Levantamento aponta recorde de nomes ligados à segurança e, sob aura de polarização, médicos também saem vencedores
Reportagem do O Globo (clique aqui para acessar texto original) sobre a pesquisa, “Eleições 2024: Panorama Das Candidaturas Das Forças De Segurança” do Instituto Sou da Paz
Em uma eleição municipal marcada pelo destaque do debate sobre a segurança pública nas principais cidades brasileiras, o número de candidatos militares ou ligados às forças policiais eleitos em todo o país foi o maior na série histórica desde 2012. De acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz, elegeram-se 856 candidatos que declararam ter ocupação policial ou militar ou que usaram marcadores profissionais da área de segurança em seu nome de urna. Análise do GLOBO nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta ainda crescimento no número de pastores eleitos, na comparação com a eleição de 2020. Em ambos os casos, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro foi o partido que mais elegeu candidatos dessas duas categorias.
Também houve um avanço no número de médicos ou profissionais de saúde eleitos nacionalmente, quatro anos depois da eleição municipal realizada em plena pandemia, e em meio a evidências de que a polarização também chegou ao campo da saúde. Neste ano, foram eleitos 2.076 candidatos com alusões à medicina, superando o recorde de 2020, segundo dados levantados pelo GLOBO. Um deles foi o prefeito de Macapá, Dr. Furlan (MDB), reeleito com a maior votação proporcional nas capitais do país: 85% dos votos.
Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, o PL e outros partidos que se colocam mais à direita do espectro político conseguiram captar para si a bandeira da segurança pública, valendo-se também de um “vazio de propostas” da esquerda.
— Historicamente, foi a direita que abraçou a pauta da segurança, embora não da melhor forma, com uma visão linha-dura, que muitas vezes incentiva a violência policial e adota uma lógica de menor foco em prevenção — avalia.
A aproximação com a direita também predomina em nas candidaturas religiosas, compostas majoritariamente por pastoras ou pastores evangélicos. Levantamento do GLOBO mostra que o Republicanos, partido criado há duas décadas como um braço político da Igreja Universal do Reino de Deus e que sempre liderou a conversão de religiosos em políticos, viu neste ano o PL assumir a dianteira, com 38 nomes. O PSD, que foi a sigla que mais elegeu prefeitos no Brasil, vem em seguida no bloco religioso, com 37 eleitos.
Uma das eleitas no campo evangélico foi a pastora Sandra Alves (União-SP), décima vereadora mais votada da capital paulista. Ela foi também uma das campeãs de recursos do fundo eleitoral entre candidatos ao Legislativo no país: teve R$ 3,8 milhões do União Brasil para a sua campanha.
Aliados de Bolsonaro
Na área de segurança, segundo o Sou da Paz, o PL elegeu 168 candidatos, com larga vantagem para PP, com 99, e Republicanos, que teve 96 eleitos. A lista do PL inclui egressos da Polícia Militar, como o prefeito reeleito de São Gonçalo (RJ), Capitão Nelson, e membros das Forças Armadas, como o general da reserva Joaquim Silva e Luna. Ex-presidente da Petrobras, Silva e Luna se elegeu prefeito de Foz do Iguaçu (SC), com apoio de Jair Bolsonaro.
Também há no PL vencedores com histórico na Polícia Civil, como os delegados Eduardo Boigues, reeleito em Itaquaquecetuba (SP), e Egidio Ferrari, eleito em Blumenau (SC). A lista ainda pode aumentar com nomes como o do deputado federal Delegado Eder Mauro, integrante da bancada bolsonarista no Congresso, e que disputará o segundo turno de Belém (PA).
O PT, partido do presidente Lula, por outro lado, elegeu 16 candidatos que com alusões às forças de segurança, dez vezes menos do que o PL.
— A pauta de segurança pressiona o governo e a esquerda. O campo da direita percebeu a força dessa pauta, que dialoga com o medo da população. E os candidatos ligados à polícia adotam um argumento de “só eu troquei tiro com bandido, então só eu posso falar” — avalia Carolina Ricardo, do Sou da Paz.
Negacionismo
No recorte das candidaturas com marcadores religiosos, o PT tem desvantagem semelhante para o PL, que elegeu dez vezes mais nesse grupo. Dos três petistas eleitos, há um prefeito: Padre Anibal, de Bom Jesus do Galho (MG).
O campo da esquerda, porém, participa de disputas de segundo turno com a presença de pastores em chapas. Um dos casos é o de Camaçari (BA), onde o petista Luiz Caetano disputa o segundo turno tendo Pastora Déa (PT) como vice. Em Diadema, no ABC paulista, o atual prefeito Filippi Jr. (PT) tenta a reeleição com o pastor Rubens Cavalcanti (PV) na chapa.
No caso das candidaturas da área médica, apesar de o componente ideológico ser menos marcante na distribuição partidária, há também casos de candidatos que apostam na polarização que permeou a atividade desde a pandemia. Em Cuiabá, o médico e deputado Lúdio Cabral (PT), crítico do “negacionismo vacinal”, enfrenta no segundo turno o bolsonarista Abilio Brunini (PL), que colocou em dúvida o oferecimento da vacina para Covid-19 na rede municipal. Ele alega que o imunizante “não tem eficácia comprovada”, contrariando a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em João Pessoa, o ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga (PL), disputa o segundo turno contra Cícero Lucena (PP). No início deste ano, Queiroga fez campanha para reeleger no Conselho Federal de Medicina (CFM) um aliado, Raphael Câmara, responsável por uma resolução que buscava limitar a previsão legal de aborto para mulheres vítimas de estupro.