Em data histórica, vizinhos como Argentina e Uruguai tomaram a dianteira e estão entre os países que contribuíram para a entrada em vigor do tratado
No dia 25 de setembro oito países ratificaram o Tratado sobre o Comércio de Armas (ATT, na sigla em inglês) durante a 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Em cerimônia especial na sede ONU, em Nova Iorque, Argentina, Bahamas, Bósnia-Herzegovina, República Tcheca, Portugal, Santa Lúcia, Senegal e Uruguai elevaram para 53 o número de ratificações do ATT.
O tratado terá força de lei a partir de 24 de dezembro deste ano, 90 dias após atingir o mínimo de 50 ratificações. Até o dia 24 de setembro, o documento contava com 45.
“Hoje é um dia absolutamente histórico, mas a batalha para controlar o comércio internacional de armas está longe de ser vencida. Chegamos ao fim de uma longa caminhada, mas demos apenas o primeiro passo em busca de transferências de armas mais responsáveis. Muitos anos de trabalho da sociedade civil global culminam hoje, mas é apenas o começo da difícil transição entre o ‘papel’ e a prática que pode vir a realmente proteger pessoas nas regiões mais violentas do mundo”, analisa Daniel Mack, analista sênior do Sou da Paz, que participou de todo o processo do ATT como um dos representantes do Control Arms.
O que é?
O ATT é o primeiro acordo internacional criado com a finalidade de regular o comércio de armas convencionais, de pistolas a mísseis, estabelecendo critérios para a exportação de armas e trazendo maior transparência às transferências. O objetivo do tratado é coibir o comércio ilícito e prevenir o desvio de armamentos, que abastecem genocidas, terroristas e o crime organizado internacional. Nesse sentido, o ATT poderá impactar na redução da violência armada no mundo e contribuir para a garantia do respeito aos direitos humanos. O Instituto Sou da Paz produziu um vídeo explicando como o tratado funciona. Confira aqui.
O descontrole do comércio global de armas, que movimenta 85 bilhões de dólares por ano, tem causado um alto custo em termos de vidas, o que é comprovado pelo fato de que 2 mil pessoas são mortas todos os dias como resultado da violência armada.
O ATT, se bem implementado, poderá ter impactos imediatos na redução da violência armada no mundo. Atualmente, armas norte-americanas e chinesas desviadas foram encontradas entre os combatentes do Estado Islâmico, responsáveis pela atual crise no Iraque e na Síria. De acordo com as normas do tratado, os Estados terão de realizar uma análise de risco antes de fazer transferências de armas e munições para países com risco de violações de direitos humanos ou que apresentem vulnerabilidade no controle dos estoques, podendo gerar desvios de armas.
E o Brasil?
O Brasil é líder mundial em mortes por armas de fogo (mais de 35 mil anuais). Não coincidentemente, o país também tem grandes produtores e exportadores de armas e munições. No caso das armas que mais matam ao redor do mundo, o Brasil é um ator de relevância global. Em 2012, o país foi o quarto maior exportador de armas pequenas e leves do mundo.
“Nesse sentido, o Brasil, que aspira ter protagonismo internacional, tem o dever de liderar as discussões sobre a redução dos conflitos armados no mundo e dar o exemplo, ratificando o tratado o quanto antes”, afirma Marcello Baird, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz. No entanto, o país está muito atrasado nesse processo. Embora o Brasil tenha assinado o tratado na primeira oportunidade em junho de 2013, o documento ainda não foi enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo.
O ATT está parado na Casa Civil, ministério que deve coletará a assinatura da presidente da República e encaminhar o tratado à Câmara dos Deputados. É por isso que o Instituto Sou da Paz, em parceria com as organizações Conectas Direitos Humanos, Anistia Internacional e Instituto Igarapé enviaram no dia 17 de setembro um ofício à Casa Civil e aos outros ministérios envolvidos pressionando para que o ATT seja encaminhado ao Congresso Nacional ainda este ano.
O principal impacto para o Brasil, com a entrada em vigor do ATT, está na transparência na exportação de armas e munições. Atualmente, a exportação de armamentos mais pesados deve ser autorizada pelo Ministério da Defesa e pelo Itamaraty com base em um documento secreto (PNEMEM) herdado da ditadura militar. Não à toa, a organização Small Arms Survey coloca o Brasil numa das piores posições no mundo democrático em relação à transparência no comércio de armas.
Em relação às armas leves e pequenas, produtos nos quais o Brasil tem proeminência internacional, não há critérios claros para a exportação. “Assim, o processo de autorização das exportações pode ser decidido meramente com base em critérios comerciais, sem atentar para as possíveis consequências humanitárias das exportações. Isso é muito grave, mas o lado positivo é que o tratado tem o potencial de trazer à tona essa discussão e permitir a atualização de nossa legislação”, avalia Baird.