Recentemente foi lançado o The Small Arms Survey 2014: Women and Guns, que traz capítulos sobre a violência contra mulheres, a relação entre o feminino, paz, segurança e testemunhos de mulheres que pegaram em armas como soldados, rebeldes ou profissionais da segurança privada.
O Small Arms Survey é um projeto baseado em Genebra, Suíça, que reúne pesquisadores de todo o mundo para, anualmente, revisar a situação da violência armada, do comércio e do arsenal mundial de armas pequenas e leves. A escolha pelo olhar para as armas pequenas e leves, que incluem desde revólveres e pistolas até metralhadoras e lançadores portáteis de granadas ou morteiros, se deve ao fato de que são as armas que mais matam no mundo, cerca de 500 mil pessoas por ano, muito mais do que as armas de maior potencial ofensivo.
O anuário de 2014 explora as mudanças esperadas no comércio mundial de armas pequenas e leves diante da perspectiva de entrada em vigor do Tratado de Comércio de Armas, além de atualizar o balanço anual sobre a transparência dos países em relação às suas exportações e importações.
No publicação, o Brasil se consolida como 4º maior exportador mundial atrás apenas de Estados Unidos, Itália e Alemanha, mas segue com uma má avaliação em relação ao nível de transparência que dá a essas informações. O país se posiciona em 43º lugar entre 55 países avaliados, atrás de países como Ucrânia, Chipre, Filipinas e Paquistão.
Ainda nesta seção do Small Arms Survey, há uma análise sobre o fluxo de armas e munições na África e Oriente Médio e, por fim, inclui um capítulo sobre o perfil das armas apreendidas em oito cidades dos Estados Unidos.
O capítulo final analisou mais de 140 mil armas apreendidas em oito cidades nos Estados Unidos de forma semelhante ao que o Sou da Paz fez em 2013 com mais de 14 mil armas apreendidas na cidade de São Paulo. As duas pesquisas encontraram padrões semelhantes em alguns pontos, como o fato de que, apesar de o imaginário popular acreditar na crescente elevação do poder de fogo dos criminosos, 77% das apreensões são revólveres e pistolas no EUA, porcentual que em São Paulo chegou a mais de 90%.
Dentre as armas preferidas dos criminosos a arma predominante no Estados Unidos foi a pistola semiautomática, já em São Paulo foi o revólver, enquanto lá nenhuma marca responde por mais de 11% aqui a Taurus domina 61% do mercado de armas ilegais.
“Apesar de trazer um importante avanço identificando quais são as armas nas mãos do crime, ambas pesquisas têm como grande ponto comum o fato de abrirem caminho para a possibilidade de uma investigação mais densa que identifique os canais de desvio e tráfico que levam essas armas até o crime”, comenta Bruno Langeani, coordenador de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz.
Para saber mais sobre esses desafios, o Instituto entrevistou o autor da pesquisa norte-americana, Matt Schroeder. Confira:
Sou da Paz – Na sua pesquisa publicada pelo Small Arms Survey 2014 você teve acesso a dados de oito cidades dos Estados Unidos, onde cada uma delas coleta e organiza seus dados de forma diferente, o que foi mencionado por você como um problema a ser resolvido para que se possa analisar e comparar melhor essas informações.
Que tipo de escolha feita pela polícia, que recebe e coleta os dados, resultou em maior dificuldade para a pesquisa? Se você tivesse que aconselhá-las sobre a forma de registro desses dados, o que diria? Qual das polícias com as quais você trabalhou tinha os dados mais organizados ou completos?
Matt Schroeder – Os dados fornecidos pelos oito municípios estudados foi, certamente, o mais detalhado dentre todos para os quais solicitamos dados (43 cidades no total). Nós fomos surpreendidos pelo nível de detalhamento dos dados e pela resposta rápida e atenciosa aos nossos pedidos por parte dos departamentos policiais que forneceram os dados. Essa é a maneira que se espera que funcionem as leis de acesso à informação, nós somos gratos pelos esforços destas polícias.
SDP – Na sua opinião, quais são as principais razões para que instituições de segurança pública ao redor do mundo realizem pesquisas como a sua?
MS – Conjuntos de dados extensos e robustos sobre armas apreendidas e traficadas são essenciais já que permitem que testemos as impressões do senso comum sobre as armas pequenas e leves – impressões que frequentemente dão origem a políticas de segurança. Se essas impressões estiverem incorretas, as políticas que são construídas ao seu redor não atingirão seus objetivos.
SDP – O Sou da Paz realizou uma pesquisa muito similar com as armas apreendidas pela polícia na cidade de São Paulo. É interessante como é possível traçar um paralelo em relação a alguns resultados (a grande maioria das armas apreendidas são de menor poder de fogo; armas de maior poder de fogo, como fuzis ou submetralhadoras, são raras). No entanto, quando olhamos mais detalhadamente podemos ver algumas diferenças importantes (você encontrou nas cidades norte-americanas pelo menos seis vezes mais rifles/carabinas semiautomáticas do que nós em são Paulo, assim como as pistolas semiautomáticas são mais comuns nos Estados Unidos do que no Brasil, onde os revólveres ainda são as armas preferidas dos criminosos). O que você acha que poderia explicar essas diferenças?
MS – Precisaríamos de pesquisas mais aprofundadas para explicar essas diferenças.
SDP – Na conclusão do anuário você menciona algumas lacunas que dificultam a compreensão do mercado ilegal. Entre elas, cita a pouca informação sobre a fonte imediata de armas ou sobre o desenrolar da cadeia de custódia que culmina na sua apreensão pela polícia. Por que tantas forças de segurança e governos não se atêm a esses dados e por que investigações como estas poderiam ser tão impactantes na repressão do mercado ilegal de armas?
MS – Identificar e compilar os dados sobre a fonte imediata de armas ilegais é muito mais difícil do que apenas identificar as características das armas. Muitas vezes a polícia não conhece o canal mais atual de fornecimento de armas ilícitas, essa identificação consome muito tempo e, em alguns casos, é impossível. Dito isso, as informações sobre a fonte das armas ilícitas – e a movimentação dessas armas após se desviarem do mercado legal – é extremamente importante para a elaboração de respostas policiais adequadas para esse problema.