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    UOL | Devemos regular ou proibir o uso de drogas no Brasil?

    19 de janeiro de 2021 às 02:32

    Por Marcelle Souza (leia a matéria completa publicada pelo UOL)

    Especialistas dizem que as políticas de drogas precisam levar em conta não só a segurança pública, mas também o serviço de saúde e assistência social, separando ações de tráfico das voltadas ao tratamento dos dependentes químicos.

    Assim, os governos podem liberar (sem estabelecer normas para o uso e produção), regulamentar (com definições claras de quem, onde e quanto pode consumir) ou criminalizar o consumo. O Brasil, hoje, se encaixa no último grupo, e pesquisas mostram que nossas políticas de segurança pública acabam focando no usuário, e não no grande traficante

    “Acredito que há um avanço significativo no debate sobre drogas no Brasil, porém, o peso da justiça criminal ainda não deu espaço à abordagem da saúde pública, e a repressão precisa ser focada no crime organizado e no tráfico violento de drogas, não nos usuários. Além disso, a criminalização gera corrupção de agentes públicos e violações de direitos humanos”, avalia a pesquisadora uruguaia Viviana Porto, doutoranda em Ciências Políticas na Universidade Nacional Autônoma do México e especialista no tema. O Uruguai, país natal de Viviana, foi o primeiro país do mundo a legalizar a venda de maconha para uso recreativo.

    O médico Claudio Jerônimo da Silva, professor afiliado no departamento de psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é contrário à liberação e diz que não podemos afirmar que a guerra às drogas tenha falhado no Brasil. “Será que a gente fez tudo o que podia? Será que a gente combateu o grande traficante? A saída então seria liberar o consumo? Eu discordo”.

    Ele afirma que a saída passa pela diferenciação entre usuário e traficante, e políticas de saúde pública que tenham como meta a abstinência. “Pela experiência que tenho, inclusive na Cracolândia em São Paulo, acho muito difícil regular o uso de drogas como cocaína e crack, que têm níveis de deterioração e desorganização comportamental muito rápidos”, diz.

    É crime usar droga no Brasil?

    Publicada em agosto de 2006, a Lei de Drogas (nº 11.343) define os crimes e as normas para a repressão ao tráfico de entorpecentes no Brasil. Segundo o artigo 33 da lei, a pena é de cinco a 15 anos para quem “importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas”.

    O texto trata ainda da posse para o consumo pessoal no artigo 28, que não estabelece pena de prisão. A norma define que a pessoa receberá uma advertência sobre os efeitos das drogas, poderá ser condenada à prestação de serviços à comunidade ou deverá comparecer a um curso educativo sobre o tema.

    “A Lei de Drogas de 2006 retirou a pena de prisão do usuário, mas continua tratando desta questão dentro da esfera criminal. Como resultado, o sistema prisional está superlotado e várias violações de direitos humanos são cometidas em nome da guerra contra as drogas”, avalia a pesquisadora Viviana Porto.

    Como são as leis em outros países?

    A maioria dos países da América Latina criminaliza o consumo e o tráfico de drogas. Sete deles já aprovaram o acesso à cannabis medicinal: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai.

    Há sete anos, o Uruguai aprovou uma lei que estabelece normas para a venda e consumo de maconha. “A regulamentação foi baseada na necessidade de melhorar a saúde da população através de uma política destinada a minimizar os riscos e reduzir os danos do uso da cannabis. Além disso, essa política procura reduzir a incidência do narcotráfico e do crime organizado, proporcionando ao mesmo tempo a possibilidade de educar e conscientizar toda a população sobre os riscos envolvidos no vínculo com o comércio ilegal”, explica Porto.

    Em Portugal, o consumo de drogas foi descriminalizado em 2001. Segundo a lei, a pessoa que for pega com até dez doses (o que varia de acordo com a substância) é considerado doente crônico, não criminoso, e pode ser encaminhado para tratamento. Acima dessa quantidade, são aplicadas sanções penais para quem trafica ou produz droga.

    No país, os usuários de substâncias injetáveis ainda têm acesso a material esterilizado e espaços de consumo supervisionados, além de serviços de tratamento da dependência química. A ideia é que, assim, sejam reduzidas as chances de transmissão de HIV e de morte em caso de overdose.

    Salas de uso monitorado existem em países como Holanda, Suíça, Alemanha e Espanha.

    Além de saúde e segurança, a legalização também é uma questão financeira. Em 2018, o Canadá legalizou o uso da maconha para fins recreativos. Nos cinco primeiros meses, o país arrecadou US$ 139 milhões em impostos.

    “Quando a gente olha a realidade norte-americana [onde alguns estados regularam o consumo de maconha], vê que o tema, inclusive, é tratado como uma questão de negócio, com pagamento de impostos e geração de receita para a indústria”, diz Leonardo de Carvalho, coordenador de projetos no “Instituto Sou da Paz”.

    Traficante ou usuário?

    A norma não define um critério para qualificar o consumidor, referindo-se apenas a pessoa que portar “pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”. Sobre esse trecho, tramita uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode definir quais substâncias e em qual quantidade deveriam ser descriminalizadas no Brasil. A discussão tramita desde 2015 e sua votação já foi adiada várias vezes pela Corte, que não tem data para retomá-la.

    “Essa ação é muito importante e estratégica para discutir a política de drogas no Brasil, porque seria uma forma de criar critérios objetivos para fazer a tipificação do que separa o porte do tráfico”, afirma Leonardo de Carvalho.

