Instituto Sou da Paz lança a Agenda Prioritária de Segurança Pública para Governos Estaduais, com diretrizes para diminuir a violência e fortalecer o trabalho das polícias
A segurança é uma prioridade da população brasileira e depende muito dos governos dos estados. Mas, na maioria deles, o cenário hoje é de redução de receitas e defasagens de efetivos, salários, técnica e de infraestrutura. Diante de tantos desafios, vemos muitos candidatos adotarem propostas populistas e sem lastro na realidade. Uma política de segurança efetiva precisa estar pronta para emergências e ser capaz de lidar com questões estruturais. É necessário otimizar recursos e aumentar a capacidade da polícia investigar e agir com inteligência para evitar que mais crimes aconteçam.
O Instituto Sou da Paz, que tem mais de 20 anos de experiência no estudo e formulação de políticas públicas de segurança, defende que todos os governos estaduais invistam em quatro pilares estruturais que têm potencial de preencher lacunas profundas e transformar o patamar de qualidade da nossa segurança. Eles são: Modelo Integrado de Controle de Armas, Esclarecimento de Homicídios, Programas de Gestão para Resultados na Segurança Pública e Profissionalização do Uso da Força e Redução da Letalidade Policial.
Para Natália Pollachi, coordenadora da Agenda Prioritária de Segurança Pública para Governos Estaduais (acesse aqui), lançada pelo Instituto Sou da Paz nesta quarta-feira (10), grande parte dos candidatos aos governos estaduais ainda não têm falado sobre as duas primeiras diretrizes, que são aumentar a capacidade das polícias combaterem o tráfico e uso ilegal de armas de fogo e investir na elucidação de homicídios. “Os outros dois temas já circulam nas candidaturas de 2022, só que precisam ser melhor qualificados: gestão para resultados – que muitas vezes fica reduzida ao pagamento de bônus, mas precisa seguir boa metodologia na escolha das metas, do acompanhamento e recompensa; e a redução da letalidade – que tem sido discutida especialmente pelo uso de câmeras corporais, mas precisa ser parte de uma política maior de profissionalização no uso da força pelas polícias”, diz.
É importante lembrar que este projeto não se destina apenas aos candidatos ou equipes de campanha, mas sim a todas as pessoas que buscam mais segurança – pesquisas de opinião atuais mostram que esse sentimento está em mais da metade dos brasileiros. “Queremos dialogar com a população para mostrar que segurança pública é muito mais do que “polícia na rua e prisão”. Queremos qualificar esse debate mostrando propostas práticas e realistas para esse novo ciclo de governo estadual. Queremos que as pessoas sejam capazes de entender as propostas e de cobrar seus candidatos”, completa Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz.
A seguir, nossas diretrizes.
- Modelo integrado de controle de armas
76% das mortes violentas no Brasil são cometidas com armas de fogo[1]. A legislação quanto aos registros, posse e porte de arma é federal, mas são os governos estaduais que lidam com as armas irregulares no dia-a-dia. Nos últimos anos, uma série de medidas do governo federal fez os arsenais privados mais que duplicarem no país. Historicamente, 95% das apreensões são feitas pelas polícias dos estados[2], que detêm também as informações sobre essas armas, as dinâmicas de apreensão e são responsáveis pela custódia e gestão dos próprios acervos bélicos.
No Brasil, apenas dois estados têm delegacias especializadas em armas e munições, que são RJ e ES. Nos outros, sem uma equipe específica para combater o tráfico e uso ilegal de armas, as apreensões acabam acontecendo a partir de outras ações e não são suficientes para reduzir a violência armada. Além disso, o aumento recente de armas em circulação compradas com registros de CAC (Colecionadores, atiradores e caçadores) se torna um desafio para a fiscalização das polícias estaduais, já que os dados destas autorizações são de responsabilidade do Exército, mas os policiais não têm acesso a essas informações. Uma delegacia especializada em armas é importante também para promover esse contato institucional e dar mais segurança aos policiais que, numa diligência, encontrem um cidadão armado e poderão checar com mais facilidade se é uma arma como registro em dia ou se foi roubada. Por isso, sugerimos:
– Produzir informações estratégicas a partir de relatórios com dados padronizados de armas apreendidas;
– Criar delegacia especializada em combate ao tráfico de armas e munições;
– Aumentar a cooperação com outras Secretarias de Segurança Pública, a Polícia Federal e o Exército;
– Promover a custódia segura de armas e munições, com controle de acesso, lacre e sistema de registro, além de agilizar a destruição após decisões judiciais.
2. Investimento em Esclarecimento de Homicídios
Em 2019, mais de 39 mil pessoas foram vítimas de homicídio doloso no Brasil. Apenas 37% dos casos tiveram os autores identificados pela polícia e foram denunciados pelo Ministério Público nos anos de 2019 e 2020. Este índice é 6% menor que o referente a homicídios de 2018, quando mais de 48 mil pessoas foram mortas em homicídios dolosos e 44% dos casos tiveram os autores identificados[4].
