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    Em SP, metade dos casos de tráfico de maconha equivale a até 2 bombons

    27 de maio de 2018 às 03:02

    Matéria originalmente publicada na Folha de São Paulo,  com repercussão na versão em inglês e em espanhol.Fernanda MenaSÃO PAULO

    Sao Paulo, SP, 05-08-2016 – Policiais do Denarc entraram em predio do Cine Marrocos ocupado. Policia faz operacao contra trafico de drogas na Cracolandia, em Sao Paulo . (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress, COTIDIANO )

    ​Metade das ocorrências policiais de tráfico de maconha do estado de São Paulo envolve pessoas que portam, no máximo, 40 gramas da erva. A quantidade é equivalente a dois bombons.

    O montante corresponde, por exemplo, ao limite máximo de porte para caracterizar usuários no Uruguai, país que legalizou e regulou o mercado de maconha. Em Portugal, que descriminalizou o uso de drogas, portar 25 gramas é indicativo de uso. Na Colômbia, a marca são 20 gramas. Portar quantidades acima dessas são interpretadas como tráfico.

    No Brasil, o Supremo Tribunal Federal começou a discutir a descriminalização do porte para uso pessoal em 2015, quando tratou da necessidade de criar critérios objetivos para a distinção entre uso e tráfico. Não há prazo para o tema voltar à pauta do STF.

    No caso das ocorrências de São Paulo, os dados são de pesquisa inédita do Instituto Sou da Paz, que analisou cerca de 200 mil ocorrências policiais de crimes ligados a drogas entre 2015 e 2017. O estado concentra uma a cada quatro ocorrências de drogas do país.

    O objetivo da pesquisa foi jogar luz sobre a eficiência do trabalho da polícia. A corporação empenha recursos demais para prender pequenos traficantes e usuários?

    “Descobrimos que o caso típico de tráfico envolve quantidades muito pequenas de droga”, afirma Bruno Langeani, 35, gerente do Instituto Sou da Paz e um dos responsáveis pela pesquisa.

    Acusados pelo crime de tráfico de drogas costumam aguardar julgamento em regime de prisão provisória. Quando condenados, recebem pena de pelo menos cinco anos de reclusão.

    O estudo também mediu quantidades mais recorrentes nos casos de tráfico de cocaína e de crack. No caso da primeira, ao menos metade das ocorrências de tráfico envolviam 21,6 gramas de pó (ou três sachês de catchup de 7 gramas cada uma). No caso do crack, o número era de no máximo 9,4 gramas –pouco menos que dois sachês de açúcar de 5 gramas cada um.

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    De acordo com a pesquisa, duas de cada cinco ocorrências policiais de drogas em São Paulo são contra pessoas que portavam a droga para uso pessoal –conduta que a nova Lei de Drogas (2006) impediu de ser penalizada com prisão, ainda que a mantivesse como crime.

    O coordenador da pesquisa explica que cada caso desses envolve o emprego de viatura e de equipe de policiais que saem do patrulhamento das ruas, deixando de prevenir crimes que continuam crescendo no estado, como roubo e estupro.

    Além disso, afirma o coordenador do estudo, o caso gera inquérito que precisa ser instruído pela Polícia Civil e laudo da substância apreendida a ser realizado pela polícia científica antes de entrar no sistema de justiça criminal, no qual será acompanhado por um juiz, um defensor e um promotor.

    “Esse processo tem custo elevado. Falta lógica nesse tipo de atuação”, diz Langeani.

    Questionada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo não informou o número de policiais nem o tempo mínimo de sua permanência nas delegacias durante esse tipo de ocorrência.

    Em nota, a pasta informou que “o policial militar deve ser o primeiro a ser ouvido na ocorrência, entregando o preso à autoridade policial e retornando às suas atividades”.

    A Polícia Militar do interior do estado conduz proporção maior de usuários às delegacias que a da capital, onde o estudo aponta forte redução dessa prática. Na cidade de São Paulo, em 2015, 51% das ocorrências de drogas da PM envolviam apenas usuários. Em 2017, esse percentual recuou para 20%.

    Entretanto nem a Secretaria de Segurança Pública nem o comando da Polícia Militar, quando foram questionados pela reportagem, informaram as causas dessa mudança no padrão das ocorrências da capital.

    p(inter). 1% dos casos de tráfico da droga tem 76% das apreensões

    No outro extremo estão as ocorrências que envolvem toneladas das substâncias consideradas ilícitas. O levantamento revela que apenas 1% das ocorrências de tráfico de maconha são responsáveis por 76% do total de droga apreendida. No caso de cocaína, 1% dos casos respondem por 56% das apreensões. No do crack, 1% corresponde a 66% da droga confiscada.

    “Se o objetivo é dar um golpe no faturamento do crime organizado, as polícias deveriam focar nesse tipo de ação, em que fica evidente o uso de inteligência, investigação ou denúncias anônimas.”

    Para se chegar à quantidade média de maconha obtida nessas grandes apreensões (324 kg cada, em média) seriam necessárias 8.140 apreensões de dois bombons da erva (ou 40 gramas). No caso da cocaína, seriam necessárias 1.317 apreensões de três sachês de catchup (ou 21 gramas) para se obter a quantidade média de uma grande ocorrência (28 kg da droga).

    Para Langeani, os números mostram que gastar tempo com investigações e obtenção de informação qualificada é mais eficiente do que prender centenas ou milhares de pessoas com pouca droga.

    Segundo José Vicente da Silva, coronel reformado da PM de São Paulo, os dados evidenciam a ineficiência do trabalho policial contra o grande traficante e sua eficiência em pegar o pequeno operador. “Esse pequeno traficante é mais fácil de prender e não é significativo para a questão da violência. Prendê-lo pode ajudar na produtividade do policial, mas o retorno para a sociedade é quase nulo”, avalia.

    O economista e professor da USP Leandro Piquet Carneiro, porém, avalia que o policial não pode fechar os olhos para práticas criminosas, seja o uso ou o pequeno tráfico. “É complicado pedir ao policial que ignore a lei. Seu trabalho é justamente cumpri-la. Para mudar isso, é preciso mudar primeiro a lei”, diz.

    No Brasil, a chamada nova Lei de Drogas, de 2006, manteve o uso de substâncias ilícitas como crime, mas retirou a pena de prisão do rol de sanções. O texto, no entanto, não fixou qual quantidade de cada droga indica uso ou tráfico, o que fez com que ela fosse definida caso a caso por delegados e juízes.

    “Virou loteria porque tem juiz que diz que 20 gramas de maconha é tráfico, e outro que diz que é uso. É aleatório demais”, afirma Cristiano Maronna, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim).

    A ausência desse parâmetro é interpretada como principal motor da explosão no número de pessoas presas por tráfico de drogas no país.

    Entre 2005 e 2016, o percentual desses presos aumentou 349%. Cada preso custa, em média, R$ 2.400 por mês aos cofres públicos.

    O Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc) já apontou que não é eficiente prender pequenos traficantes –que costumam deixar os estabelecimentos prisionais mais envolvidos com organizações criminosas do que quando entraram.

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