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    Opinião | Folha de S. Paulo | Onde mora a impunidade?

    27 de setembro de 2020 às 03:26

    Mal sabemos quantos homicídios são efetivamente solucionados no Brasil.

    Artigo de Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, publicado na Folha de S. Paulo. (Acesse o texto original, mencionando a pesquisa “Onde Mora a Impunidade”, do Instituto Sou da Paz)

    Com 57 mil homicídios em 2018, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil tem a segunda maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes da América do Sul, só atrás da Venezuela. Apesar da brutalidade desse número, que atinge prioritariamente homens jovens e negros e que representam parte significativa da força de trabalho brasileira, o país não consegue responder satisfatoriamente a esses crimes.

    Quando se analisa a forma como o Estado investiga e esclarece cada uma dessas mortes violentas, não encontramos respostas. As famílias que perderam alguém vítima desse tipo de crime costumam ficar sem direito à verdade e à justiça. O esclarecimento de homicídios não é uma prioridade no Brasil.

    O país mal sabe dizer quantos homicídios são efetivamente solucionados. A terceira edição do relatório “Onde Mora a Impunidade?”, produzido pelo Instituto Sou da Paz, perguntou aos 27 estados da federação qual o percentual de homicídios esclarecidos —ou seja, quantos assassinatos ocorridos em 2017 foram denunciados pelo Ministério Público entre 2017 e 2018 para calcular o indicador nacional de esclarecimento de homicídios. Apenas 11 estados souberam responder.

    A má qualidade ou a falta de informações sobre o esclarecimento dos homicídios é o sinal concreto de que resolver esses crimes não tem sido o foco das autoridades em nosso país. Além de manter as famílias sem direito à justiça, a não resolução dos homicídios deixa de produzir informações relevantes e precisas sobre as circunstâncias e os envolvidos nesses crimes, o que é fundamental para que, além da correta responsabilização dos autores, seja possível direcionar esforços para preveni-los.

    Ao longo das três edições do relatório, apenas quatro estados foram capazes de informar corretamente o percentual de homicídios esclarecidos: Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rondônia e São Paulo. O fato de produzirem o dado com qualidade já um grande resultado. E, nesta última edição, os quatro estados também apresentaram significativos percentuais de esclarecimento dos homicídios —respectivamente, 42%, 67%, 58% e 54%.

    Num país que ostenta uma população prisional de mais de 740 mil pessoas, sendo que mais de um terço está presa sem sequer ter sido julgada, a não resposta aos homicídios é um acinte. Trata-se do crime mais violento e que atenta contra o bem mais precioso da humanidade, que é a vida. Nada justifica investir recursos públicos para que o sistema de segurança pública e Justiça criminal siga priorizando as prisões de pessoas que cometem crimes sem violência e em flagrante e mantendo presos brasileiros que não foram julgados.

    É preciso direcionar o esforço para a mira correta: os homicídios. Os Ministérios Públicos precisam produzir as informações e aprimorar o fluxo de trabalho com as polícias e o Judiciário; as polícias Militar e Civil precisam trabalhar integradas com foco no esclarecimento dos homicídios; e o Judiciário precisa acelerar o processamento desses crimes.

    Somente assim o Brasil será capaz de utilizar corretamente seus órgãos de Justiça e segurança pública, de controlar essa epidemia de mortes violentas e de garantir o direito à verdade e à justiça a vítimas e familiares.

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