Instituto Sou da Paz acompanha processo desde 2020, quando foi admitido como amicus curiae para oferecer esclarecimentos, informações e dados técnicos ao órgão
Pela segunda vez, o ministro do do Tribunal de Contas da União (TCU) Marcos Bemquerer, em seu relatório acatado por unanimidade pelos outros Ministros, contrariou a área técnica do órgão e deixou de responsabilizar individualmente oficiais do Exército em julgamento relâmpago realizado na tarde desta quarta (26). O general Laerte de Souza Santos foi julgado pelo caso da revogação, em 2020, pelo Exército de três portarias que melhoravam a marcação e rastreabilidade de armas, munições e explosivos e que ajudariam a investigar o crime organizado e prevenir desvios. Parecer da equipe técnica do Tribunal sugeriu que o hoje general da reserva pagasse aproximadamente 15 mil reais por ter agido com desvio de finalidade no que foi descrito no relatório como “erro grosseiro”, ao atender comando injustificado do então presidente Jair Bolsonaro, retardando o aprimoramento de políticas públicas.
A proposta da multa já se apresentava como uma punição baixa frente à gravidade do caso que expôs o Brasil a uma falha de segurança pública por deixar o país sem regras de marcação de armas e munições, e sem sistema nacional de rastreamento por quase dois anos. Mesmo assim, o TCU decidiu não punir as irregularidades do Exército. “A mensagem enviada pelo Tribunal à sociedade com esta decisão unânime é de que as regras de direito administrativo às quais se submetem todos os servidores públicos, não se aplicam da mesma forma aos oficiais das Forças Armadas”, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “É estranho também o fato de o processo ter sido incluído na pauta há poucos dias e o fato do relator não ter justificado os motivos pelos quais desconsiderou mais uma vez a área técnica do órgão”.
O caso
A Portaria Colog 62/2020 foi publicada em 17 de abril de 2020, revogando três portarias do mesmo ano, após o general acatar ordens dadas pelo então presidente Jair Bolsonaro na rede social Twitter/X. Nas informações prestadas ao TCU pelo Exército, em processo no qual o Instituto Sou da Paz foi admitido como amicus curiae, foi evidenciado que não havia argumentação técnica ou jurídica que justificasse a decisão da revogação. Além do mais, Laerte apresentou justificativas diferentes para o Ministério Público Federal (MPF), Supremo Tribunal Federal (STF) e ao TCU. Por quase dois anos, perdurou um vácuo normativo em relação à marcação de armas e munições. Apenas em setembro de 2021, às vésperas do julgamento do STF sobre este tema, o Exército publicou novas normativas sobre o mesmo tema que entrariam em vigor dentro de 180 dias, completando quase dois anos de atraso.
“A melhoria da fiscalização da circulação de todos os produtos controlados e a marcação de munições são essenciais para agilizar investigações e evitar desvios. Foi a partir da marcação de munições que foi possível traçar a ligação da execução de Vinicius Gritzbach, delator do PCC (Primeiro Comando da Capital), com o mega-assalto de Botucatu, em São Paulo. Foi também esta tecnologia que permitiu ligar os assassinos da juíza Patrícia Acioli ao Batalhão de Polícia Militar de seus executores”, explica Carolina Ricardo.
Histórico de decisões
O ministro Marcos Bemquerer, em decisão de outubro do ano passado, também contrariou a equipe técnica determinando que o Tribunal não investigaria a responsabilidade de generais do Exército por se omitirem em cumprir decisão do tribunal que obrigava o Exército a criar sistemas informatizados próprios e integrados para melhorar o controle de armas de fogo e munições. Os demais ministros também acataram o relatório de Bemquerer.