Projetos no Congresso e ações na Justiça tentam revogar normas presidenciais
Por Raquel Lopes (leia matéria completa publicada pela Folha de S. Paulo)
Parlamentares tentam barrar o plano armamentista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso e na Justiça.
Existem, atualmente, 73 PDLs (projetos de decretos legislativos) na Câmara e no Senado, 8 ações no STF (Supremo Tribunal Federal) e, ao menos, 4 na Justiça Federal com o objetivo de revogar normas presidenciais que facilitam o armamento ou afrouxam regras que beneficiam o setor bélico.
Procurado, o governo federal não se manifestou.
Desde quando foi eleito, Bolsonaro começou a publicar uma série de normas infralegais que não dependem da aprovação do Congresso. As medidas adotadas ampliam o acesso da população a armas e munições e, por outro lado, enfraquecem os mecanismos de controle e fiscalização de artigos bélicos.
Foram editados, desde o início do governo, ao menos sete decretos e duas portarias.
Uma delas, do Ministério da Defesa, revoga três normas que melhoravam o rastreamento de armas e munições no país.
A medida foi anunciada pelo presidente por meio das redes sociais e cumprida, no mesmo dia, em 17 de abril de 2020, pela pasta comandada por Fernando Azevedo e Silva.
A melhoria do rastreamento do material bélico comercializado no País era uma exigência do MPF (Ministério Público Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União), que encaminharam auditorias ao Exército informando sobre a fragilidade do sistema de controle.
Assim que as portarias foram revogadas, por determinação do presidente, uma ação foi apresentada na Justiça Federal com o objetivo de barrar a medida. O MPF se manifestou no caso.
A Folha teve acesso ao documento, apresentado pelo MPF em 2 de junho, na 14° Vara da Justiça Federal no Distrito Federal.
Na manifestação, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira diz que, com a revogação, determinada pelo presidente, “graves prejuízos são esperados à segurança pública com a ausência dos mecanismos de controle, rastreio, identificação e marcação de armas de fogo”.
A representante do MPF enfatiza ainda que está “plenamente demonstrada a ilegalidade praticada pelo Poder Executivo, (revogação de portarias sem demonstração de conveniência e oportunidade), bem assim a lesividade da conduta ao patrimônio público, à ordem e à segurança pública (ausência de mecanismos substitutivos de controle de armamentos e munições)”.
Em maio deste ano, a Justiça Federal em São Paulo já havia suspendido a portaria interministerial 1.634, que triplicou de 200 para 600 o limite de compra de cartuchos para quem tem arma de fogo registrada.
A norma foi assinada pelos ministros da Defesa, Fernando Azevedo, e o então ministro da Justiça, Sergio Moro. Na decisão que revogou a portaria, a Justiça apontou para possível fraude relacionada à publicação da norma.
Além do Judiciário, o Poder Legislativo tem mostrado interesse pelo tema. Há uma série de projetos de decretos legislativos em tramitação no Congresso propondo a invalidação das medidas do presidente.
Deputados e senadores já apresentaram 73 PDLs com o objetivo de sustar os efeitos de decretos sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e também das portarias sobre munições. O levantamento foi realizado pelo Instituto Sou da Paz e obtido com exclusividade pela Folha .
Sobre os decretos que flexibilizam o acesso a armas, foram apresentados 61 PDLs, 48 destes na Câmara e 13 no Senado. Em relação às portarias que ampliam o acesso a munições foram apresentados 12 projetos —10 na Câmara e 2 no Senado.
“Não é típico no Congresso Nacional ter tantos projetos com o mesmo tema. Sem dúvida mostra o quanto a sociedade, por seus representantes, busca brecar atitudes unilaterais que beneficia uma parcela ínfima da população, como atiradores e caçadores”, afirma Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Um dos deputados que apresentou PDLs nos últimos dois anos foi Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Para o congressista, é necessário barrar a corrida armamentista de Bolsonaro.
As novas políticas dificultam o trabalho da polícia e colocam em risco a sociedade, de acordo com o ele.
“No Brasil, somente 4% dos homicídios são esclarecidos, isso reduziria ainda mais o índice. O crime da juíza Patrícia Acioli só conseguiu ser desvendado porque foi possível identificar a munição”, disse.
Um dos trâmites do PDL é passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Parlamentares da oposição, no entanto, afirmam que isso deve implicar dificuldade na aprovação dos projetos, porque a maioria dos membros é composta pela ala bolsonarista. Dos 66 membros, a maioria das cadeiras é formada pelo PSL e partidos do chamado centrão.
O gerente de “advocacy” do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, defende que é preciso conter a política armamentista iniciada do governo. Segundo ele, há um consenso científico internacional sobre a relação direta entre o aumento da circulação de arma de fogo e a violência letal.
O Instituto Sou da Paz foi admitido como “amicus curiae” (amigo da corte, em latim) em duas ações no Supremo para auxiliar o Judiciário, oferecendo esclarecimentos, informações e dados técnicos sobre questões essenciais aos processos sobre decretos do governo.
“Nós enxergamos com muito temor essa cruzada armamentista, que se trata de uma obsessão de Jair Bolsonaro. Ele usa a arma de fogo como um modo de fazer política. Há interesses comerciais muito concretos e relevantes nesse tema, tem de ser observado quem está se beneficiando disso”, disse Angeli.