Polícia Federal apreendeu menos armamentos ilegais no governo de Bolsonaro que nos de Temer e Dilma
Reportagem publicada pela Piauí (clique para acessar o texto original) sobre o “Balanço da segurança pública do Governo Federal – Uma análise dos três anos e meio da política de segurança” feito pelo Instituto Sou da Paz
Além de facilitar o acesso a revólveres, pistolas, rifles e carabinas no Brasil, a gestão de Jair Bolsonaro afrouxou a fiscalização em torno do comércio ilegal desses armamentos. No governo do presidente, a Polícia Federal apreendeu 11% menos armas de fogo irregulares que no de Dilma Rousseff e 17% menos que em 2017 e 2018, durante a administração de Michel Temer. Já as denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal (MPF), a partir de inquéritos da PF, para crimes de tráfico internacional e comércio ilegal de armas caíram 20% em relação à presidência de Dilma e 30% em relação à de Temer. O levantamento é inédito e foi realizado pelo Instituto Sou da Paz a pedido da piauí.
“Vivemos uma situação em que a circulação de armas aumentou consideravelmente no país sem que houvesse maior investimento na capacidade de o Estado controlar seu tráfico e comércio ilegal. É muito grave”, afirma a diretora do instituto, Carolina Ricardo. Em sua opinião, os dados refletem a ingerência de Bolsonaro na Polícia Federal, além da mudança de prioridades na corporação, responsável por esse tipo de fiscalização. O diretor-geral da PF foi substituído cinco vezes em três anos.
Carolina Ricardo ressalta que o presidente também passou a exercer mais influência sobre o Departamento de Produtos Controlados do Exército, que cuida de armas e munições. “Há pouco tempo, vimos aquele episódio terrível, bizarro, do [ex-deputado federal] Roberto Jefferson fortemente armado, resistindo à prisão e atirando contra policiais. Foi uma demonstração real da baixa prioridade que se dá ao enfrentamento do tráfico e à correta fiscalização sobre a circulação de armas. Diante da gravidade, o ato de Jefferson teve poucas consequências.” A diretora do Sou da Paz diz que, “por meio de dezenas de decretos e outras normas que partiram do Executivo, Bolsonaro anulou avanços alcançados desde 2003 com o Estatuto do Desarmamento e gerou o aumento exponencial da circulação de armas no país”.
Um novo relatório do Sou da Paz, intitulado Balanço da Segurança Pública do Governo Federal – Uma Análise dos Três Anos e Meio da Política de Segurança, também alerta para os excessos cometidos pela Polícia Rodoviária Federal, como o brutal assassinato de Genivaldo de Jesus Santos no último dia 25 de maio, em Umbaúba (SE). O motoqueiro de 38 anos, que trafegava sem capacete, foi abordado por três agentes da PRF. Eles ignoraram os protocolos e agiram de maneira extremamente violenta. Algemaram Silva, que sofria de esquizofrenia, e amarraram seus pés. Depois, o trancaram na viatura e jogaram gás de pimenta dentro do carro, que tinha os vidros fechados. De acordo com o Instituto Médico Legal, o motoqueiro morreu por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda. Os policiais Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia tiveram a prisão preventiva decretada, sob a acusação de abuso de autoridade, tortura e homicídio qualificado.
O relatório, que engloba o período de janeiro de 2019 a junho de 2022, tem quatro eixos principais: desmantelamento da política de controle de armas; ações pontuais e ausência de uma política nacional de segurança pública; baixo esforço no enfrentamento e prevenção da violência contra a mulher; e ingerência política nas instituições. Para acessar o estudo, clique aqui.
O levantamento ainda mostra que, graças a duas portarias, a PRF passou a se envolver em incursões fora das estradas e em investigações, o que extrapola suas atribuições originais. O relatório menciona dois exemplos: a parceria com a Polícia Militar durante operações realizadas este ano na Zona Norte do Rio de Janeiro e, no ano passado, em Varginha (MG). A primeira resultou em 25 mortos, e a segunda, em 26.
Carolina Ricardo observa que essa extrapolação de funções acontece num contexto de fragilização das políticas de segurança no trânsito, como o uso de radares de velocidade nas rodovias federais. “A PRF vem se afastando de sua missão central para atuar em operações atípicas, com resultados, no mínimo, questionáveis.”
Ela também cita, como exemplo da intervenção do governo Bolsonaro na PRF, a operação realizada em diversas estradas no domingo retrasado, durante o segundo turno da eleição. A corporação reteve veículos que transportavam eleitores, mesmo depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter proibido esse tipo de interferência.
Indagada se houve alguma influência do Poder Executivo nas operações, a assessoria de comunicação da PRF informou que todas as blitze almejavam garantir a segurança dos eleitores. Sobre a diminuição da fiscalização do tráfico de armas, a Polícia Federal limitou-se a dizer que não poderia dar nenhum parecer a respeito, já que “o referido setor tem muitas demandas para serem atendidas”.