Nos Estados, o Índice de Esclarecimento de Homicídios calculado em 2022 (referente aos casos de 2019), o melhor resultado foi de Rondônia, com 90% das mortes com autores denunciados e os piores foram Amapá e Rio de Janeiro, com 19%. Oito estados não mandaram dados consistentes e não puderam ter o índice calculado.
Quando muitas mortes violentas não são elucidadas, cria-se uma sensação de impunidade e as famílias das vítimas ficam sem os direitos à verdade e à memória atendidos. Além disso, a falta de informações sobre os autores, motivos e dinâmicas dos homicídios torna impossível desenvolver políticas públicas de prevenção e otimização do uso de recursos públicos.
No país, dois dos problemas mais frequentes são a falta de delegacias exclusivas para a investigação de homicídios, crimes que têm características próprias, e uma grande dependência de provas testemunhais. Por isso, para dar mais respostas à sociedade, é necessário:
– Criar mais unidades especializadas em investigação de homicídios com normas de boas práticas;
– Que as DHPPs tenham atribuição de cuidar de todos os homicídios, inclusive os de autoria indicada no boletim de ocorrência (porque essa autoria pode não se confirmar ao longo da investigação);
– Manter e expandir a informatização dos inquéritos policiais;
– Investir nas perícias feitas pela Polícia Técnico-Científica, para que possam produzir provas técnicas diversas e com agilidade;
– Aumentar a sinergia entre policiais militares, policiais civis, guardas civis, peritos e promotores de justiça;
– Produzir dados padronizados para análise de inteligência, com perfis de vítimas, autores, motivações, locais mais frequentes e armas usadas.
3. Programas de gestão para resultados na segurança pública
Hoje, onze estados brasileiros têm programas de gestão. É pouco, mas em 2016, apenas oito estados possuíam essa diretriz[6]. Sem um objetivo bem definido e sem indicadores do trabalho da polícia, é bastante complicado medir resultados e traçar metas para o futuro. Muitas polícias ainda têm foco em indicadores operacionais, como quantidade de prisões e abordagens, mas não em redução criminal. Por isso, é importante criar ou fortalecer planejamentos completos de gestão para resultados. E sugerimos outras medidas:
– Maior priorização política das metas e do programa por parte do governador, que pode participar mais ativamente da gestão e reuniões do Programa;
– Redução da margem de discricionariedade do gestor, como no caso da aplicação do fator de redução de bônus por aumento da letalidade policial;
– Uma periodicidade mais regular das ações de reconhecimento, incluindo pagamento de bônus e implantação de outros incentivos não financeiros;
– Fortalecer o caráter estratégico e decisório das reuniões de acompanhamento periódicas.
4. Profissionalização do Uso da Força e Redução da Letalidade Policial
Em 2021, cerca de 17 pessoas por dia foram assassinadas por agentes do Estado. Elas somam 13% de todas as mortes violentas no Brasil, um percentual acima do aceitável por todas as métricas internacionais. As vítimas são principalmente homens (99%), negros (84%) e jovens de até 29 anos (74%)[7].
Goiás tem o maior índice de letalidade policial, com 30,6% e o DF, o menor, com 2,3%[8].
Alguns Estados, começaram a implementar um programa abrangente de redução da letalidade, com a revisão de treinamentos, aumento do uso de armas menos letais e a criação de comissões de acompanhamento de casos com homicídios por parte de policiais, além da inserção de câmeras nos uniformes de policiais, que mostram bons resultados.
É preciso reconhecer que as polícias são instituições profissionais em que o uso da força é uma premissa, mas o uso letal da força deve ser tratado como último recurso e sempre em proporcionalidade à ameaça. Também é necessário admitir que policiais são trabalhadores(as) sujeitos a muito estresse e sofrimento, como indicam os casos de suicídio entre policiais que aumentaram 59% entre 2021 e 2020, com 101 vítimas[9]. As medidas que sugerimos são:
– Reforçar profissionalização e treinamento dos agentes, com adoção de protocolos para uso de equipamentos menos letais, como a arma de incapacitação neuromuscular (taser);
– Reforçar treinamento e responsabilização dos comandantes;
– Manter e fortalecer as comissões que analisam casos de morte de policiais ou por policiais com transparência, além da investigação criminal, para minimizar novos casos;
– Investir nas Corregedorias independentes para punir casos de abusos;
– Aumentar o uso de câmeras em uniformes de policiais mantendo as regras de acionamento e uso das imagens;
– Fortalecer os sistemas de apoio à saúde mental para policiais;
– Manter e aplicar o regulamento para uso de redes sociais por policiais, onde ocorrências truculentas vinham sendo monetizadas, gerando conflito de interesses.