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    Opinião | O Globo | Crimes sem castigo

    16 de outubro de 2020 às 05:46

    Estado do Rio apresenta 11% de esclarecimento de homicídios

    Artigo de Leonardo de Carvalho, coordenador de projetos no Instituto Sou da Paz, publicado no O Globo. (Acesse o texto original, mencionando a pesquisa “Onde Mora a Impunidade”, do Instituto Sou da Paz)

    Em 2018, 4.950 pessoas foram assassinadas em todo o Estado do Rio de Janeiro. A maioria das vítimas era homem (88,5%), preta ou parda (68,2%) e foi morta por armas de fogo (76%),  de acordo com  dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). O estado é um dos poucos que disponibilizam esse conjunto de informações de forma periódica, e uma exceção entre as demais unidades da Federação no que se refere aos indicadores de esclarecimento dessas mortes, já que publica semestralmente o percentual de homicídios que foram elucidados pela polícia.

    No entanto, entre os estados que possuem tal informação, o Rio de Janeiro apresenta o pior índice de esclarecimento de homicídios do país. O Instituto Sou da Paz produziu a terceira edição do relatório “Onde Mora a Impunidade?”, que identificou que apenas 11 estados brasileiros foram capazes de informar em quantos homicídios ocorridos em 2017 e 2018 o autor foi denunciado à Justiça. Os demais estados enviaram dados incompletos ou informaram não possuir tal informação, considerada crucial para acompanhar políticas públicas e ações de prevenção e investigação de homicídios e garantir o direito à verdade e à memória às vítimas e seus familiares.

    Conhecer o tamanho do problema é o primeiro passo, como o termômetro, que não faz a febre baixar mas ajuda a decidir o que fazer. Dentre os 11 estados, o Rio de Janeiro apresenta 11% de esclarecimento de homicídios, ou seja, de um total de 5.346 vítimas do ano de 2017, somente 588 famílias tiveram o direito à verdade. As demais continuam esperando que as investigações policiais expliquem o que aconteceu com seus entes queridos.

    Mas consolidar e disponibilizar esses dados, por si só, não resolve o problema da impunidade dos homicídios no Brasil. O esclarecimento deste crime deveria ser priorizado não apenas pela polícia, mas por todas as instituições do sistema de Justiça e Segurança Pública, o que não ocorre. Os dados mostram que, apesar das prisões superlotadas, pessoas presas por homicídios representam menos de 10% da população carcerária. Pessoas presas por crimes contra o patrimônio e crimes relacionados a entorpecentes representam a maior parte da população carcerária brasileira. Além disso, mais de um terço dos presos no Brasil sequer foi julgada.

    Não há soluções mágicas e instantâneas para resolver este problema. As instituições precisam atuar em conjunto, compartilhando informações, desburocratizando procedimentos e dialogando para que as mortes sejam esclarecidas, os autores identificados e responsabilizados para que a impunidade, neste caso, deixe de ser a regra. É preciso investimento permanente nas delegacias voltadas à investigação de homicídios para que elas tenham pessoal e equipamentos adequados à realidade, e que os policiais possam ter condições de investigar e chegar aos autores das mortes.

    Espera-se que iniciativas como o compartilhamento de informações via sistema digital recém-implementado entre Polícia Civil e Ministério Público contribuam para tornar a investigação de homicídios no Rio de Janeiro mais ágil, evitando que se gaste energia e tempo em procedimentos burocráticos. A priorização do tempo e dos recursos existentes deve ser com as ações de investigação, que resultarão na materialidade e indicação dos autores. Se assim for, o Ministério Público terá os elementos necessários para dar prosseguimento com a responsabilização dos autores.

    Esperamos que, nas próximas edições do relatório, esse termômetro nos indique uma situação menos grave, revelando que, a partir dos dados, medidas foram tomadas para melhorar o esclarecimento de homicídios no Rio de Janeiro, e que mais famílias tenham o direito de saber o que de fato aconteceu com seus entes queridos.

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