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    Opinião | Folha de S.Paulo | Após devaneio armamentista, debate sobre segurança pública precisa avançar

    9 de maio de 2023 às 02:29

    Artigo escrito pela coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme,  publicado pela Folha de S.Paulo (clique para acessar texto original)

    Não são poucos os desafios para reduzir os obstáculos à promoção da justiça social no Brasil, país onde a marcante desigualdade parece resistir sem grandes abalos. A despeito dos avanços nas políticas públicas, uma boa parcela da população não tem acesso a bens sociais que são necessários ao desenvolvimento e afirmação dos indivíduos como sujeitos no mundo. Nesse cenário, destaco os altos níveis da violência que acometem a sociedade, não tanto como consequência, mas como fator que contribui para a perpetuação de desigualdades que têm raízes estruturais.

    Considerando o alarmante volume de crimes violentos registrados a cada ano no país, chamo atenção para a presença da arma de fogo como fator de risco para violências que afligem a todos, mas atingem de modo muito desigual a população brasileira. Na situação limite dos homicídios, em que 70% ou mais dos casos são invariavelmente cometidos com arma de fogo, a agressão armada vitima três vezes mais as pessoas negras em comparação com as não negras, diferença observada desde a faixa etária das crianças e adolescentes. Na grande maioria, as vítimas são homens jovens, negros e com baixa escolaridade. Mas a arma de fogo responde também por metade dos assassinatos de mulheres, entre as quais as negras são duas vezes mais vitimadas do que as não negras.

    A arma de fogo é elemento central para o fortalecimento de grupos criminais organizados, cujas disputas envolvem a cooptação de jovens e resultam em explosões de mortes violentas. A sua disponibilidade agrava a insegurança que afeta a vida integral das comunidades periféricas ao prejudicar, por exemplo, o acesso à educação em um contexto onde a baixa escolaridade está associada ao risco de se envolver com ou sofrer violência.

    É hora de avançar em políticas que rompam com a violência que atravessa a vida dos jovens e os confinam à exclusão social. Ao lado de uma gestão educacional capaz de dar aos jovens mais pobres condições de lutar por uma trajetória profissional de sucesso, como bem apontou Naércio Menezes em artigo nesse espaço da Folha, precisamos acrescentar ao ciclo de políticas virtuosas uma segurança pública que venha protegê-los dos fatores de risco à violência e contribuir para sua inserção completa na cidadania. Em contraposição ao modelo tradicional de investimentos na repressão penal que resulta no crescimento das prisões, temos exemplos de políticas voltadas à redução da violência que tiveram resultados positivos.

    Essas políticas envolveram esforços concertados entre os níveis de governo, articulação entre os diversos setores da gestão pública e atenção ao público jovem, entre outras frentes de ação que são reconhecidas por seus resultados promissores . E contaram com um elemento comum: o forte compromisso das lideranças políticas ao longo de sua implementação. Precisamos valorizar nossos potenciais e avançar na combinação da boa política com a boa gestão para transformar iniciativas bem-sucedidas em políticas de Estado. Por último, mas não menos importante, uma vez que a flexibilização do controle de armas nos últimos quatro anos aumentou drasticamente a quantidade de armas de fogo em circulação na sociedade e facilitou o desvio de armas pesadas do mercado legal para o mundo do crime, a retomada de uma agenda responsável de controle de armas deve estar no cerne das políticas públicas de segurança vindouras. O governo federal e os governos estaduais cumprem um papel fundamental na realização dessas políticas.

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