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    NOTÍCIAS

    Uma barbárie chamada Brasil

    5 de maio de 2017 às 10:30

    Por Eliane Lobato e Fabíola Perez, da Isto É

    Incêndios de ônibus, ataques a índios, chacinas, linchamentos e outros crimes selvagens mostram que as autoridades falharam no desenvolvimento de políticas de segurança pública. E o País, como nação

    Na tarde do domingo 30, 200 homens armados com pistolas e facões atacaram uma aldeia indígena no município de Viana, no interior do Maranhão. Treze índios da etnia Gamela ficaram feridos (cinco deles à bala) e um teve as mãos decepadas. Na terça-feira 2, traficantes queimaram nove ônibus no Rio, espalharam terror pelas ruas da cidade e, como de praxe, deixaram alguns mortos. Também na semana passada, noticiou-se que uma senhora de 78 anos morreu após ser espancada por um enfermeiro em um hospital de São Paulo. Há alguns dias, informou-se que uma criança foi torturada e mantida como escrava pela mãe e o padrasto, também na capital paulista. No Ceará, um ciclista foi atropelado de propósito. Em Santa Catarina, uma torcida de futebol entoou um grito de guerra que fez troça da morte dos jogadores da Chapecoense no acidente de avião. Por mais que não seja possível estabelecer uma conexão direta entre episódios tão distintos, eles têm em comum o fato de escancararem as entranhas de uma nação doente.

    58.492 mortes violentas intencionais em um ano

    A cada 9 minutos uma pessoa é morta violentamente no país

    76,3 bilhões foram gastos com segurança pública

    As despesas com segurança pública representam 1,38%  do PIB

    Números de guerra 256.124 Mortes violentas na Síria (2011 a 2015) 

    279.592 Mortes violentas no Brasil (no mesmo período)

    Tragédia social

    O Brasil, este País de tantas aflições políticas e econômicas, é agora também palco de uma barbárie sem fim. A violência está em toda parte e de tal forma disseminada que, é impossível negar, estamos indiferentes a ela. As mortes estão aí, no trânsito nosso de cada dia, no assalto no farol, no linchamento de um doente internado em uma UTI qualquer, nos morros, nas chacinas dos pobres, nos presídios (sim, já esquecemos as decapitações no Amazonas). “A sociedade como um todo falhou”, diz Tatiane Moreira Lima, juíza da Vara de Violência Doméstica do Butantã, habituada a arbitrar casos de violência avassaladora.
    De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada nove minutos uma pessoa é morta violentamente no País. Isso corresponde a 58.492 assassinatos em apenas um ano – o equivalente à população inteira de uma cidade como Ubatuba, no litoral paulista. Por trás do quadro nefasto, alguns fatores ignorados pelas autoridades revelam por que chegamos a esse ponto. Para especialistas, a cultura do ódio ganhou amplitude nos últimos anos, alimentada pela deterioração das relações humanas e pela raiva sem filtro destilada em muitas páginas da internet. “Estamos passando por um processo de acirramento de conflitos”, diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Há um crescimento da intolerância e do ódio que permeia toda a sociedade.”

    Com esses agravantes, e a falta de credibilidade das instituições, ganha força a tese de fazer justiça com as próprias mãos. Soma-se a isso o despreparo dos órgãos de segurança pública para enfrentar crimes de alta complexidade. Para se ter uma ideia, a taxa de resolução de homicídios no Brasil não ultrapassa os 5%. Basta ver a questão por outro ângulo para entender a gravidade deste número: 95% dos criminosos não são punidos pelas mortes que cometeram. A escalada da criminalidade também se relaciona diretamente com a desigualdade brutal e as condições econômicas desfavoráveis. “O País está empobrecido, as autoridades dão péssimos exemplos de corrupção e, com os altos índices de desemprego, fica difícil frear o ingresso de uma pessoa no crime, que dá retorno financeiro e poder”, afirma Marcello Dornelles, presidente do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC). “Enquanto a segurança não for vista como um fator central, o Brasil não vai estar entre as nações mais desenvolvidas do mundo”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor e presidente do Fórum.

