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    UOL | Internação por arma de fogo custa até 5,2 vezes mais do que gasto com saúde

    1 de novembro de 2023 às 04:05

    Reportagem publicada pelo UOL (clique para acessar o texto original), sobre a segunda edição da análise Custos da violência armada no sistema público de saúde

    O custo com a internação de uma pessoa atingida por uma arma de fogo é 3,2 maior do que o valor gasto pelo governo federal com a saúde de um indivíduo — em casos de alta gravidade, o gasto é 5,2 vezes maior. Os dados fazem parte do estudo “Custos da Violência Armada”, do Instituto Sou da Paz, divulgado hoje.

    O que diz a pesquisa Foram registradas mais de 17,1 mil internações para tratamento de ferimentos por arma de fogo em hospitais públicos do Brasil no ano passado, segundo o Instituto Sou da Paz. Elas custaram R$ 41 milhões ao SUS (Sistema Único de Saúde). Os gastos incluem valores com profissionais especializados, equipamentos, procedimentos cirúrgicos e manutenção do paciente, diz a organização.

    O levantamento aponta que, em média, uma pessoa ferida com baixa gravidade por arma de fogo custa R$ 1.402 aos cofres públicos, valor que sobe para R$ 3.804,33 em casos de alta gravidade. Já o custo per capita do governo com saúde é de R$ 737,89.

    Na contramão do cenário nacional de redução de internação por violência armada, o Norte do país teve aumento de 12% na taxa, de acordo com a pesquisa. “Essa região se destaca como um foco da violência armada, com forte presença do crime organizado e uma migração da violência para aquele estado”, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

    Na comparação com anos anteriores, o estudo mostra que há uma tendência de queda desde 2018 no número de internações motivadas por ferimentos a bala — incluindo as que resultaram em morte. Neste ano, a trajetória é também de redução. O Brasil registrou uma média anual de quase 42 mil mortes provocadas por arma de fogo entre os anos 2012 e 2021, diz o instituto.

    Nesse período, os atendimentos em hospitais e unidades de saúde públicas somaram quase 28 mil casos por ano. O estudo não mediu o impacto financeiro às contas públicas dos casos de ferimentos por arma de fogo que chegam ao sistema de saúde e resultam em morte sem passar pela internação.

    Procurado, o Ministério da Saúde informou que as bases de dados do Sistema de Informações Hospitalares e do Sistema de Informações Ambulatoriais registraram 7.364 atendimentos hospitalares e 4.119 atendimentos ambulatoriais de pessoas alvejadas por armas de fogo em 2022. A pasta não reconhece os dados do instituto.

    O UOL entrou em contato ainda com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas até a publicação da reportagem não obteve retorno. Os valores gastos com internação são altos. Além da perda das vidas, do impacto na saúde mental, da descrença na Justiça, a violência armada tem um grande impacto nos gastos públicos com a saúde. Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz

    ‘Fui baleado pelas costas’ O entregador Felipe Oliveira da Silva, 22, ficou internado por cerca de dois meses no Hospital Estadual Carlos Chagas, no Rio. Ele relata que estava passando por um viaduto no centro de Nilópolis, na região metropolitana, quando foi baleado por um guarda municipal, em 5 de agosto. O tiro foi disparado, segundo ele, durante uma blitz da guarda.

    A Prefeitura de Nilópolis (RJ) disse que o guarda municipal que atirou em Felipe Silva está afastado das funções desde a ocorrência. Desde então, “a Comissão de Sindicância Administrativa da Secretaria Municipal de Segurança Pública (SEMSEG), constituída através do ofício 088/2023, assim como a Secretaria de Administração, apuram o caso.

    ” A mãe de Felipe, Vânia Lúcia Freitas de Oliveira, 40, disse que somente na última semana ele deixou o hospital — quase três meses depois. “Lembro que escutei o barulho de um tiro e cai da moto. Não cheguei a ser parado. Depois disso não lembro mais nada”, diz ele. “Acordei muito tempo depois no CTI (Centro de Terapia Intensiva) estranhando tudo”, relata.

    Felipe disse que, além de tomar medicamentos diariamente, foi alimentado por meio de uma sonda no hospital. “Ele passou por cirurgias, ficou mais de um mês entubado, em coma e usou dreno pós-cirúrgico. Ele perdeu muito tempo enquanto estava no hospital, agora que está se recuperando”, diz a mãe. “Eu ia visitá-los todos os dias.”

