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    O GLOBO | Estudo revela queda no uso de munição rastreável no Brasil

    24 de março de 2019 às 02:11

    Levantamento inédito mostra que, em oito anos, número de projéteis com marcação foi reduzido de 43% para 26%, o que dificulta a solução de homicídios

    Renata Mariz

    BRASÍLIA — Enquanto o número de munições vendidas no país subiu 36,6% nos últimos oito anos, caiu a proporção do material comercializado com a marcação dos lotes, que permite o controle e o rastreamento do produto. Em 2010, dos 143,2 milhões de projéteis adquiridos no mercado legal, 43,2% continham gravação no cartucho. Essa taxa ficou em apenas 26,3% em 2018, quando foram compradas 195,7 milhões de munições no país.

    A média nesse período foi de 30,2% de cartuchos marcados, de um total de 1,4 bilhão de unidades comercializadas. O restante não tem qualquer gravação que identifique a origem do material ou o comprador. Os dados são de estudo inédito do Instituto Sou da Paz. A pesquisa considerou informações oficiais do Exército, responsável pela fiscalização de produtos controlados no Brasil, incluindo munições.

    Pela regulamentação atual, apenas órgãos públicos são obrigados a adquirir projéteis com numeração gravada na base do cartucho. O produto voltado para outros compradores, como civis com posse de arma ou empresas de segurança, não tem marcação. A queda expressiva de munições rastreáveis no mercado brasileiro foi alvo de críticas especialistas que estudam o fenômeno da violência.

    Gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani considera fundamental a ampliação da marcação de munições vendidas no Brasil para elevar os baixos índices de esclarecimento de homicídios. Segundo o Monitor da Violência do G1, somente 24,7% dos assassinatos no país têm o autor identificado e denunciado em um ano, com potencial para se tornar um processo a ser analisado em um Tribunal do Júri.

    —A munição marcada dá muito resultado na investigação e permite identificar se alguém eventualmente está desviando o material de órgãos públicos. Em um país com 60 mil assassinatos por ano, boa parte deles por arma de fogo, não vejo razões para não ampliar esse controle — diz Langeani.

    O procurador da República Antônio Edílio Magalhães, que abriu um inquérito civil para investigar o controle de munições no Brasil, recomendou ao Exército adotar a marcação universal dos projéteis. É a Força que define as regras do setor por meio de portarias, o que facilita a implementação de mudanças. O mercado nacional tem apenas uma empresa, a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC).

    —Clube de tiro, empresa de segurança e empresa de transporte de valores são segmentos que usam muita munição, e nenhuma delas é marcada. Além disso, a CBC já trabalha com essa tecnologia há anos, é algo fácil do ponto de vista de técnico — destaca o procurador.

    Ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro e especialista em segurança, o delegado Fernando Veloso também critica a regra atual de marcação apenas para uma parcela das munições vendidas. Segundo ele, não faz sentido exigir apenas do poder público o ônus de comprar projéteis marcados. Veloso alerta ainda para os riscos da falta de controle no atual cenário de facilitação de compra de arma de fogo:

    — Constatar essa queda extremamente significativa de munições marcadas no mercado exatamente quando o país sinaliza uma intensificação do comércio, ao flexibilizar as regras para acesso a armas, traz muita preocupação sob a ótica da segurança pública.

    Morte de juíza elucidada

    Não há respostas definitivas para explicar a queda do número de munições com marcação vendidas no Brasil. Algumas hipóteses são levantadas, como a crise econômica, que pode ter levado os órgãos públicos, exatamente os que compram projéteis com identificação gravada, a diminuir seus acervos. Outra possível causa seria uma maior adesão das forças de segurança a outras estratégias de trabalho, como investigação e inteligência policial, o que reduziria as compras. Por outro lado, é inegável que houve uma expansão de consumidores de projéteis não identificados, como clubes de tiro e empresas de segurança privada.

    Casos rumorosos de assassinatos ilustram a importância da marcação. A morte da juíza Patrícia Acioli, executada em 2011 na porta de casa, foi solucionada em pouco mais de um mês porque os cartuchos achados no local do crime eram do Batalhão de São Gonçalo. A partir daí, a polícia descobriu que o assassinato fora encomendado por PMs ligados a milícias e grupos de extermínio.

    A apuração sobre a morte da vereadora Marielle Franco não teve o mesmo desfecho. Os projéteis usados no crime eram gravados e, pela marcação, foi possível saber que tinham sido adquiridos pela Polícia Federal. No entanto, o lote comprado pela PF superou em quase 200 vezes o tamanho limite permitido pelo Exército, de dez mil itens por lote, impondo dificuldades de rastreamento, conforme revelou O GLOBO em 2018.

    Depois disso, o Exército foi pressionado a fiscalizar de forma mais efetiva a regra nas vendas da CBC. A empresa afirma que passou a adotar a prática de fracionar as munições em lotes de até dez mil unidades. No entanto, diz entender que esse parâmetro se refere ao “tamanho mínimo” do lote, pela norma atual, e não à quantidade máxima. Sobre a possibilidade de ampliar a marcação de munições vendidas, a CBC destacou que “mudanças na legislação devem ser precedidas de estudos de viabilidade técnica e econômica”.

    Procurado, o Exército afirmou que o Brasil “é um dos poucos países que possuem controle de rastreamento nas munições fabricadas”.

    A corporação informou que trabalha para implementar o Sistema Nacional de Rastreamento, que terá como uma das diretrizes “a marcação individual da menor unidade de acondicionamento do produto, com uma identificação única”. Segundo o Exército, “tal medida será denominada Identificação Única de Produto (IUP) e poderá marcar produtos unitários ou embalagens, dependendo de tipo de comercialização e características do produto”.

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