Dados do Instituto Sou da Paz mostram que roubos e estupros caíram em 71% de 139 municípios de SP na pandemia; mortes pela PM, no entanto, cresceram em todo o estado
Por Caê Vasconcelos (leia a matéria completa publicada pela Ponte, mencionando o Índice de Exposição a Crimes Violentos (IECV), compilado pelo Instituto Sou da Paz)
Os roubos e registros de estupros caíram em 99 dos 139 municípios de São Paulo com mais de 50 mil habitantes, mas os homicídios aumentaram em todo o estado. Os dados são do IECV (Índice de Exposição a Crimes Violentos), do Instituto Sou da Paz, divulgados na segunda-feira (17/8) em parceria com o jornal Estado de S. Paulo.
O estudo foi feito a partir de dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo referentes aos primeiros semestres de 2014 a 2020. Os cálculos foram feitos a partir da média de três subíndices: crimes letais (homicídio e latrocínio), crimes contra a dignidade sexual (estupro) e crimes contra o patrimônio (roubo, roubo de veículo e roubo de carga).
Nos primeiros seis meses do ano, os roubos de veículos caíram 31% em relação ao mesmo período de 2019. Os registros estupros apresentaram uma queda de 14% durante o semestre. Mas, nesse tempo, apesar da pandemia, os homicídios subiram 4,5% no estado este ano. E a letalidade policial, conforme apontou reportagem da Ponte, também.
Nesse sentido, o estudo confronta a tese bastante comum do governo paulista em dizer que as mortes provocadas pela polícia em serviço decorrem do combate à criminalidade. “O confronto não é opção dos policiais”, como disse, em mais de uma oportunidade, a Secretaria de Segurança Pública de SP em notas oficiais. Antes mesmo de virar governador, ainda em 2018 durante a campanha, João Doria chegou a usar a frase para dizer como cuidaria da segurança pública em SP.
O pesquisador Rafael Rocha, do Instituto Sou da Paz, destacou que os dados de mortos pela polícia não puderam ser incluídos no IECV, porque “a Secretaria não divulga o que eles chamam ‘morte em decorrência de ação policial’ por município, só por grande região [tabela da SSP, por exemplo, separa Interior, Capital, Grande São Paulo e os Departamentos do Interior, os Deinters“, explica.
“Se tivéssemos esses dados detalhados da letalidade das polícias de São Paulo, veríamos como é muito mais representativo do que os latrocínios, que ocorrem com muito menos regularidade do que a letalidade das polícias”, aponta.
O pesquisador critica o alto índice de violência cometida pelas polícias paulitas, além de apontar que os dados evidencia, que mortes não são para combate à criminalidade. “Todas as justificativas que a Polícia de São Paulo usa não se aplicam a esse semestre”, frisa.
“Já usaram, por exemplo, a justificativa da tal vitimização policial, a proporção de pessoas que a polícia matou contra a proporção de policiais que foram mortos. Isso, no primeiro semestre deste ano, foi a menor dos últimos anos: 28 policiais mortos contra 498 pessoas mortas pelas policias”, aponta o pesquisador.
A Ponte já havia mostrado, em julho de 2020, que a Polícia Militar, sob o comando de João Doria, passou a matar mais e prender menos. Foram 435 pessoas mortos por PMs em serviço e 63 mortos por policiais de folga, maior número já registrado em um primeiro semestre desde que a Secretaria da Segurança Pública passou a disponibilizar esses dados, em 1996.
De março a maio deste ano, a PM paulista foi responsável por três em cada dez mortes em SP, com 262 mortes, enquanto os homicídios dolosos comuns fizeram 774 vítimas, 17% a mais do que no mesmo período do ano passado. Dos 262 casos registrados em 2020, no período em que o isolamento social já estava valendo, 234 foram realizados por policiais militares durante o serviço e 28 durante a folga.
Em 2019, foram 187 mortes durante o serviço e 36 durante a folga. Em março, mês que marcou o início da quarentena, a PM paulista matou 75 pessoas. Em abril, quando o isolamento social foi completo, 116 pessoas foram assassinadas e, em maio, 71.
O pesquisador confirma que existe uma “justificativa de patologia”, em que as polícias argumentam que “o crime está baixando porque se está matando mais” ou “que a polícia está matando mais, porque os roubos estão aumentando”. A pandemia mostrou que o movimento é outro: redução dos crimes, principalmente os roubos de veículos, que, “historicamente originam os homicídios cometidos pela polícia em serviço, que, muitas vezes, indicam no boletim de ocorrências essa justificativa”.
“Essa queda vem acontecendo desde 2016, mas agora alcançou o patamar mais baixo, enquanto a polícia nunca matou tanto. Essa justificativa não se sustenta de forma alguma nesse momento”, completa.
O pesquisador explica que força política está por trás dessa crescente letalidade entre as polícias. “Temos essa posição política do governo estadual e do governo federal [de Jair Bolsonaro] que o policial tem uma certa licença para matar”, aponta. “Mais importante do que as falas, que são significativas, é o reforço cotidiano dos policiais, que continuam matando, e da população, que não vê a prisão acontecer”.
Como exemplo de impunidade, continua Rocha, há o Massacre de Paraisópolis, em que nove jovens foram assassinados em uma ação da Polícia Militar durante o Baile da D17, na Favela de Paraisópolis, na zona sul da cidade de São Paulo, em dezembro de 2019. “Tem mais de seis meses e ninguém foi punido”, lamenta. “Isso vai reforçando que tudo bem o policial cometer um homicídio”.
Rocha também cita o caso de Rogério Ferreira da Silva Júnior, abordado e morto por PMs da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas), no Parque Bristol, na zona sul da cidade de SP, no dia em que completou 19 anos. A versão policial, apesar do vídeo que mostra a ação, foi de que o jovem, desarmado, fez um gesto de que iria sacar uma arma.
“A justificativa dos registros é o ‘normal’, o azar é ter uma câmera para registrar isso. Vemos esse tipo de situação em que o suspeito estava armado, fez gesto para sacar uma arma. E quando você vai ver não é isso. O efeito disso é esse reforço que os policiais têm que isso é permitido e incentivado”.
Os crimes contra a vida na pesquisa do Sou da Paz correspondem a 40% do indicadores, enquanto o estupro representa 30% e os crimes contra o patrimônio 30%. Para pesquisador Rafael Rocha, a “ampla gama de crimes é um complicador para o peso de cada tipificação.
Segundo o levantamento, Itanhém é o município mais violento, seguido por Mongaguá e Ubatuba. Cruzeiro, Diadema, Peruíbe, Santa Izabel, Itaquaquecetuba, Praia Grande e Caçapava completam a lista. Os municípios mais seguros são Matão, São José do Rio Pardo, Nova Odessa, Tupã, Monte Alto, Santa Bárbara d’Oeste, Vinhedo, Taquaritinga, Piracicaba e Salto.