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    Opinião | O Globo | Sobram armas, faltam controles

    3 de fevereiro de 2022 às 10:47

    Artigo escrito pelo gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani e pela diretora de programas do Instituto Fogo Cruzado, publicado no jornal O Globo. Acesse o artigo no veículo.

    Num único assalto, nos primeiros dias de 2022, um colecionador do município de Oswaldo Cruz (SP) perdeu uma quantidade de armas de fogo que os policiais da cidade levaram mais de cinco anos para tirar das ruas. Foram 28, entre elas nove pistolas, oito carabinas e dois fuzis, que agora circulam sabe-se lá por onde. Outros brasileiros também têm armazenados verdadeiros arsenais em casa desde que o governo Jair Bolsonaro começou a publicar regras e portarias aliviando a fiscalização.

    É injusta a alegação de que Bolsonaro não trabalha. Na temática de armas, seu governo arregaçou as mangas: publicou quase 40 normativas para reduzir a fiscalização e facilitar o comércio. A maioria das medidas tem sua assinatura, e as que não têm foram feitas sob sua ordem direta, como a revogação de uma portaria do Comando Logístico do Exército que melhorava a marcação e o rastreamento de armas, munições e explosivos. Neste caso, Bolsonaro demandou pelo Twitter, e sua ordem foi atendida pelo Exército no mesmo dia. O Ministério Público Federal, então, disse que isso poderia ser uma interferência indevida no Exército. Mas as coisas caminham devagar.

    Um levantamento dos Institutos Sou da Paz e Igarapé, com dados até novembro, mostra que 450 mil novas armas de fogo passaram a circular só em 2021. O GLOBO também mostrou que só para o grupo Caçador, Atirador e Colecionador (CACs) foram mais de mil licenças liberadas por dia. E não são simples espingardas usadas em áreas rurais para afastar animais. A política de armas é a do “quanto mais, melhor”: para CACs, foram liberadas até 60 armas por cidadão, e até 30 delas podem ser fuzis semiautomáticos, que até 2018 eram de uso restrito das forças policiais. Foi com um desses que Nikolas Cruz matou 17 pessoas numa escola na Flórida (EUA), em 2018.

    Com mais armas circulando e fiscalização mais frouxa, o resultado é um festival de regras burladas. É o caso do escândalo envolvendo a Polícia Civil de Pernambuco, onde 20 policiais foram denunciados pelo Ministério Público após a descoberta de que eles desviaram 326 armas de fogo para traficantes de drogas. No Rio, semana passada, um CAC foi preso após investigações revelarem que ele usava seu registro no Exército e os novos limites concedidos pelo governo Bolsonaro para fornecer fuzis e munições a uma facção criminosa.

    Se não bastasse o próprio sistema alimentar grupos armados, há dificuldades na investigação. No Brasil, apenas Rio de Janeiro e Espírito Santo têm delegacias dedicadas ao tráfico de armas e munições. Se o objetivo era ampliar o acesso a estes materiais, por que não ampliar também mecanismos de investigação e controle, para evitar e solucionar crimes?

    Para piorar, muitos estados preferem apostar em ações de marketing, sem investir em ações de inteligência que ajudem a identificar os principais desvios e problemas, que levam, por exemplo, milicianos a usar munição da polícia contra a própria polícia. No Rio, nem um real foi gasto em 2020 e 2021 na inteligência das polícias, segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Não é por acaso que a região metropolitana teve em média 13 tiroteios por dia em 2021. Também não é à toa que Pernambuco, estado onde o episódio dos desvios da polícia ganhou o apelido de “Black Friday das Armas”, tenha somado 1.264 mortos pela violência armada em 2021.

    As eleições de 2022 batem à porta, e tratar o controle de armas com seriedade é imprescindível para sair do nosso vergonhoso patamar de elucidação de homicídios: 44%. Se quisermos entender para onde o Brasil está indo, precisamos descobrir para onde as armas vão.

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