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    Folha de S. Paulo | Processo para mudar regra de armas tem ameaça a senadores e apoio do clã Bolsonaro

    20 de março de 2022 às 11:13

    Por Raquel Lopes (leia matéria original publicada pelo jornal Folha de S. Paulo)

    Senadores na linha de frente da tramitação do projeto de lei que beneficia CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) passaram a sofrer ameaças da categoria, além de se tornarem alvos da pressão de lobistas de armas e até do clã Bolsonaro.

    Com a justificativa de dar segurança jurídica aos CACs, o projeto altera pontos importantes da legislação sobre controle de armas e munições no país. A proposta está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), sob a relatoria do senador Marcos do Val (Podemos-ES).

    Apresentado pelo Executivo ao Congresso, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2019.

    O relator tentou votar o texto como chegou ao Senado em dezembro do ano passado, mas houve pedido de vista coletivo na comissão.

    Em fevereiro, foi feito um acordo oral para que alguns pontos fossem mudados, o que gerou novo pedido de adiamento da votação. No início deste mês, parlamentares alegaram que uma série de novas modificações no texto dificultou o andamento da proposta novamente.PUBLICIDADE

    Entre as mudanças estava conceder porte de arma para agentes socioeducativos, defensores públicos e membros do Congresso. Essa inclusão de novas categorias gerou muitos questionamentos de parlamentares e tem sido criticada por especialistas em segurança pública.

    Após senadores contrários ao novo texto conseguirem adiar a votação, alguns deles passaram a receber ameaças nas redes sociais e por email.

    Em uma dessas ameaças, os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Simone Tebet (MDB-MS) são atacados e xingados.

    “Eu já venho atuando nessa área há anos, já fui ameaçada outras vezes. A gente não pode naturalizar e precisa encaminhar o caso para investigação. Às vezes nas viagens uso apoio de seguranças, não posso subestimar”, afirma Eliziane.

    Girão e Eliziane acionaram a polícia legislativa, que já identificou os autores das ameaças. Segundo o senador Marcos do Val em sessão da última quarta-feira (16), os dois são CACs, sendo que um é de Maceió e o outro de São Paulo.

    O relator disse que estuda incluir no texto penalidade para as categorias que são citadas no projeto e que promovem ameaças.

    “Vou colocar na lei que o CAC pode perder o registro, ter as armas recolhidas e pode pegar prisão. Eu não concordo com esse tipo de ameaça e, por isso, pedi para o projeto ser retirado da pauta até a conclusão das investigações”, destacou Marcos do Val.

    Para especialistas, o novo texto vai além de focar os CACs. “Com as emendas acatadas pelo relator, o projeto deixa de focar só CACs e derruba o Estatuto do Desarmamento completamente dando porte para diversas categorias. É um projeto para gerar lucro, vender arma de fogo”, avalia Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz.

    Agindo nos bastidores, um personagem que ganhou destaque na pressão pela aprovação da proposta é o advogado e presidente do movimento Proarmas, Marcos Pollon.

    O advogado transita com facilidade pelo Senado e, durante as sessões, tem tido acesso a áreas reservadas a senadores. Ele assessora a equipe do relator dentro e fora das reuniões da CCJ.

    Em uma live logo após uma sessão da comissão, no dia 23 de fevereiro, ele chegou a dizer que apresentou emendas ao projeto.

    “Eu apresentei oito emendas. Quatro eu pedi para o César fazer na hora. Falei: ‘César, me dá uma emenda disso, uma disso, uma disso. Ele mandou. Peguei com a minha equipe mais quatro, apresentei. […] O César viu meu desespero no WhatsApp. Eu lá falando, tava dando suporte para outros senadores”, disse.

    Ele se referia a César Mello, que também é CAC e advogado, e assim como ele atua no lobby para aprovação do projeto.

    Em entrevista à Folha, o senador Marcos do Val confirmou que pediu sugestões na construção do relatório para Pollon por considerá-lo uma pessoa equilibrada e com conhecimento jurídico.

    “Tenho pedido a ele sugestões e ideias em relação a alguns pontos, do mesmo jeito que pedi aos peritos [outra categoria citada no PL]. Ele fez um evento no ano passado e vi um perfil moderado como o meu. Então, peço sugestões quando há essas pautas. Precisamos dar segurança jurídica aos CACs, sem radicalizar e sem retrocesso”, pontuou o senador.

    Na última semana, em outra live, Pollon disse que conversou com todas as categorias que foram adicionadas ao PL para pedir apoio. Ele também solicitou às pessoas que lhe assistiam que procurassem, por email ou telefone, alguns senadores indicados por ele.

    “”Precisamos que o senhor [senador] apoie a aprovação na CCJ do PL 3723/2019 que dá um pouco de segurança jurídica para os CACs”. É essa frase, que tem que ser dita dessa forma. Como? Mandando email ou telefonando”, argumentou Pollon.

    A assessoria de imprensa de Marcos Pollon negou, por meio de nota, que ele tenha acesso especial no Senado. “O trabalho que ele faz é o mesmo que as ONGs desarmamentistas fazem. Apenas apresenta um contraponto técnico por ser especialista em legislação de controle de armas.”

