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    Folha de S. Paulo | Dificuldade de rastreamento afeta metade do arsenal de armas no Brasil

    29 de julho de 2021 às 11:13

    Categoria que mais se armou sob Bolsonaro tem controle regido por sistema opaco do Exército

    Por Igor Gielow (leia a matéria completa publicada pelo jornal Folha de S. Paulo)

    O Brasil vive um virtual apagão de informações sobre cerca da metade do arsenal de armas de fogo registrado pelo governo federal.

    A dificuldade de acesso a órgãos de investigação e controle atinge armamento comprado por uma das categorias de cidadãos que mais aproveitou o incentivo dado pelo presidente Jair Bolsonaro ao setor, os chamados CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores).

    O presidente Bolsonaro durante visita a um estande de tiro no Rio de Janeiro
    O presidente Bolsonaro durante visita a um estande de tiro no Rio de Janeiro – Carolina Antunes – 24.set.2020/Presidência da República

    O nó é uma proverbial caixa-preta gerida pelo Exército, o Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas). Ele é 1 dos 2 instrumentos do governo para controlar o caminho de uma arma no mercado.

    Isso é essencial para evitar desvios para grupos como milícias ou traficantes, e para rastrear a origem de material apreendido.

    Segundo o decreto 5.123, de 2004, a Força deveria integrar a plataforma à da Polícia Federal, o Sinarm (Sistema Nacional de Armas), que é acessível a policiais e outras autoridades.

    Só que isso nunca aconteceu e, agora, um questionamento da ONG Instituto Sou da Paz mostra que a chave desse cofre segue na mão dos militares.

    O Sigma registrou 1.157.476 armas em 2020. É um dado subestimado, pois não conta com os registros das armas funcionais das Forças Armadas. Já o Sinarm tem o restantes do arsenal oficial, 1.279.495 entradas, de cidadãos, policiais e guardas civis, seguranças e outros.

    O grosso registrado no Sigma é de armas de policiais militares, 510.636, e dos CACs, 561.331 pistolas, revólveres, fuzis, carabinas e afins. Esse último grupo é o que preocupa especialistas do setor, pelo crescimento justamente sob a opacidade oficial.

    “É muito difícil acompanhar as armas. A falta de acesso ao sistema no é um grave obstáculo, são poucos delegados que vão se dispor a mandar um ofício”, afirma o gerente de projetos do Sou da Paz, Bruno Langeani.

    Os CACs são a mais polêmica das categorias que vêm se beneficiando dos sucessivos decretos de flexibilização de aquisição de armas e munições editados por Bolsonaro, tendo acesso inclusive a calibres mais poderosos.

    Tudo isso segue o histórico do presidente e promessas de campanha, amparadas na criticada ideia de que “povo armado jamais será escravizado”, enunciada na infame reunião ministerial de 22 de abril do ano passado.

    De 2019 a 2020, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de CACs com registros saltou 43%, para 287 mil pessoas. As armas na mão do grupo também subiram no período em 29,6%.

    Já os registros ativos de armas nas mãos de cidadãos deu um pulo semelhante, de 41%, chegando a 526.789 no ano passado. Só que esses dados estão no Sinarm, da PF, que são acessíveis em detalhes.

    Ao longo dos anos, o Exército sempre foi reticente em relação ao tema. Em 2011, o Ministério Público Federal abriu uma ação para obrigar a integração de sistemas, mas pediu seu arquivamento após a Força aceitar fornecer 60 senhas pelo país.

    Depois disso, a prática seguiu pontualmente: quando um delegado ou procurador precisava de dados, digamos, de uma arma usada em um crime, precisava pedir diretamente na mais próxima Região Militar.

    Segundo Langeani, mesmo isso tem sido soluçante agora. O Sou da Paz pediu, em 2018, informações sobre o tema por meio da Lei de Acesso à Informação.

    O Exército disse que “o Sigma é um sistema antigo, que por questões de segurança foi desenvolvido em uma plataforma de alto grau de complexidade e de difícil configuração, com poucos profissionais habilitados em sua linguagem, o que dificulta a integração com o Sinarm, ocasionando demora nesse processo”.

    Isso foi quase 14 anos depois do decreto. “Todo cuidado está sendo tomado no sentido de viabilizar a integração entre os sistemas com o desenvolvimento de uma plataforma amigável”, completou a Força.Pouco mais de dois anos depois, sob o impacto do relaxamento do controle de arma sob Bolsonaro, a ONG voltou à carga.

    “A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados informou que atualmente não existe nenhuma instituição da federação com acesso ao Sigma. Entretanto, cabe ressaltar que está em tratativa termo de cooperação entre o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça e Segurança Pública para o compartilhamento de dados do Sigma e do Sinarm”, disse a resposta de 6 de julho passado.

    A Folha questionou a Força sobre o andamento das tratativas em questão, e foi informada de que a minuta de portaria de integração está no ministério, “para avaliação e posterior retorno ao Exército para a conclusão do processo”. Procurada, pasta disse que a análise ainda está em curso.

    Segundo o diretor da Desarme (Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos) da Polícia Civil do Rio, Gustavo Rodrigues, a dificuldade maior da falta de integração é “conseguir traçar um panorama da origem/rota de armas apreendidas”.

    Ele diz não ter problemas em obter dados, quando solicita, da Região Militar fluminense. “A falta de compreensão e análise global é um problema cultural, sistêmico”, disse, negando ser apenas do Exército ou da polícia.

    “A falta de senha de acesso ao Sigma, ou outro sistema, isoladamente não gera prejuízo efetivo às investigações criminais. Contudo, a ausência de uma estrutura integrada para análise atrasa a compreensão do fenômeno do tráfico/comércio ilegal de armas de fogo e munições”, afirmou.

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