia não é uma coisa só, a comunidade não é uma coisa só. E se acharmos pessoas que estão a fim de construir junto nesses lugares, conseguimos gerar transformação. Desde que comecei a trabalhar no Sou da Paz, acredito muito que segurança pública não é uma coisa só de polícia ou só de governo, é algo que vai muito além de reprimir o crime. Precisamos de política de prevenção, investimento em desenvolvimento social e obviamente melhorar as polícias.

    G |Qual é a importância de uma boa formação acadêmica na sua área?

    CR | Enorme. Tive o privilégio de fazer duas faculdades, direito e ciências sociais, que têm visões muito complementares. Ciências sociais traz uma visão crítica, a capacidade de perguntar, desconfiar, e um repertório que pensa o Brasil de forma mais teórica. O direito aplica, é mais prático. Conseguir lidar com o direito de uma forma mais crítica e também levar sua parte pragmática as questões sociais me deu uma solidez na profissão. Também fiz um mestrado em sociologia do direito, e fui estudar segurança privada, que não é exatamente com o que trabalho hoje, mas compõe todo esse universo da segurança de forma geral. A formação acadêmica me ajudou sobretudo nessa capacidade de reflexão, de diálogo, de legitimação e claro, de produção. Permitiu que eu fizesse muitas coisas diferentes. Quando estava em uma função mais interna, podia ajudar institucionalmente o Sou da Paz, olhar um contrato, também discutir uma legislação do ponto de vista jurídico, fazer uma análise complementar e estatística – foram muitas ferramentas que as duas formações me trouxeram e que dialogam de diferentes formas com o trabalho do Sou da Paz.

    G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?

    CR | É uma área muito técnica e masculina. Desde sempre foi assim. Minha formação e um tanto do meu perfil me ajudaram a ser ouvida e construir certa legitimidade. Essa característica de querer dialogar e construir de pontes, sem medo de se posicionar e criticar, foi importante, porque é um desafio trabalhar nesse campo sendo um ator mais crítico sobre as polícias e o sistema de justiça. Crítica, em geral, não é muito bem aceita, mas é melhor quando, junto dela, há um componente técnico forte que a sustenta. Ou seja, estou aqui, fiz a crítica, mas não é por isso que não vou trabalhar junto, que não vou achar o ponto positivo para a mudança. Essa postura, que tem menos a ver com a formação acadêmica, me ajudou a ser uma pessoa que consegue ser ouvida por diferentes atores do sistema de justiça, da polícia, e mesmo da ponta, nas comunidades. É difícil, porque às vezes somos criticados pelo movimento de direitos humanos e pelas polícias ao mesmo tempo. E claro, há o desafio de realmente promover mudanças. A sensação é que damos um passo para frente e dois para trás, que as transformações ainda são incrementais e não estruturais. Mas acredito que para chegar numa mudança estrutural você precisa fazer pequenas mudanças. É necessária resiliência. Existe o risco do retrocesso, temos que trabalhar muito para não deixar avanços se perderem e superarem gestões de governos.

    G |E seus maiores aprendizados?

    CR | Acho que tive aprendizados de várias naturezas. Claro que, na minha trajetória, levo muitas lições sobre segurança pública e seu impacto no mundo, mas também aprendi, no Instituto Sou da Paz, a ser uma gestora. Gostar de cuidar e desenvolver uma instituição. Isso tem a ver com o cuidado de pessoas, com o enfrentamento de desigualdades de alguma forma, de promoção de ambientes mais saudáveis de trabalho. É o entendimento de que aquilo que está dentro, e que não necessariamente aparece para o resto do mundo, é tão ou mais importante do que aquilo que aparece para fora. Só conseguimos gerar um impacto bacana e transformar a questão da segurança pública se tivermos uma instituição forte, organizada, sustentável, com pessoas comprometidas. E para isso, há muito trabalho interno: batalhar pelas pessoas, por remunerações melhores, por outros incentivos, fazer planos de avaliação, de desenvolvimento institucional, trazer formação e fomentar políticas de equidade racial e de gênero. A diversidade precisa ser uma meta porque ela enriquece o trabalho, amplia perspectivas, traz novos olhares. Do ponto de vista externo, considerando o Brasil, temos que sair do lugar de quem só aponta problemas – sem deixar de fazer a denúncia, mas mostrar que há caminhos, que há pequenos ganhos e conquistas também. Isso tem muito a ver com o meu perfil. Uma parte de mim será eternamente esperançosa e otimista. Esse equilíbrio, combinar o papel crítico e o construtivo, é difícil. Um professor que gosto muito, Luiz Eduardo Soares, falava sobre esperança junto ao otimismo, e que a esperança é um dever. Carrego isso comigo.

    G |Acha que faz sentido misturar causa social e trabalho?

    CR | Acho que é muito importante essa combinação. O Instituto Sou da Paz é marcado por isso, com profissionais que acreditam na sua causa. Mas acho que precisamos combinar também o ativismo e a capacidade técnica, porque é um campo que demanda tal legitimação. E existe um desafio extra, quando militância e trabalho se misturam muito, que as pessoas acabam sofrendo. Isso traz um custo pessoal alto. Precisamos de um equilíbrio: a combinação é importante e positiva, mas as pessoas devem olhar para esse custo com cuidado. Demanda cuidado.

    G |Você acha que falhou em algum momento?

    CR | É difícil achar um grande erro. Acho que tem uma questão de postura: todas as vezes que deixei de me colocar, de apresentar um problema, seja numa reunião interna de equipe, com um chefe, financiador, parceiro, ou mesmo alguém do governo, a tendência é que a ação caminhasse de forma mais torta. O grande erro é não se colocar, não apresentar com clareza o ponto de vista, mesmo que seja algo difícil ou que se contraponha ao que o interlocutor está dizendo. É muito importante discordar e às vezes esquecemos que é possível discordar. Aprender a ter conversas difíceis me ajudou a caminhar melhor na minha profissão, tanto do ponto de vista da gestão, quanto na elaboração de projetos e iniciativas, seja numa articulação com parlamentar, parceiro de governo, ou na ponta, com a comunidade. A franqueza é essencial. Foi a partir das consequências de não ter tido esses diálogos que fui aprendendo que é necessário e possível fazer isso.

    G |Qual a sua missão na sua profissão?

    CR | Minha profissão é múltipla. Sou um tanto gestora, um pouco advogada. Trabalho com projetos, com a polícia e com as instituições. É difícil pensar em uma única profissão. Mas tenho em mim a crença na mudança, tanto das instituições de segurança, da realidade que temos hoje, das injustiças. Acredito muito em uma instituição da sociedade civil que é forte o suficiente para promover mudanças. Minha missão é construir pontes e diálogos improváveis. Trabalhar para aproximar polos opostos, conversas entre juventude, sociedade e polícia, com pontos de vista diferentes, e buscar encontrar algum ponto de consenso. E a partir daí, tentar construir caminhos para mudar o mundo.

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