    Atuação de César Mello é descrita pelo advogado e CAC Jorge Barreto em uma live. “O César está agindo nos bastidores e eu vou demonstrar já essa informação veiculada. Ele está trabalhando para vários”, disse Barreto.

    Mello disse, por nota, que não trabalha em bastidor, está auxiliando o senador de forma aberta.

    “A matéria é extremamente complexa e é necessário conhecê-la para opinar. Por ser especialista em direito público e atirador esportivo há 10 anos, coloquei meu conhecimento à disposição do senador na defesa dos interesses da comunidade”, afirma Mello.

    Neste sábado (19), ele fez uma live relatando os questionamentos da Folha sobre sua atuação. “Por enquanto, senador que me perguntou qualquer coisa foi Marcos do Val, que é parça, gente boa “, disse.

    O projeto também tem sido acompanhado de perto pelos filhos do presidente Jair Bolsonaro (PL). O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) participou da última reunião que ocorreu na CCJ e defendeu mais armas para a população.

    “Quer a prova real de que armas salvam vidas? Foi o que fez o presidente da Ucrânia agora, nessa guerra com a Rússia. Assim que começou a guerra com a Rússia, a primeira coisa que o atual presidente fez – porque havia passado legislação para desarmar a população – foi conceder o porte de armas para a população civil, foi dar fuzil para a população defender a sua soberania, a sua pátria”, disse Flávio.

    No mesmo dia, o deputado Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP) chamou em suas redes sociais para a votação que estava prevista para acontecer. Horas depois, ainda compartilhou a fala do irmão na CCJ.

    Flávio e Eduardo foram procurados pela reportagem, mas não se manifestaram até a publicação desse texto.

    ​O presidente, sua família e vários de seus apoiadores são ferrenhos defensores do armamento da população. Bolsonaro estimula o cidadão comum a se armar e deu acesso à população a calibres mais poderosos.

    O governo já editou 15 decretos presidenciais, 19 portarias e 2 resoluções que flexibilizam regras, além de enviar 2 projetos ao Legislativo.

    Os CACs têm sido beneficiados com uma série de normas no governo, o que tem influenciado o crescimento de armas e munições nas mãos dessa categoria.

    Houve aumento do número de registros e do arsenal bélico neste grupo. No total, há 795 mil armas registradas de CACs e 492 mil pessoas com registro ativo de CAC no Exército Brasileiro até novembro de 2021.


    CONHEÇA ALGUNS PONTOS DO PL 3.723/2019

    CACs

    • Legislação

    Como é hoje

    Não há regras no Estatuto do Desarmamento para essa categoria

    Como pode ficar

    Insere no Estatuto do Desarmamento regras para CACs

    Situação

    Aprovado na Câmara e até então sem mudança no Senado

    • Porte de arma de trânsito

    Como é hoje

    O Decreto 10.629/2021 autorizou os CACs a transportarem uma arma de fogo curta municiada e pronta para uso no trajeto entre o local de guarda do equipamento e os locais de treinamento ou de caça

    Como pode ficar

    Dá status de lei ao decreto de Bolsonaro. Autoriza o transporte de uma arma de fogo curta municiada e pronta para uso por caçadores e atiradores do local da guarda do equipamento até o local de treinamento ou de caça. O texto considera trajeto qualquer itinerário realizado pelo CAC, independentemente do horário

    Situação

    Aprovado na Câmara e até então sem mudança no Senado

    • Armas adquiridas por CACs

    Como é hoje

    Atualmente pelos decretos, os atiradores podem ter no máximo 60 armas e os caçadores, 30

    Como pode ficar

    A quantidade de armas autorizadas para caça ou de tiro esportivo será regulamentada pelo Comando do Exército, assegurada a quantidade de 16 armas, sendo 6 de uso restrito. Não há máximo, podendo ser concedidas autorizações superior a critério do Comando do Exército

    Situação

    Emenda acatada pelo relator Marcos do Val em 23/02

    • Banco de dados

    Como é hoje

    Não há na legislação

    Como pode ficar

    Os acessos aos bancos de dados com cadastros de acervo dos CACs serão restritos a servidor credenciado pelas respectivas instituições e passarão a ser feitos somente após registro prévio da motivação

    Situação

    Aprovado na Câmara e até então sem mudança no Senado

    • Direito a ser CAC

    Como é hoje

    Não há legislação sobre o tema

    Como pode ficar

    Define as atividades de caça, tiro desportivo e colecionamento como “direito de todo cidadão brasileiro” e estrangeiros residentes no país

    Situação

    Emenda acatada pelo relator Marcos do Val em 09/03

    OUTRAS CATEGORIAS

    • Porte de armas

    Como é hoje

    Não possuem direito ao porte de armas

    Como pode ficar

    São duas emendas ao projeto. Uma concede porte de arma para para membros das procuradorias estaduais; para integrantes do Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente), designados para as atividades de fiscalização; auditores fiscais agropecuários e agentes de trânsito. Outra para agentes socioeducativos, defensores públicos, policiais de assembleias legislativas, oficiais de justiça e do Ministério Público, peritos criminais, membros do congresso nacional, auditores estaduais distritais, advogados públicos, auditores fiscais agropecuários

    Situação

    As duas emendas foram acatadas pelo relator Marcos do Val 

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