Marcos (nome fictício), catador de material reciclável de 37 anos, foi acusado de receptação de uma bicicleta roubada em junho de 2016. Ele permaneceu preso provisoriamente por um ano, ao custo de R$ 15 mil para o Estado. No julgamento, foi condenado a um mês e cinco dias de prisão por receptação culposa e colocado em liberdade, já que desconhecia que a bicicleta fosse produto de roubo. Como Marcos, muitas pessoas são presas por crimes de baixo potencial ofensivo aos quais poderiam responder em liberdade ou cumprindo medidas alternativas à prisão.
Alguns desses casos são abordados no estudo “Vale a Pena? Custos e Alternativas à Prisão Provisória no Estado de São Paulo”, realizado pelo Instituto Sou da Paz e pela rede Nossas Cidades, em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. O diagnóstico aponta os custos financeiros e humanos das prisões cautelares, decretadas pela justiça antes do fim da ação penal, e revela o investimento limitado de recursos públicos em programas voltados à prevenção em São Paulo.[1]
Segundo o levantamento, quase 60 mil pessoas se encontram presas provisoriamente (sem julgamento) na capital de São Paulo atualmente, o equivalente a um quarto da população prisional do estado. Estima-se que suas prisões custam quase R$ 76 milhões mensais aos cofres públicos. Apenas para manter presos provisoriamente 753 residentes dos distritos da Brasilândia e da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, e do Jardim Ângela, na zona sul, entre 2016 e 2017, foram gastos R$ 4,5 milhões, mais do que o valor anual do programa “Jovem Cidadão – Meu Futuro”, que oferece oportunidades de inserção no mercado de trabalho para jovens em todo o estado. Entre os crimes imputados aos presos desses bairros, as ocorrências não violentas representaram 22% dos crimes associados aos presos da Freguesia do Ó, 12% do Jardim Ângela e 17% da Brasilândia.
“Constatamos que o estado se faz mais presente em determinados bairros da capital com polícia e prisão do que através de políticas públicas de prevenção como cultura e profissionalização da juventude”, comenta Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz.
Pesquisadores do Sou da Paz analisaram dados sobre os presos provisórios ouvidos por defensores públicos na capital ao longo de 2016 e 2017, traçaram o seu perfil e mapearam as taxas de encarceramento dos bairros da cidade. O estudo dos processos de pessoas oriundas dos bairros da Brasilândia e do Jardim Ângela, que apresentaram números absolutos de presos elevados e taxas de encarceramento por 100 mil habitantes mais altas que a média da capital, revela quanto essas prisões custaram.
Enquanto os gastos com a administração penitenciária cresceram significativamente (+27,5%) entre 2010 e 2017, outras pastas e ações relacionadas aos jovens, que compõem significativa parcela dos presos na capital, sofreram cortes expressivos. Projetos promissores como o “Ação Jovem”, da Secretaria do Desenvolvimento Social, e o “Jovem Cidadão”, da Secretaria do Emprego e Relações de Trabalho tiveram suas despesas significativamente reduzidas no mesmo período – reduções de 78% e 61%, respectivamente.[2]
O estudo confirma que determinadas regiões da cidade tendem a concentrar tanto desvantagens sociais quanto prisões provisórias. Conforme se aprofunda a exclusão social, cresce a taxa do encarceramento provisório. Nos distritos da Brasilândia e do Jardim Ângela, por exemplo, a proporção de analfabetos acima de 15 anos é aproximadamente o dobro da média municipal. Já a taxa de empregos formais a cada 100 habitantes é 11 vezes menor na Brasilândia e oito vezes menor no Jardim Ângela do que na capital como um todo.
“Investir em prisões cautelares de pessoas acusadas de crimes de baixo potencial ofensivo é uma aposta duvidosa para a segurança pública”, comenta o diretor do Sou da Paz. “É fundamental redirecionar recursos e esforços para programas de qualificação e inserção profissional de jovens, bem como o enfrentamento à extrema pobreza e à reintegração social da população penal, de egressos e familiares”.
Recomendações
Para reduzir o número de prisões provisórias e permitir o monitoramento dos gastos em repressão e prevenção, o Instituto Sou da Paz recomenda: i) Manter a realização das audiências de custódia presenciais e em até 24 horas após a prisão e divulgar dados atualizados a respeito das audiências; ii) Priorizar a liberdade provisória sempre que possível e fortalecer encaminhamentos assistenciais para presos ;iii) Fortalecer a Defensoria Pública do Estado de São Paulo; iv) Aumentar os investimentos em políticas voltadas à juventude e à redução da vulnerabilidade social; e v) Produzir e divulgar dados regionalizados sobre o orçamento e os gastos públicos em nível de município e distrito administrativo.
“É fundamental que a liberdade provisória seja a regra e que as medidas cautelares sejam usadas como alternativas à prisão, não à liberdade,” diz Ivan. “Nesse sentido, as audiências de custódia em São Paulo devem continuar sendo realizadas no prazo de 24 horas e presencialmente”, conclui.
[1]A pesquisa tratou como “prisão provisória” ou “prisão cautelar” o período entre a apreensão do acusado e a sua sentença em primeira instância ou soltura mediante alvará expedido durante o processo (sempre que não houve novo mandado de prisão posterior).
[2] O primeiro consiste em um programa de transferência de renda com o objetivo de estimular a conclusão da educação básica e preparar o jovem para o mercado de trabalho, tendo como público-alvo estudantes de 15 a 24 anos, “com prioridade para aqueles com renda familiar de até 1/4 (um quarto) do salário mínimo por pessoa”. O último é um programa cuja finalidade é oferecer aos estudantes do ensino médio (matriculados e com frequência) com idades entre 16 e 21 anos a “oportunidade de inserção no mercado de trabalho por meio de estágio remunerado, reduzindo assim a vulnerabilidade juvenil e melhoria do desempenho escolar”. Para mais informações, acessarhttp://bit.ly/2QOs2Nt e http://bit.ly/2SVyzYk.