Governo Bolsonaro zerou, nesta quarta-feira, alíquota que incidia na importação deste tipo de armamento. Especialistas criticam flexibilizações
Por Bernardo Mello, Rayanderson Guerra e Victor Farias (leia a matéria completa publicada pelo jornal O Globo)
Alvo de mais uma flexibilização do governo Jair Bolsonaro, a importação de armas no país este ano, com números ainda em evolução, já é quase o dobro do registrado em 2019 e mais do que o triplo de 2018. Segundo dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), do Ministério da Economia, 102,3 mil revólveres e pistolas estrangeiros foram comprados até meados de novembro por pessoas físicas e jurídicas e por órgãos públicos. No ano passado, haviam sido importados 54,6 mil armamentos desse tipo, o que já representava um salto em relação a 2018 e à série histórica desde 2009.PUBLICIDADE
No último ano do governo Temer, foram 28,3 mil revólveres e pistolas importados. Somado, o número de importações em uma década, de 2009 a 2018, de acordo com o Siscomex, foi de 83,6 mil unidades, número 18% inferior ao total importado apenas neste ano.
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Na quarta-feira, uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicada no Diário Oficial da União (DOU) extinguiu a alíquota incidente sobre revólveres e pistolas importados. Até então, a taxa era de 20% sobre o valor dos produtos. A medida, que passa a vigorar no próximo dia 1º, foi anunciada por Bolsonaro nas suas redes sociais. Para especialistas em segurança pública, a nova regra contribui para um processo de fragilização do controle sobre armas e munições observado no atual governo.
“A CAMEX editou resolução zerando a Alíquota do Imposto de Importação de Armas (revólveres e pistolas). A medida entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2021”, escreveu Bolsonaro.
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Numa estimativa a partir do custo total dos revólveres e pistolas estrangeiros que entraram no país este ano informado em dólares pelo Siscomex,, o governo brasileiro deveria recolher o equivalente a US$ 5,6 milhões somente em imposto de importação. Com a resolução publicada ontem pela Camex, órgão vinculado ao Ministério da Economia, esta receita cai a zero.
— É uma medida que não apresentou um estudo, inclusive de impacto econômico. É algo que não passa pelo financeiro, mas sim por dar uma resposta a pressões de grupos pró-armas — avalia Isabel Figueiredo, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para o gerente de “advocacy” do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, a redução de tributos sobre armamentos em um cenário de pressão fiscal — gerado pelos impactos econômicos, sociais e sanitários da pandemia da Covid-19 — reforça a noção de que se trata de um “tema pessoal” para o presidente. Angeli também alerta para outros impactos do aumento da circulação de armas.
— Mais armas em circulação, mais gastos com saúde, segurança e com o sistema penitenciário. É necessário que o Estado taxe esses produtos parar arcar, inclusive, com esses gastos — afirmou.
Em nota, o Instituto Igarapé apontou que a maior entrada de armamentos no país, aliada a medidas recentes do governo federal que dificultam o rastreamento de armas e munições, “facilita a vida de grupos criminais”.
“Armas e munições legais podem cair na ilegalidade e os baixos controles dificultam as investigações e a prevenção desses desvios”, diz um trecho da nota, que também classifica a decisão de zerar a alíquota sobre revólveres e pistolas como “um exemplo da captura da agenda do governo federal por grupos de interesse, em prejuízo da totalidade dos cidadãos (que perdem recursos dos impostos)”.
Decretos presidenciais
Segundo especialistas, as restrições à importação de armas já vinham sendo flexibilizadas desde o governo de Michel Temer. A tendência de alta, porém, avançou no governo Bolsonaro, que tem entre suas bandeiras a ampliação da posse e do porte de armas de fogo.
A flexibilização da posse e porte de armas é uma das principais bandeiras de Bolsonaro. Em reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve sua gravação divulgada, o presidente disse que queria “todo mundo armado”. Um dia após a reunião, o governo federal publicou uma portaria interministerial aumentando a quantidade máxima de munições permitidas para compra no país. Na semana anterior, o Exército havia revogado, atendendo a uma determinação de Bolsonaro, três portarias que criaram regras para facilitar o rastreamento de armas e munição.
Entre as alterações feitas no atual governo, decretos presidenciais editados em julho e em setembro de 2019 revogaram um veto a armas estrangeiras que tivessem versão similar no país.
No geral, o valor gasto com armas e munições estrangeiras, incluindo espingardas, carabinas e suas peças, totalizou US$ 45,3 milhões até meados de novembro deste ano, 35% a mais do que o desembolsado no ano passado inteiro. Os dados do Siscomex incluem compradores públicos e privados. O número levantado pelo GLOBO abrange somente armas de fogo e suas munições, excluindo itens como cassetetes, pistolas de ar e armas brancas, e desconsidera também o valor gasto em armas de guerra, de uso restrito pelas Forças Armadas.
Alterações na legislação no atual governo
Janeiro de 2019
Ainda no início do mandato, Bolsonaro editou seu primeiro decreto sobre armas, estendendo o direito à posse a praticamente todo o território nacional e ampliando de cinco para dez anos a validade do registro. O decreto foi revogado nos meses seguintes, quando o presidente colocou em vigor normas ainda mais abrangentes.
Maio e junho de 2019
Em seis novos decretos, o presidente afirmou ir “no limite da lei” ao incluir o porte de arma para diversas profissões, ponto que foi revogado após a Câmara apontar ilegalidades. Foram mantidas, porém, mudanças como a ampliação do limite de munições para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e o aumento do rol de calibres disponíveis.
Setembro de 2019
Em mais um decreto, Bolsonaro liberou para policiais e membros das Forças Armadas a compra de armas de uso restrito, para uso pessoal, sem necessidade de comprovar antecedentes criminais. Em nota técnica, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão alertou, à época, que uma brecha na norma também poderia permitir a compra de fuzis por cidadãos comuns.
Abril de 2020
Em meio a pressões de Bolsonaro, uma portaria interministerial elevou de 50 para até 600 o número de munições que poderia ser comprado por mês por pessoas físicas. Além disso, o Exército revogou, por determinação do presidente, três portarias que ampliavam normas de rastreamento de armas e munições em todo o país.