Felippe Angeli, gerente do Instituto Sou da Paz
Já é mais do que tempo de se compreender que o presidente da República, pródigo em metáforas pobres, é o primeiro a se lixar para as tais quatro linhas da Constituição que tanto menciona.
As fases mais recentes do derretimento da democracia brasileira – que não é mais mera suposição, mas sim projeto em pleno execução – e do desgaste institucional profundo que o autoritarismo do governo Bolsonaro impõe ao país, de resto empobrecido e faminto, apontou suas armas (simbólicas, por enquanto) aos seus alvos preferenciais: o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Somente na última semana, o projeto antidemocrático produziu uma nota infame do Ministério da Defesa atacando o ministro Barroso, a concessão de graça presidencial a um único indivíduo, com condenação referendada pelo pleno da Corte Suprema, algo inédito na República.
Agora, setores do Congresso Nacional, especialmente da Câmara dos Deputados, se declararam cúmplices do ataque ao Supremo. Balizados pela afronta e pelo escárnio, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara elegeu como vice-presidente (em votação secreta) um criminoso condenado a mais de 8 anos de prisão. Noutra comissão, nada menos que a Comissão de Constituição e Justiça, Daniel Silveira, que é como se chama o condenado, foi indicado como membro titular por seu partido, o PTB.
O agora membro titular da CCJ e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública já ameaçou diversos ministros do STF. Sobre Fachin, por exemplo, disse: “Uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar”. Antes de entrar para a política, foi investigado por falsificação de atestados e tráfico de anabolizantes, se tornou policial e, em apenas cinco anos, passou 26 dias na prisão por mau comportamento e sofreu nada menos que 60 sanções disciplinares.
Silveira é um simbólico representante de um fenômeno que temos estudado há alguns anos no Sou da Paz e que temos chamado de policialismo. Este fenômeno é composto de elementos como a explosão da participação de policiais em eleições, o surgimento de policiais-influencers, que usam a polícia como trampolim para interesses pessoais e o sequestro da pauta legislativa de segurança pública por pautas corporativistas, entre outros.
Lembremos que o relator do processo contra Daniel Silveira e que determinou sua prisão – referendada 10 votos a 1 no plenário do STF – é o ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE durante as eleições de outubro de 2022. Afrontar o STF e, especialmente Moraes, ignorando a autoridade do Poder Judiciário e descumprindo decisões da Suprema Corte são um presságio do terror que pode se abater sobre todos nós em outubro. Se atacam e deslegitimam Moraes e o STF, por que farão diferente com o TSE em outubro, em caso de derrota?
Quem ainda está tranquilo, certamente não percebeu o que está em curso.