Deputados e senadores que têm um mínimo de sensatez precisam impedir essa aberração
Por Ricardo Noblat (acesse o texto original publicado pelo Metrópoles)
Editorial de O Globo (29/11/2021)
Prepara-se na Câmara mais um torpedo contra o Estatuto do Desarmamento. Um projeto de lei do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) propõe liberar publicidade para o comércio de armas, hoje proibida pela legislação. O PL 5.417/2020 permite que atacadistas, varejistas, exportadores e importadores anunciem em veículos de comunicação ou na internet. A medida valeria também para clubes, escolas e estandes esportivos de atiradores, colecionadores e caçadores.
Chama a atenção o argumento esdrúxulo do filho Zero Três. “Sem armas, o povo vira presa fácil para ditadores”, afirma. “A história ensina que o desarmamento é política prioritária de facínoras autoritários.” Ele repete o discurso torto do pai, o presidente Jair Bolsonaro. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro foi explícito em seu projeto armamentista. “Por que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais! Não é?”, disse, dirigindo-se aos então ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).
Diante de tal ideia descabida, faz bem o relator do projeto, deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP), em convocar uma audiência pública para que a sociedade possa discutir a proposta. O encontro, marcado para amanhã, deverá reunir fabricantes, delegados de polícia e ONGs como o Instituto Sou da Paz. O projeto está na Comissão de Segurança e ainda terá de passar pelas comissões de Finanças e Tributação e Constituição e Justiça.
Corrêa não esconde sua insatisfação com a proposta. “Esse projeto vai estimular o desejo em quem hoje não tem interesse em comprar armas. Temos de pensar nos jovens. A sociedade não está preparada para esse tipo de publicidade, temos outras agendas de maior relevância”, afirma.
Destruir o Estatuto do Desarmamento tem sido uma das obsessões do governo Bolsonaro. Desde que assumiu, ele editou uma série de decretos para facilitar a compra de armas e munições e afrouxar o controle sobre os arsenais. Os resultados dessa política nefasta são conhecidos. Levantamento dos institutos Igarapé e Sou da Paz, com base na Lei de Acesso à Informação, mostrou que, nos últimos seis meses, o número de armas registradas por civis aumentou 330%. Somente para tiro esportivo foram concedidas 100 mil novas licenças entre abril e outubro, ou 555 por dia.
Fica cada vez mais claro que o arsenal que o governo Bolsonaro vem pondo nas mãos de civis nada tem a ver com estratégia de segurança, até porque uma política séria num país que registra mais de 50 mil mortes violentas por ano recomendaria restrição ao uso de armas. Trata-se tão somente de um projeto político, perigosíssimo, de fomentar milícias armadas para defender facções políticas. A tragédia da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, demonstra até onde se pode chegar com tamanha sandice.