Grupo de dependentes bloqueava trecho da rua Conselheiro Nébias, nos Campos Elíseos, neste domingo (9)
Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo(clique para acessar o texto original)
Usuários de drogas da cracolândia que foram deslocados sob chuva na noite de sábado (8) para baixo do viaduto Governador Orestes Quércia, no Bom Retiro, deixaram o local poucas horas depois e voltaram a ocupar ruas do bairro Campos Elíseos, na região central de São Paulo.
Por volta das 13h deste domingo (9), um grande grupo de dependentes químicos ocupava a rua Conselheiro Nébias, bloqueando o trecho entre as ruas Aurora e Timbiras. Também era possível encontrar usuários de drogas pelo largo General Osório. Alguns pareciam estar exaustos e deitavam nas calçadas molhadas.
Moradores e pedestres que circulavam pela rua Conselheiro Nébias —repleta de hotéis e pensões— mostravam-se surpresos e assustados com a concentração de viciados na via.
Pouco mais de 12 horas antes, um pelotão formado por guardas civis e policiais civis e militares escoltou o fluxo —como é conhecida a concentração de usuários— da cracolândia da rua dos Protestantes até a parte de baixo da ponte Governador Orestes Quércia, conhecida como Estaiadinha, na marginal Tietê, perto da avenida do Estado.
Vídeos obtidos pela reportagem mostravam viaturas da GCM acompanhando o grupo de dependentes químicos nas imediações da rua José Paulino, no Bom Retiro. Antes disso, moradores do entorno da rua dos Protestantes relataram o uso de bombas de gás para dispersão do fluxo.
A intenção, segundo policiais ouvidos pela reportagem, era que a cracolândia se mantivesse por ali.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana, responsável pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), declarou ter realizado o acompanhamento do grupo, em conjunto com a Polícia Civil e Militar, garantindo o deslocamento de forma segura, sem intercorrências no trajeto. A pasta informou que vai direcionar mais 400 agentes para atuar na região a partir desta segunda-feira (10).
Em nota encaminhada pela Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Militar declarou que “tal ação das forças de segurança ocorreu diante de informações de que, após ações de requalificação das cenas de uso existentes no centro da capital, grande número de usuário de drogas estavam se deslocando em grupo pelos bairros da Santa Ifigênia e dos Campos Elíseos, em direção ao equipamento público municipal de Saúde e Assistência Social”.
Segundo a PM, antes de se concentrar sob o viaduto, o grupo chegou a permanecer na rua Prates, onde há um centro de acolhimento.
A PM ainda afirmou que tem recebido diversos chamados de moradores, trabalhadores e comerciantes neste domingo por causa do deslocamento dos dependentes químicos, e que segue atuando na região para preservar a segurança e a ordem pública por meio de ações de liberação de vias e requalificação dos locais.
Para Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a migração de um endereço para outro é uma política sem efeito. “Você não resolve o problema, só transfere do ponto A para o ponto B, e, às vezes, eles resolvem que vão para o ponto C.”
Mingardi explica que as mudanças são paliativas e indicam uma falsa sensação de alívio. “Você resolveu temporariamente o problema do pessoal da rua dos Protestantes, dos moradores, dos trabalhadores que tem lá, dos comerciantes, mas criou o problema em outro lugar.”
Já Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, enxerga no deslocamento forçado do fluxo uma reedição de práticas fracassadas.
“Remover pessoas como se fossem entulhos, além de desumano é uma estratégia burra e ineficiente. As pessoas têm relação com o território. Fontes de renda, como bicos e reciclagem, não estão na marginal, estão na cracolândia.”
Entidades que trabalham com os dependentes químicos criticaram a ação. Em nota encaminhada para a reportagem, o Teto, Trampo e Tratamento diz ver com “preocupação e assombro os testes que a prefeitura vem fazendo sobre onde ‘fixar’ o fluxo da chamada cracolândia”.
Há menos de uma semana, a Folha havia mostrado que os usuários localizados nas ruas Conselheiro Nébias e Guaianases, em Campos Elíseos, haviam migrado para a rua dos Protestantes, em Santa Ifigênia.
A via, entre as ruas Vitória e dos Gusmões, é de mão única e estreita. O perímetro abriga ferros velhos, pensões e um condomínio residencial. O local fica perto da Praça Júlio Prestes e da Sala São Paulo, a antiga cracolândia.
A prefeitura e governo paulista estudam há tempos uma maneira de confinar a cracolândia em um local que causasse o menor impacto possível para comerciantes e moradores.
Na ocasião da movimentação para a rua dos Protestantes, a gestão Ricardo Nunes (MDB) declarou, em nota, que a concentração de usuários possui dinâmica própria e movimenta-se pelas ruas do centro, “especialmente quando observado seu padrão de acomodação ao longo do tempo”.
Já a Secretaria da Segurança Pública do estado afirmou que “vem trabalhando para combater a criminalidade na região central, com o aumento de policiamento ostensivo e o trabalho de investigação”. A secretaria disse ainda que ampliou a comunicação com os comerciantes nas ruas dos Protestantes e do Triunfo em razão da nova concentração de usuários.
A rua dos Protestantes é só mais um ponto do périplo dos usuários de drogas pelas ruas do centro da capital paulista.
Foi da região da Júlio Prestes, chamada pejorativamente de praça do Cachimbo, que os dependentes químicos saíram em direção à praça Princesa Isabel, e depois, em maio de 2022, se espalharam para diversas vias de Campos Elíseos, Santa Ifigênia e República, provocando protestos de moradores e comerciantes.