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    NOTÍCIAS

    Controle de armas transparente é direito das mulheres

    8 de março de 2023 às 04:52

    Polícias estaduais e a Justiça acessam os registros de apenas um terço do acervo de armas privadas do país, recadastramento pode ajudar neste controle e proteger vítimas de violência doméstica

    Neste 8 de março, o Instituto Sou da Paz e o Instituto Igarapé se unem em um apelo para que seja viabilizado o total cumprimento da legislação que defende mulheres da violência armada, especialmente aquelas causadas por companheiros ou ex-companheiros violentos.

    A Lei 13.880/2019, incorporada à Lei Maria da Penha, de 2006, prevê a apreensão de armas de fogo em posse de agressores nos casos de violência doméstica. Quando a vítima faz o registro de ocorrência na delegacia, a lei determina que a autoridade policial pergunte à vítima sobre a posse ou porte de armas do agressor e, em caso positivo, consulte nos sistemas de registro, junte essa informação aos autos e notifique a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro (Exército Brasileiro ou Polícia Federal), remetendo o inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. Cabe ao juiz, por sua vez, determinar no prazo de 48 horas a apreensão imediata da arma de fogo do agressor. O juiz também poderá aplicar a medida protetiva de urgência de suspensão da posse ou restrição do porte de armas.

    Reconhecendo a necessidade de que essa lei seja cumprida, o Conselho Nacional de Justiça, CNJ, editou uma recomendação (n.º 115 de 27/10/2021) para que sejam priorizadas as medidas protetivas de urgência de apreensão de armas de fogo em poder do agressor, além da suspensão da posse ou restrição do porte. Para isso, a Resolução determina que o Poder Judiciário faça uma integração operacional com o Ministério Público e com as áreas de segurança pública para garantir a máxima rapidez ao cumprimento da Lei e consequente apreensão de armas de agressores.

    Porém, hoje, juízes e polícias estaduais não têm acesso aos sistemas em que estão registradas a maioria das armas no país. Isso porque, se o agressor tiver armas compradas com um registro de CAC (Caçador, Atirador e Colecionador) ou for um militar com uma arma particular em seu nome, apenas o Exército Brasileiro tem o controle desses cadastros no Sigma, o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Assim, uma consulta que precisa ser feita com rapidez fica condicionada à troca de ofícios ou emails em meio à enorme quantidade de demandas e ao tempo de resposta dos gestores do sistema.

    Hoje, os CACs têm quase a metade (42,5%) das armas particulares registradas no Brasil e as armas particulares de militares estaduais e das Forças Armadas somam cerca de 25% do total. Outras categorias que têm posse e/ ou porte de armas no país são cidadãos com registro para defesa pessoal, servidores civis (como policiais e guardas civis), e caçadores de subsistência. O controle destes outros grupos é feito no Sinarm, Sistema Nacional de Armas, conduzido pela Polícia Federal, que hoje soma 32,9% do total de armas particulares registradas no país e, apesar de acessível ao âmbito estadual, também apresenta deficiências e restrições de consulta.

    Estamos falando de ao menos 1.989.287 armas com registros inacessíveis para consulta imediata da Justiça e das polícias estaduais, aproximadamente dois terços do total de quase três milhões de armas particulares que hoje estão em circulação no país. Este acervo particular, levantado pelos Institutos Sou da Paz e Igarapé mais do que dobrou desde 2018, após a publicação dos mais de 40 atos normativos que desmontaram a política de controle de armas, vigente desde 2003. 

    Esse é um exemplo concreto da importância do recadastramento de todas as armas de CACs junto à Polícia Federal, determinado pelo Decreto 11.366 de 1º de janeiro de 2023, que permitirá às polícias e tribunais estaduais fazerem essa consulta de propriedade e determinar as medidas cautelares necessárias com a agilidade que essas casos demandam. 

    O recadastramento, que vai até 2 de abril, ainda apresenta baixa taxa de adesão. Ele poderia ter evitado, por exemplo, a morte de Michelli Nocholich e de seu filho, no ano passado. Neste caso, a delegada solicitou apreensão e suspensão das armas do agressor registradas junto à Polícia Federal, mas ele tinha também armas registradas junto ao Exército que não foram identificadas a tempo. 

    Feminicídio não é acidente

    Mais de três mil mulheres morreram em casos de feminicídio, entre 2015 e 2021, num universo de mais de 12 mil mulheres assassinadas, segundo a plataforma EVA, do Instituto Igarapé. Em ambos os casos – feminicídios e assassinatos – 40% dessas mortes foram com armas de fogo.

    Os  dados mostram que a violência doméstica dá sinais precoces e há uma escalada da violência antes de chegar a um feminicídio. Quando olhamos para números de mulheres que sobreviveram depois de serem agredidas com o uso de arma de fogo, seja com um tiro ou ameaça, de cada três delas, uma já havia sido vítima de violência em episódios anteriores. E de cada quatro mulheres vítimas de violência (não letal) com arma de fogo, uma foi agredida pelo parceiro ou ex-parceiro, em crimes que acontecem majoritariamente dentro de casa (78%). Esses dados são do estudo “O Papel da arma de fogo na violência contra a mulher”, lançado recentemente pelo Instituto Sou da Paz, com análises de números do Datasus de 2020. 

    É dever do Estado proteger essas mulheres a tempo. Enquanto a burocracia, a ineficiência operacional de sistemas de dados fragmentados e obsoletos geram lentidão, vidas de milhares de mulheres, crianças e famílias inteiras permanecem em risco. 

    Saiba mais:

    Brasil de aproxima de 3 milhões de armas em acervos particulares

    Plataforma EVA

    Pesquisa O papel da arma de fogo na violência contra a mulher

    Recomendação Nº 115 de 27/10/2021, do CNJ

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