    Nos próximos dias, Felipe deve começar a fazer fisioterapia para recuperar os movimentos. “Ainda não sei quanto tempo vou demorar para voltar a trabalhar”, diz ele. “Tenho tentado esquecer porque bate uma tristeza não poder andar, mas estou tentando.

    ” Nosso gasto tem sido imenso. Está tomando quatro remédios e todos os dias faz troca de curativos. Ele estava fazendo fisioterapia, mas agora precisamos arrumar ajuda financeira. Era ele que me ajudava trabalhando e agora vai ficar um bom tempo sem trabalhar. Vânia Lúcia Freitas de Oliveira, mãe de Felipe

    Custos dos tratamentos O valor médio de uma internação por ferimento causado por arma de fogo é 59% maior do que às agressões causadas por outros meios. Já o valor total das internações causadas arma de fogo é cerca de duas vezes maior do que as agressões provocadas por força ou arma branca.

    Os dados mostram que houve uma redução nos casos mais graves — como traumatismos intracranianos, no tórax e em órgãos intra-abdominais — em relação aos casos menos graves como ferimentos em membros superiores e inferiores.


    Casos de alta gravidade eram mais frequentes e cresceram até 2014 e se estabilizaram em 2015. Em 2022,
    os de baixa gravidade representaram 44% das internações e os mais graves, 27%. E 29% das internações
    correspondem a ferimentos de gravidade intermediária.


    A redução dos custos na saúde passa pelo enfrentamento e elucidação dos homicídios e por uma política
    que retire as armas de circulação. “Há uma hipótese de que os casos maior letalidade estejam diminuindo
    enquanto casos de violência urbana possam estar crescendo”, diz Carolina. “Mas é uma reflexão inicial, precisamos de mais informações.”

    Quem são as vítimas

    Homens representam 89,6% das vítimas de violência armada internadas no Brasil. Em 57% das internações as vítimas são pessoas negras. Em 16% das internações são pessoas não negras e em 26% dos casos não há informações sobre raça e cor.

    Pacientes homens ficam mais tempo internados e a diária deles custa mais e a taxa de mortalidade hospitalar é maior. Segundo o estudo, isso possivelmente reflete uma gravidade maior das lesões na comparação com as mulheres.

    Pacientes negros ficam mais tempo internados e a diária hospitalar custa menos. De acordo com o estudo, isso pode refletir desigualdades em termos de acesso aos recursos de saúde. “A disponibilidade de recursos humanos é menor nos estados em que a população negra é mais representada”, diz Carolina.

    Violência armada por regiões

    No país, a taxa de óbitos é duas vezes maior do que a de internações por ferimentos provocadas por arma de fogo. Mas o estudo aponta diferenças regiões: no Distrito Federal, a taxa de internação é 69% maior do que a de mortes, no Piauí é 50% superior e 22% maior no Acre.

    “Alguns centros podem concentrar o atendimento de pacientes feridos que sofreram a agressão em outros lugares, no seu entorno ou em outros estados”, diz Cristina Neme, coordenadora do estudo e coordenadora de Projetos do Sou da Paz. “É o caso do Distrito Federal, que tem a taxa de internação hospitalar mais alta da região Centro-Oeste, mas a taxa de homicídios é bem menor do que a da região e a do estado de Goiás.”

    Já em Pernambuco, Mato Grosso e Goiás, a taxa de mortes chega a ser quatro vezes maior do que a de internações por arma de fogo. “Essas regiões podem ter casos de violência armada muito graves que as pessoas sequer sejam levadas à internação ou ainda que as pessoas sejam levadas para serem atendidas em outros locais.”

    Norte e Nordeste têm maior custo com o atendimento e tratamento das pessoas feridas por arma de fogo. Segundo Cristina, essas regiões têm as mais altas taxas de homicídio e de internação para tratamento das vítimas que sobrevivem aos ferimentos provocados por arma de fogo.

    No Norte, Amazonas e Pará têm as mais altas taxas de internação, em movimento ascendente. No Nordeste, o Piauí tem a maior taxa de internação por violência armada. No Sul e no Sudeste, o estudo mostrou uma redução da taxa de internação em todos os estados em 2022. O Brasil ainda gasta pouco com saúde pública. Apesar da importância e do desenvolvimento do SUS, o gasto público com saúde ainda é baixo em comparação a outros países. Há uma necessidade constante de mais recursos. Se diminuirmos o nível da violência armada, esses recursos poderão ser investidos em outras frentes. Cristina Neme, coordenadora do estudo e de Projetos do Sou da Paz

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