    Desde a terça-feira 2, as imagens de guerra na comunidade Cidade Alta, em Cordovil, zona norte do Rio de Janeiro, chocaram o mundo. A batalha entre duas facções rivais que disputavam o controle do tráfico na região assustou moradores, impediu cerca de seis mil crianças de irem às escolas e instaurou uma atmosfera de pânico nos bairros. Na quinta-feira 4, cinco pessoas morreram no Complexo do Alemão em outro confronto com o Batalhão de Operações Especiais (Bope). Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, realizada entre 2006 e 2016, verificou que os piores índices de violência, antes restritos à capital, agora se disseminaram por todo o território fluminense. “Isso tem um grande impacto no planejamento da segurança. Como vamos aplicar os recursos tão escassos?”, diz Maria Isabel Couto, coordenadora do estudo. “Em relação às UPPs, enquanto que, entre os anos de 2008 e 2012, houve uma redução dos índices de violência, no ano passado retornamos aos patamares de homicídios, roubos e assaltos anteriores à iniciativa.

    As UPPs são consideradas hoje um exemplo da falta de continuidade e da desatenção das autoridades. “Eram um projeto promissor, mas que não foi pensado a longo prazo”, afirma Samira. Isso porque, segundo ela, as políticas de segurança no País são criadas para sanar problemas pontuais e não estruturais. O objetivo das UPPs era a construção da confiança da comunidade na polícia cidadã. “Tornou-se uma política de enfrentamento violento e sem resultado”, afirma Julia Lemgruber, socióloga da Universidade Cândido Mendes. A coordenadora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, acredita que não há uma política que incentive a prestação de contas e de cumprimento de metas no âmbito da segurança.

    No dia 5 de abril, sete pessoas morreram em um bar no bairro do Jaçanã, zona norte de São Paulo, e mais três foram executadas no Campo Limpo, na zona sul. A dinâmica quase sempre se repete: homens utilizando carros ou motos atiram contra moradores em regiões da periferia. “São delitos que ocorrem por acerto de contas, com algum grau de planejamento, por isso, chegar à origem não é algo simples para os policiais”, afirma Mário Sarrubbo, procurador da subprocuradoria geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais. Os últimos dados revelam que 17.688 pessoas foram mortas pela polícia entre os anos de 2009 e 2015. Para evitar que esses números se multipliquem, é dada ao Ministério Público a função de controlar da atuação das polícias civis e militares. Mas na prática, não é o que ocorre. “O órgão não está preocupado com a violência policial e atua de forma totalmente omissa”, diz Samira.

    Imagem prejudicada

    Alguns casos de agressão e tortura tratados com naturalidade demonstram o nível de banalização da violência que sangra o País. Em dezembro do ano passado, uma garota de dez anos, com o corpo repleto de cicatrizes, revelou diversas atrocidades que sofreu pela própria mãe e pelo padrasto. Por quatro anos, foi castigada brutalmente, com cortes na língua e em outras partes do corpo, por não limpar a casa. Na terça-feira 2, a juíza Tatiane Moreira Lima condenou a mãe Vanessa de Jesus a 48 anos de prisão e o padrasto Adriano dos Santos a 33. “A violência atinge de forma mais severa grupos vulneráveis, crianças, adolescentes, mulheres e idosos”, afirma ela.

    O horror destrói a imagem do País. A pesquisa Expat Insider 2016, realizada com 14.272 expatriados, expõe um quadro desolador. Dos 67 países avaliados, o Brasil ficou em 64º entre os melhores lugares para um estrangeiro viver. Somente a Nigéria, Grécia e Kuwait são piores. Os altos índices de criminalidade e a incerteza política estão entre os motivos apontados pelos entrevistados para lastimar a vida brasileira. Eles estão certos. Por aqui, a barbárie impera.

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