Por Mariana Muniz (leia matéria original publicada pelo jornal O Globo)
Textos foram assinados por Bolsonaro e pelo ministro da Corte, à época na Justiça
Agora ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça terá pela frente a análise de ações que contestam medidas que facilitaram o acesso a armas e munições das quais foi coautor no período em que esteve no Ministério da Justiça.
Em fevereiro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou, ao lado de Mendonça, à época titular da Justiça, e do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, quatro decretos que flexibilizaram normas. As publicações aumentaram o limite da compra de armas e munições para detentores de posse, profissionais com direito ao porte e colecionadores, atiradores e caçadores (CACs). Também houve a exclusão de máquinas de recargas, acessórios ópticos, como lunetas, e carregadores de alta capacidade da lista de produtos controlados pelo Exército.
Pedido de vista
Há 14 ações no STF contestando a constitucionalidade dos decretos, atualmente suspensos por decisões liminares — os processos estão aguardando julgamento desde setembro de 2021. A análise chegou a começar, mas foi paralisada após um pedido de vista do ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, assim como Mendonça.
Uma vez de volta à pauta da Corte, os julgamentos poderão contar com a participação de Mendonça. Não há regra que impeça o novo ministro de se manifestar sobre o tema, apesar de sua condição de ex-integrante do governo — e, nestes casos, autor das medidas contestadas. Mendonça ainda analisa se vai ou não participar dos julgamentos. Ao ser sabatinado no Senado, ele disse que “há espaço para posse e porte de armas” e que a discussão deve girar em torno dos “limites”.
— Há um grande conflito de interesses quando medidas apontadas como inconstitucionais passam a ser julgadas por quem as elaborou. É impossível que haja imparcialidade ou distanciamento para que Mendonça analise as medidas do governo Bolsonaro que ele próprio chancelou — diz o diretor de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli.
Juristas explicam que o novo ministro do STF é impedido legalmente de integrar o julgamento de ações envolvendo o governo nas quais ele tenha participado como advogado da União — ele também foi chefe da Advocacia-Geral da União —, conforme prevê o Código de Processo Civil. Com relação à atuação no Ministério da Justiça, porém, não há óbice.
— Não há vedação legal, embora ele sempre possa, se entender haver algum conflito, afirmar sua suspeição por motivo de foro íntimo. Mas é uma decisão pessoal dele, considerando não haver regra legal proibitiva — aponta o advogado constitucionalista Wesley Bento.
Como o GLOBO mostrou em janeiro, o STF também tem precedentes no sentido de que Mendonça pode participar de julgamentos de processos objetivos (onde não há propriamente um litígio entre partes), como nas ações diretas de inconstitucionalidade, mesmo que tenha atuado neles na condição de advogado-geral da União.