    Enquanto os ministros do STF não avaliam o tema, é a Justiça que define quem é traficante e quem é usuário no Brasil. O problema é que, assim, os critérios ficam subjetivos, e uma mesma quantidade de cocaína pode levar ou não uma pessoa para a prisão, dependendo de quem e onde foi feita a abordagem policial.

    Qual o perfil do preso por tráfico no Brasil?

    Em 2018, o Instituto Sou da Paz publicou um estudo que mostrou que metade das ocorrências de tráfico de maconha em São Paulo envolviam pessoas que portavam 40 gramas da erva, o que equivale a dois bombons. O dado é resultado da análise de 202 boletins de ocorrência registrados entre janeiro de 2015 e setembro de 2017.

    No caso dos detidos por cocaína, metade das ocorrências envolviam 21,6 gramas de pó, o que corresponde a três sachês de catchup. Entre os presos com crack, a mediana apreendida era de 9,4 gramas, comparável a dois sachês de açúcar.

    “Existe toda uma dinâmica de que o pequeno traficante é detido, encaminhado pela PM à delegacia, o que envolve custos e tempo. E o que esse estudo mostrou é que, no final das contas, esse recurso pode ser melhor empregado, já que essas ocorrências com pequenas apreensões não vão impactar no grande mercado de droga”, diz Leonardo de Carvalho.

    Prender ou tratar o usuário?

    Os especialistas ouvidos pelo Ecoa estão de acordo em um ponto: do modo como está hoje, a lei prende muitos usuários e os afasta do sistema de saúde. Como a lei não é clara, parte deles acaba sendo preso como traficante, enquanto poderia ser encaminhado para tratamento.

    “A criminalização acaba afastando do sistema de saúde aqueles que mais precisam de atendimento por medo de serem presos, aumentando o risco de mortes por overdose e estigmatizando cada vez mais populações vulneráveis”, diz Viviane Porto.

    “Quando você diz que esse é um problema abordado exclusivamente pelo sistema de justiça, a pessoa deixa de ser paciente e de receber o tratamento adequado, porque foi presa. O sistema deveria ser um pouco mais integrado”, diz o psiquiatra Claudio Jerônimo da Silva.

    O médico cita como exemplo um projeto de justiça terapêutica adotado na zona norte de São Paulo, uma parceria entre o Fórum Criminal de Santana e o AME (Ambulatório Médico de Especialidades) da Vila Maria. “O juiz dá duas saídas à pessoa detida com pequenas quantidades por tráfico: ou continua todo o rito da Justiça ou participa de um programa de tratamento”, conta. No segundo caso, a equipe médica precisa informar periodicamente o fórum sobre o cumprimento das medidas.

    A iniciativa, no entanto, é pontual, e especialistas criticam a falta de uma política nacional e articulada nesse sentido. Além disso, para atacar o problema, alguns dizem que a saída seria a regulação do uso das drogas. “Essa é uma política contraproducente e de maximização de danos, que deve ser mudada se buscamos uma política de drogas mais humana e eficiente”, diz Porto.

    O psiquiatra Claudio Jerônimo da Silva, no entanto, defende ações com objetivo final na abstinência, e diz que a regulação pode acabar aumentando o consumo de substâncias que causam graves problemas sociais e de saúde.

    “Uma parte das pessoas vão desenvolver problemas sérios de saúde por conta do uso da droga. Se você toma qualquer decisão de política pública, na linha da regulação ou da liberação, certamente aumenta o número de usuários e a chance de que esse encontro seja problemático. Por essa razão, tendo a ficar mais no polo da proibição de uso droga”, afirma Silva.

    Legalização aumenta o consumo?

    Segundo o último relatório da ONU sobre drogas, divulgado em junho do ano passado, ainda é difícil avaliar o impacto da legalização da maconha, realizado recentemente em alguns países. O problema é que, como se trata de um mercado ilegal, é difícil ter uma estimativa real do uso antes da lei.

    O texto da ONU, no entanto, afirma que, no caso da cannabis, o uso frequente aumentou em todas as áreas após a legalização. “Em alguns desses países, os produtos mais potentes da cannabis também são mais comuns no mercado”, afirma a organização.

    No Uruguai, dados do IRCCA (Instituto de Regulação e Controle da Cannabis) mostram que, entre 2014 e 2018, ocorreu uma redução de cinco vezes no tráfico da cannabis prensada e não foi detectado aumento no consumo da substância. Além disso, até o final de 2019, estimava-se que o mercado ilegal deixou de ganhar US$ 22 milhões (aproximadamente R$ 118 milhões) com a regulamentação.

    Um estudo publicado na revista acadêmica JAMA Psychiatry mostrou um pequeno aumento do consumo de maconha entre adolescentes após a legalização nos Estados do Colorado, Washington, Alaska e Oregon. Na faixa de 12 a 17 anos, a dependência da substância aumentou de 2,18% para 2,72%. O número se manteve inalterado entre pessoas de 18 a 26 anos.

    “Mesmo que as descobertas sejam preocupantes, isso não significa que a maconha não deve ser legalizada”, disse Magdalena Cerdá, líder da pesquisa e diretora do Centro para Epidemiologia de Opioides e Política da New York University, em entrevista a Business Insider. Para a pesquisadora, é preciso investir em programas para ajudar os dependentes e de prevenção ao consumo por adolescentes.

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