Por Beatriz Miranda, assessora sênior do Instituto Sou da Paz
A despeito dos avanços obtidos no Brasil nos últimos 20 anos, especialmente em relação à melhoria da situação socioeconômica e à universalização de diversos serviços, ainda observamos nas periferias das grandes cidades parte da população em situação de vulnerabilidade, exclusão social e exposição à violência.
Especialmente nestas regiões, persiste o desafio de qualificar as políticas públicas existentes, principalmente em relação ao atendimento de crianças e adolescentes que demandam não apenas uma atenção especial dos serviços, mas também um trabalho articulado e interdisciplinar do sistema de garantia de direitos.
Ao concebermos a violência como um fenômeno multicausal e multidimensional – não sendo possível identificar apenas uma origem ou solução – é necessária uma intervenção sistêmica, que permita um olhar ampliado para a melhora da qualidade do tecido social, para a garantia da proteção integral do indivíduo e para o combate à vulnerabilidade. A intersetorialidade, no entanto, ainda é um importante desafio quando falamos de políticas públicas e da rede de garantia de direitos para crianças e adolescentes, que demandam investimentos estruturais e apoio para a qualificação dos trabalhos de execução das políticas.
Apesar da diretriz para a ação em rede ser hoje um importante orientador na formulação de políticas sociais, a estrutura dos serviços públicos continua engessada e compartimentalizada, com uma confusão de referências e sobreposição de modelos.
Da mesma forma, vemos o Estado brasileiro priorizando investimentos no enfrentamento à violência por meio da atuação policial e aumento de encarceramento (no caso de adolescentes e jovens, aumentando o número de medidas de privação de liberdade) e oferecendo menos atenção a ações preventivas. O que não tem contribuído para a redução dos índices de violência e nem para o aumento da sensação de segurança da população.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990 como um parâmetro para políticas públicas voltadas para este público, traz a proteção integral como paradigma, indicando a necessidade de ações articuladas. Todas as referências para a garantia dos direitos contidas no ECA assinalam que o desenho de uma política de atenção integral à criança e ao adolescente deverá promover relações, conexões e articulações entre os diversos serviços setoriais para ser eficaz.
A atuação em rede intersetorial é, inclusive, diretriz da lei que regula a prestação das medidas socioeducativas, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, (SINASE), que fala sobre a incompletude das instituições responsáveis pelo serviço de atendimentos desses adolescentes frente às diversas demandas provocadas pelas contínuas falhas do sistema preventivo de proteção. E assim, faz necessária a participação dos sistemas e políticas de educação, saúde, trabalho, previdência e assistência social, cultura, esporte, segurança pública, entre outras, além da participação da família desses adolescentes e da comunidade onde estão inseridos, para o rompimento do ciclo infracional.
Ademais, ao defender a atuação intersetorial, o Instituto Sou da Paz propõe-se a contribuir para a superação de uma lógica de gestão verticalizada e setorial, considerando que o fenômeno da violência integra uma conjuntura multifacetada, portanto exigindo ações combinadas. Assim, é fundamental a atuação em todas as esferas, local, nacional e global, olhando a prevenção como uma prerrogativa para a garantia da redução da violência.