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    El País | Consulta pública do Exército de apenas seis dias pode flexibilizar controle de armas sem apoio social

    1 de julho de 2020 às 11:57

    Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, Exército atenderá a pedido de Bolsonaro para diminuir a rastreabilidade de equipamentos e usará a audiência de prazo “ridículo” como argumento que houve participação da sociedade no processo

    Por Diogo Magri (leia matéria completa publicada pelo El País)

    Exército abriu no último dia 29 de junho uma consulta pública para recolher sugestões da sociedade civil sobre como deve ser regulado o rastreamento de armas e munições pelo Governo. Aberta somente até 5 de julho, a audiência pública serve, em tese, para auxiliar o Exército na elaboração das novas normas de controle, necessárias após conflito com o Ministério Público Federal oriundo da flexibilização da norma antiga, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, em abril deste ano. Na prática, Bruno Langeani, gerente de projetos da ONG Instituto Sou da Paz, alega que a consulta “de fachada” e de prazo “ridículo” serve apenas para responder ações na Justiça e não deve impedir o avanço da política de facilitar o acesso às armas pela população, um dos pilares da gestão de Bolsonaro.

    Em abril deste ano, o Exército atendeu a um pedido da Presidência da República para revogar as portarias 40, 60 e 61 da regra de controle de armas, que dificultavam o acesso do crime organizado a munições e armamentos extraviados das forças de segurança brasileiras. A revogação foi anunciada por Bolsonaro em suas redes sociais no dia 17 de abril e, no mesmo dia, confirmada em edição extra do Diário Oficial pelo Comando Logístico do Exército (Colog). Cobrado pela Justiça, o general Laerte de Souza Santos, chefe do Colog, justificou à Corte dizendo que as portarias estavam “inviabilizando economicamente” a indústria de armas, e as retirou por cobrança de clubes de atiradores e colecionadores.

    Bolsonaro e o Comandante do Exército, Edson Pujol, durante cerimônia em Brasília no dia 17 de abril.
    Bolsonaro e o Comandante do Exército, Edson Pujol, durante cerimônia
    em Brasília no dia 17 de abril. (SERGIO LIMA/AFP)

    A revogação teve como consequência duas ações na Justiça que estão no Supremo Tribunal Federal, movidas por PDT e PSOL, além de uma ação civil pública do Ministério Público Federal do DF na Justiça Federal, indicando que não houve motivação pública para retirar as portarias e pedindo investigação da interferência política do presidente no tema. Na época, o ministro Gilmar Mendes escreveu que “não há como avançar no combate ao crime organizado abrindo mão da rastreabilidade das armas e munições. Espalhar a violência e o poder de fogo na sociedade civil equivale a abandonar o Estado Democrático de Direito. Significa aumentar o número de homicídios”. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, também criticou a revogação das normas e prometeu pautar um debate sobre o tema entre os deputados.

    “Os mecanismos de fiscalização são instrumentos centrais para investigadores esclarecerem crimes”, explica Langeani. “Essa perda de controle claramente beneficia a qualquer tipo de crime organizado, de tráfico ou milícias, que com menos rastreamento e menos marcação, tem mais chances de se abastecerem com armas e munições e menos chances de verem seus crimes esclarecidos”, continua. Segundo revelou o jornal O Estado de S. Paulo em maio, o Supremo Tribunal Militar (STM) investiga 15 inquéritos sobre desvio de armas e munições legais para facções criminosas, clubes de tiro e milícias.

    A ação do MPF pedindo o restabelecimento das normas antigas convenceu o Exército a elaborar uma nova norma para o controle de armas, conduzida pelo general Alexandre de Almeida Porto, recém-empossado novo diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército. Assim, a consulta pública foi feita para trazer o argumento de que a sociedade civil foi ouvida no processo de elaboração da regra. No entanto, além da audiência ficar disponível por apenas seis dias, ela traz uma minuta que já exclui pontos abordados nas regras anteriores, como o limite para o tamanho dos lotes de munição (”quanto menor o lote, mais rastreável fica”, explica Langeani), a obrigação de código de rastreabilidade nos estojos de recarga de munição e a previsibilidade de acesso dos órgãos de segurança ao sistema para facilitarem a investigação e rastreamento. “Conveniente, né? E emblemático para ver o rumo que as coisas vão tomar”, constata o gerente do Sou da Paz. O EL PAÍS procurou o Exército para falar da consulta mas não teve retorno até o momento.

    “Essa consulta pública, até pelo prazo ridículo para um assunto absolutamente técnico, é para ter um argumento de participação pública, e não por um interesse participativo visando o aperfeiçoamento da norma”, opina Langeani. “O Exército e Governo se consultam com grupos privados, não com sociedade civil, grupos de combate ao crime organizado, delegacias especializadas em tráfico de armas. Nenhum desses foi escutado para o desenvolvimento de regras que são gestadas há três ou quatro anos. Isso mostra como a consulta de agora é uma fachada”, argumenta ele.

    A política armamentista do Governo Bolsonaro

    Desde a campanha para presidente, o discurso de Jair Bolsonaro em prol da flexibilização do controle de armas para garantir maior acesso a elas por parte da sociedade civil se faz presente. No começo, o argumento era da liberação da arma para a defesa da família e da propriedade privada, mas outro intuito do presidente ficou claro, para Bruno Langeani, a partir da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, onde Bolsonaro falou que desejava armar a população para impedir uma “ditadura”. Na visão de Langeani, “o presidente falou com todas as letras que ele queria escancarar a questão do armamento para que os cidadãos pudessem pressionar opositores. Tem um incentivo à formação de milícias pró-Governo bastante preocupante”, comenta.

    A pandemia virou terreno fértil para tentar mudar a legislação a favor da liberação de armas, como contou Gil Alessi em reportagem do dia 11 de maio. Também um levantamento feito pelo Nexo em 14 de junho mostra que, desde o início do mandato, Bolsonaro já tentou avançar em sua política armamentista com pelo menos sete decretos, um projeto de lei e duas portarias. Quatro decretos acabaram revogados pelo próprio Governo por conta da repercussão negativa, seja na sociedade ou no Congresso. Ainda assim, na prática, ele conseguiu estender para civis o acesso a armas anteriormente restritas às forças de segurança, aumentou o número de armas permitido para caçadores e liberou segurança pública e guardas municipais da autorização do Exército para adquirir novos equipamentos.

    “A gestão de Bolsonaro, nesse tema, foi marcada pela flexibilização total, falta de controle e a estratégia de caos normativo, como foi chamada essa política pelo MP”, conta o gerente do Sou da Paz. Entre todas as portarias decretadas, ele avalia duas como positivas, que aumentariam as possibilidades de rastreamento em cima de armas e munições. “Coincidentemente, ambas foram gestadas antes e sem nenhuma interferência de Bolsonaro, e as duas foram revogadas pelo Governo por pressão muito grande das indústrias e apoiadores do presidente”.

    Por fim, Bruno Langeani não enxerga a possibilidade de uma resistência do Comando Logístico ou da Fiscalização de Produtos Controlados do Exército frente às demandas particulares de Bolsonaro. “Os sinais estão cada vez mais claros de uma cooptação política do Governo junto ao Exército, o que faz com que o órgão se distancie da técnica para atender o presidente”, opina ele.

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