Região Sudeste concentra o maior número de municípios com guardas que fazem uso apenas da arma de fogo e que a usam junto com armas não letais
Por Alice Cravo (leia a matéria completa publicada pelo jornal O Globo)
Um estudo do IBGE aponta que, entre 2014 e 2019, houve um aumento no número de municípios onde a Guarda Municipal usa armas de fogo. Das 1.188 cidades que contam com a estrutura, em 22,4% os agentes dispõem de armamento, que em alguns casos é utilizado em conjunto com armas não letais. O índice era de 15,6% no levantamento anterior.
Ao todo, são 266 municípios onde a Guarda Municipal usa os dois tipos de armamentos, a maioria na região Sudeste, casos de Belo Horizonte e Vitória, por exemplo. Em 34 cidades, como Rio das Pedras (SP), Valença (BA) e Bento Gonçalves (RS), apenas armas de fogo são utilizadas.
A pesquisa MUNIC foi realizada entre abril e setembro de 2019. Os levantamentos são feitos de forma anual com um formato de rodízio de temas. Sendo assim, o armamento da Guarda Municipal foi investigado, pela última vez, em 2014.
O Estatuto do Desarmamento permitiu o porte de arma de fogo pela Guarda Municipal desde que cumpram alguns requisitos, como ser um município de Região Metropolitana e ter mais de 50 mil habitantes, além de dispor de uma Corregedoria, uma estrutura para guardar o armamento e uma justificativa para que isso ocorra. A autorização ou não para o armamento da Guarda Municipal fica a cargo da Polícia Federal (PF), que exercerá uma função de fiscalização, além de ser responsável por estruturar um currículo preparatório para os servidores.
Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, pontua que é provável que a fiscalização não ocorra de forma eficiente, considerando o alto número de Guardas armadas e o efetivo baixo da Polícia Federal para realizar o serviço:
— Conhecendo a estrutura da PF, é pouco provável que essa fiscalização seja efetiva. O efetivo da PF é pequeno e há muitos municípios. Não tem estrutura para fazer uma fiscalização mais próxima de todo o sistema de controle de arma. Não é uma falha da PF, falta estrutura, efetivo, e com mais municípios isso é mais difícil ainda.
A pesquisa, no entanto, aponta que 75 municípios com porte populacional inferior ao permitido conseguiram a autorização para armar a Guarda Municipal. Em 2018, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu medida cautelar que suspendeu a restrição ao número de habitantes para o armamento da Guarda. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro da Corte Gilmar Mendes. Moraes afirmou que a restrição estabelecia distinção de tratamento que desrespeita os princípios da igualdade e da eficiência.
Além disso, 46,8% dos municípios informam ter instituído algum tipo de controle sobre a sua Guarda Municipal em 2019, como Teresina (PI) e Fortaleza (CE). A obrigatoriedade de um controle interno também é determinada pelo Estatuto da Guarda Municipal, que diz que órgãos neste sentido devem estar presentes nas corporações com mais de 50 servidores e em todas aquelas que utilizam arma de fogo.
Vânia Pacheco, técnica do IBGE responsável pela pesquisa, aponta que a existência de mecanismos do tipo é interessante para que a população possa ter acesso à Guarda e possa dar ao município um retorno sobre a atuação da corporação:
— Se não houver um órgão de controle, uma ouvidoria, para críticas e elogios, o município vai ficar sem ouvir o cidadão. Só traria benefícios.
Carolina Ricardo chama de “crise de identidade” o armamento da Guarda Municipal, que, originalmente, deveria ter uma ação preventida, além de cuidar de pequenos conflitos e zelar pelo patrimônio público.
— A Guarda enquanto força de segurança sempre quis ser outra polícia, e busca referência da PM, poque é o modelo que rege o policiamento no Brasil. É uma crise de identididade — pontua, completando: — A atuação deveria ser mais preventiva, cuidar do patrimônio da prefeitura, auxiliar no serviço público, lidar com pequenos conflitos. Isso já seria uma grande ajuda e desafogaria a prórpia PM. Ela vem buscando reconhecimento como polícia ostensiva e deixando de lado o potencial preventivo