Queda em agosto foi de 33%, segundo PM; no acumulado do ano, porém, mortes ainda são 6,8% mais do que no período equivalente de 2019
Por Rogério Pagnan (leia a matéria original publicada pela Folha de S. Paulo)
O número de pessoas mortas por policiais militares de São Paulo em confrontos armados caiu 33% no mês de agosto, em comparação ao mesmo período de 2019, na terceira queda consecutiva da letalidade policial no estado, segundo dados da gestão João Doria (PSDB) obtidos pela Folha.
Em números absolutos, foram 49 casos em agosto de 2020, contra os 73 do mesmo período do ano passado. Em julho a redução havia sido de 31% (51 contra 74) e, em junho, ela foi de 12,5% (56 contra 64).
A queda das mortes em decorrência de intervenção policial, as MDIP, ocorre em um momento de maior rigor nos protocolos da PM para lidar com esse tipo de ocorrência e, também, em meio à ampliação do uso de armas menos letais, como as de eletrochoque e espargidores de gás pimenta.
A sequência de queda nas mortes reverte um quadro crítico dos cinco primeiros meses de 2020, quando houve uma explosão de casos.
Entre janeiro e maio deste ano, houve um aumento de 27% nesse tipo de morte, período que já compreendia a quarentena (de 349 para 443, sempre comparando com igual período do ano passado).
Entre junho e agosto, a queda foi de 26% —de 211 para 156, também na comparação com 2019.
Em abril, por exemplo, foram anotadas 116 mortes de civis em supostos confrontos com PMs, 55% acima das 75 mortes do mesmo mês em 2019, numa média de quase 4 mortos por dia. Já em agosto essa média diária passou para 1,6 mortes.
Porém, mesmo com a queda no último trimestre, o acumulado de 2020 é ainda 6,8% superior às mortes em período equivalente do ano passado: são 599 casos atuais contra os 560 de 2019.
Para fins de comparação, entre janeiro e julho deste ano foram registrados 413 homicídios dolosos na capital —nesse mesmo período, a PM matou no estado 549 civis (136 mortes a mais).
De acordo com a cúpula da PM, a redução nos últimos meses se deve a medidas como a criação de comissões para analisar os casos com mortes e feridos (Comissão de Mitigação de Não Conformidades) e outras, de fiscalização, como a maior presença dos oficiais nos locais de ocorrência.
Isso também provocou um crescimento de 35% no número de policiais presos em flagrante no primeiro semestre deste ano, em comparação a 2019: foram de 17 para 23 presos. Entre as prisões, estão casos de policiais que mataram civis sem justificativa, em confrontos que só existiram na versão do PM.
Para tentar manter os números em queda, a PM prevê aumentar o uso de armas menos letais.
Foram adquiridos 60 mil espargidores de gás pimenta e lacrimogêneo, além de 1.250 armas de incapacitação neuromuscular, as tasers de eletrochoque. A corporação abriu um pregão internacional para adquirir mais 2.500 dessas armas, uma compra estimada em R$ 18 milhões.
“A redução da letalidade é o nosso grande objetivo”, disse o comandante-geral da PM, o coronel Fernando Alencar Medeiros, em nota enviado à Folha.
Para a diretora-executiva do instituto Sou da Paz, Carol Ricardo, a notícia de redução da letalidade é importante, assim como o reconhecimento por parte da PM de que o uso abusivo da força letal é um problema que precisa ser atacado.
“Isso precisa ser colocado em posicionamentos públicos, colocado para tropa, e por uma orientação de que é preciso ir atrás do crime, de criminosos, mas o resultado morte não é aceitável, não é o que se quer, em nenhum dos lados.”
Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz
Para ela, trata-se de “começo importante”. “Nada adianta se a polícia não tiver um direcionamento claro”, disse ela.
Benedito Mariano, ex-ouvidor da Polícia de São Paulo, disse considerar uma boa notícia a redução da letalidade policial por três meses seguidos. “Ainda é alto [o número de casos], mas é uma boa notícia.”
Mariano vê, porém, outros motivos para queda. Para ele, a repercussão negativa de supostos assassinatos praticados por policias nas últimas semanas, incluindo a morte de Rogério Ferreira da Silva, 19, baleado pelas costas quando andava de moto, no dia de seu aniversário, colocaram um freio na tropa.
“Era injustificável o aumento da letalidade em plena pandemia, quando vários crimes relacionados à circulação de pessoas diminuíram, principalmente furto e roubos, de pessoas e veículos. Se esses crimes diminuíram, como aumenta a letalidade?”, disse o ex-ouvidor.
Conforme a Folha revelou em abril, os crimes patrimonais caíram até 65% nos primeiros dias de distanciamento social, caso dos furtos em geral. Por outro lado, os chamados crimes de sangue tiveram aumento. Os homicídios, por exemplo, atingiram números recordes. A letalidade policial também.
Ainda segundo Mariano, outras medidas podem ajudar a reduzir esses números, como centralizar as investigações de mortes na Corregedoria, não nos batalhões.
Ele cita a inclusão no currículo de formação de disciplina sobre discriminação racial e social e o afastamento das ruas de policiais envolvidos com morte. “São medidas que reduziram em 50% o número de mortes”, opina.
Para o juiz Ronaldo João Roth, do Tribunal de Justiça Militar, a redução da letalidade policial pode ocorrer se houver uma maior participação do Ministério Público, que tem o papel constitucional de controle externo da atividade policial.
Para o magistrado, o promotor deveria comparecer ao local das ocorrências, e não ter contato com o caso só meses depois do ocorrido.
“O Ministério Público tem de estar presente nos casos de letalidade para aferir se a polícia atuou dentro da legalidade. Se o policial se sentir fiscalizado, vai diminuir o número de desvios policiais. Cabe ao Ministério Público promover a responsabilização dos policiais que se desviam na função.”
Reinando João Roth, juiz do Tribunal de Justiça Militar