Proposta institui lista tríplice para escolha dos comandantes das tropas. Texto foi para a pauta da Comissão de Segurança Pública da Câmara, mas acabou retirado. Debate fica para depois das eleições
Reportagem publicada pelo Nexo,(clique para acessar o texto original)
A Câmara dos Deputados discute um projeto de lei que prevê mudanças na escolha de comandos das Polícias Militares por governadores. A proposta cria uma lista tríplice elaborada pelas próprias corporações, a fim de que o chefe do Executivo estadual escolha um dos nomes para comandar a tropa.
Se aprovado, o projeto tira, na prática, poder de decisão dos governadores sobre a corporação responsável pelo policiamento ostensivo das ruas. O texto estava na pauta da Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado na terça-feira (2), mas acabou sendo retirado de última hora, dado seu potencial de polêmica.
Neste texto, o Nexo explica o projeto de lei e quais os efeitos negativos caso ele retorne para a agenda na Câmara.
Lista tríplice e demissão via Assembleia
O PL 164/2019 foi proposto pelo deputado federal José Nelto (PP-GO), vice-líder do Progressistas na Câmara dos Deputados. O partido faz parte do centrão, grupo aliado do presidente Jair Bolsonaro. A relatoria é do deputado Junio Amaral (PL-MG), do mesmo partido de Bolsonaro – o presidente tem na PM uma forte base de apoio.
O projeto altera o decreto-lei 667/1969, que versa sobre a organização das Polícias Militares e Corpo de Bombeiros nos estados. Segundo esse decreto-lei, que está em vigor atualmente, o comandante das PMs são escolhidos livremente pelo governador.
Uma das justificativas de Nelto para realizar a mudança é que a lei precisa de atualização em “diversos dispositivos”, mas que é “urgente” alterar a forma como os comandantes-gerais das corporações são escolhidos. “Isso se dá porque tais instituições, na conjuntura atual, estão muito expostas aos ditames políticos dos governadores”, afirma um trecho do projeto.
O deputado afirma que existem escolhas indevidas por parte dos governadores e que isso afeta o “controle da segurança pública”. Segundo ele, uma lista tríplice elaborada pela própria PM daria mais “equilíbrio” à escolha.
Como seria a votação da lista
A votação para a criação da lista tríplice se daria da seguinte forma: o candidato ao comando-geral deve ser exercido por um oficial da ativa no último posto (coronel).
Os dez coronéis mais antigos da PM iriam concorrer em uma seleção interna, com votação sigilosa por toda a corporação. Os três mais votados seriam incluídos em uma lista tríplice, encaminhada ao governador do estado, que faria a escolha.
O mandato do comando duraria dois anos, com recondução, ou não, a critério do governador. Hoje, não há mandato, e o cargo é de confiança.
Outro ponto do texto que reduz o poder dos governadores é a possibilidade de destituição do comandante-geral em alguma situação excepcional, onde o governo enxergasse que a saída do cargo seria solução para uma crise, por exemplo. O chefe do Executivo estadual não poderia trocá-lo sem aprovação da maioria dos deputados estaduais, com votação nas Assembleias Legislativas.
“Às vezes, o governador é eleito e ele pinça alguém do seu grupo político. E muitas vezes, um grupo criminoso”, afirmou. Ele frisou que a escolha seguiria a cargo do governador, mas dentro de um “rol de coronéis alinhados ao perfil da tropa da Polícia Militar”.
Qual é o problema do projeto
O gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, afirmou ao Nexo que o argumento dos deputados geraria efeito contrário: com comandantes escolhidos pelos pares, a politização nas polícias cresceria justamente pela falta de autonomia dos governadores.
O especialista cita como exemplo o afastamento do coronel Aleksander Lacerda pelo então governador João Doria (PSDB) em agosto de 2021. Lacerda realizou postagens nas redes sociais atacando o Supremo Tribunal Federal e convocou pessoas a comparecerem aos atos de 7 de setembro. “Será que, se fosse um comandante eleito pelos pares, isso [o afastamento] seria possível?”, indagou Langeani.
Na análise de Langeani, o projeto é “excêntrico”, sem precedentes no mundo, e poderia prejudicar as estratégias de segurança pública dos governos estaduais. Outro prejuízo caso o projeto seja aprovado, cita o especialista, é a transparência nas polícias. “No Brasil já temos polícias refratárias a debater os seus quadros com a sociedade. Um projeto que dá autonomia para as polícias escolherem os próprios chefes aumenta a chance de chefias corporativistas”.
Defesa não é unânime nas PMs
A estratégia para aceleração do projeto deu errado: a matéria foi retirada da agenda de apreciação da Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, reações negativas à votação, inclusive por parte de comandos das polícias, fizeram os parlamentares recuarem. A oposição também se articulou para pedir que o texto não volte para a pauta.
O presidente da comissão, deputado Aluisio Mendes (PSC-MA), afirmou que a intenção é manter o projeto fora de votação até o fim das eleições de outubro, e que o momento político não é propício ao debate.
“Não é uma vontade geral dos policiais, e essa manifestação contrária dos comandantes indica que o projeto pode gerar uma guerra fratricida nas corporações e trazer prejuízo ao trabalho do dia a dia”, disse Langeani.