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    NOTÍCIAS

    Folha de S. Paulo | Pandemia favoreceu subnotificação de crimes sexuais cometidos contra crianças em SP

    18 de dezembro de 2020 às 04:44

    Segundo relatório, 83% das vítimas sofreram abuso dentro de casa

    Por Juliana Mesquita (leia a matéria completa publicada pela Folha de S. Paulo, mencionando o relatório “Análise das ocorrências de estupro de vulnerável no estado de São Paulo”, compilado pelo Instituto Sou da Paz, em parceria com o Ministério Público do Estado de São Paulo e Unicef)

    Aos sete anos, Aline (os nomes de personagens desta reportagem foram trocados) sofreu o primeiro abuso por parte de seu padrasto, dentro de casa.

    Ele se masturbava enquanto tocava as partes íntimas da menina e a forçava a receber sexo oral. O choro da enteada não o impedia. As ameaças constantes fizeram com que Aline se calasse por anos.

    Sua mãe, Nathália, só descobriu os abusos seis anos depois. Aos 13, Aline tentou se matar no banheiro da escola.

    Foi a escola, inclusive, a responsável pela denúncia. Após o episódio, a mãe foi chamada pelo Conselho Tutelar.

    Na pandemia, a história de Aline poderia ter sido ainda pior.

    Casos como esse são comuns no país. O isolamento devido à contenção do novo coronavírus, contudo, agravou o quadro de subnotificação dos estupros de vulnerável.

    É o que indica o relatório “Análise das ocorrências de estupro de vulnerável no estado de São Paulo”, produzido pelo Instituto Sou da Paz em parceria com o MPSP (Ministério Público de São Paulo)​ e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

    Segundo a lei, é considerada vulnerável criança de até 14 anos ou que possua alguma enfermidade ou deficiência mental; aquela que não tem o discernimento para prática do ato; ou que, por qualquer outra causa não possa oferecer resistência.

    De acordo com balanço do Disque 100, principal rede de denúncias do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, estão entre as violações mais frequentes a negligência (72,7%), a violência psicológica (48,8%), física (40,6%) e sexual (22,4%).

    O ex-marido de Nathália era considerado uma pessoa atenciosa, brincalhona. Era “um paizão para a minha filha”, conta. Eles estavam juntos havia oito anos e ninguém nunca tinha desconfiado dele. “Na época que a conselheira tutelar me chamou eu achei impossível, achei que alguém tinha inventado”.

    Ela então descobriu que Aline tinha confessado tudo ao pastor da escola em que estudava. “Eu falei que por ela e pelo irmão eu faria qualquer coisa, e que ela tinha que confiar em mim. Foi aí que ela me contou”.

    Nathália, que na época morava em São Paulo, fugiu com seus dois filhos para sua cidade natal, no Rio de Janeiro. Trabalhava como manicure, e foram as suas antigas clientes que a convenceram de voltar à capital paulista para registrar a denúncia.

    De lá para cá, um ano se passou. Aline tentou tirar a vida outras vezes.

    Para Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz e uma das responsáveis pela pesquisa, o relatório mostrou que a pandemia e o isolamento agravaram a subnotificação dos casos registrados “e contribuíram ainda mais para o silenciamento das vítimas”. Isso porque, muitas delas tiveram que respeitar o distanciamento social em casa com seus abusadores.

    A produção do relatório feita pelo Sou da Paz, o MPSP e o Unicef buscaram as ocorrências de estupro de vulnerável registradas pela Polícia Civil do estado de São Paulo entre janeiro de 2016 e junho de 2020.

    Segundo o documento, dos 5.071 estupros catalogados no primeiro semestre de 2020, 3.780 foram de vulnerável, o que corresponde a 75% de todas as ocorrências no período.

    Entre os anos de 2017 e 2019 percebeu-se tendência de crescimento dos crimes de estupro de vulnerável, que saltaram de 7.580 casos registrados para 9.217 – um aumento, em média, de 22%. Os registros de estupros, no entanto, decresceram no mesmo período. Passaram de 3.509 para 3.157 – uma diminuição, em média, de 10%.

    Porém, no primeiro semestre de 2020, ambos os registros sofreram queda, sobretudo a partir do mês de abril.

    “Esse comportamento impactou o primeiro semestre e resultou na variação negativa de 15% para ambos os tipos em relação ao mesmo período de 2019”, aponta o estudo.

    Quando se compara a evolução mensal dos casos, nota-se uma queda significativa de registros nos meses de abril (-36,5%) e de maio (-39,3%), e que em junho as ocorrências de estupro de vulnerável voltaram a crescer.

    O estudo ainda mostra que no segundo trimestre de 2020, 83% dos abusos ocorreram dentro de casa, valor 12% superior ao verificado no segundo trimestre de 2019 (71%).

    Martha Cabrera, psicóloga mestra em educação e saúde na infância e na adolescência pela UNIFESP, destaca que a criança pode demonstrar alguns sinais de que o abuso esteja acontecendo, como regressão em aspectos já superados, como xixi na cama, queda no rendimento escolar e alterações nos padrões de sono e apetite.

    “Porém, é importante enfatizar que é um dos tipos de violência mais difíceis de identificar, pois é cercada por uma série de tabus e nem sempre vem acompanhada de violência e ameaças – estas surgem quando a criança passa a compreender o que está acontecendo e recusa as investidas do agressor”.

    Uma vez identificado o abuso, é necessário acionar a rede de proteção ao vulnerável, que envolve o trabalho conjunto do Conselho Tutelar, a avaliação por um médico do estado físico da criança, além do acompanhamento psicológico para a vítima e para a família.

    “A literatura relata que esse tipo de violência afeta a autoestima da criança, pode impactar nos relacionamentos amorosos e existe a possibilidade de repetição como vítima ou perpetrador de situações de violência como essa”, ressalta Sabrina Pani, psicóloga especializada no atendimento infantil e doutora em psicologia escolar pela USP.

    Um ano após a denúncia, Nathália ainda espera por justiça para a filha. Ela conta que, até agora, o ex-marido não foi chamado pelas autoridades.

    “Eu quero justiça! Só eu sei o que estou passando com a minha filha, não é justo. Ele não pode mais fazer isso com filho de ninguém”.

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