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    Extra | Milícia mata desafetos no Rio com munição paga pelo Estado

    20 de maio de 2021 às 12:05

    Por Rafael Soares (leia o texto original publicado pelo Extra)

    Controle de munição em batalhão de São Gonçalo era feito com giz
    Controle de munição em batalhão de São Gonçalo era feito com giz Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro

    Munição comprada pelas polícias do Rio e do Ceará, pela Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pelo Exército foi usada pela milícia para matar desafetos no Estado do Rio. Cartuchos adquiridos pelas corporações foram apreendidos em locais de crime de dez homicídios cometidos por grupos paramilitares entre 2017 e 2020 na Região Metropolitana do Rio.

    Também foram encontrados projéteis adquiridos pela Polícia Federal, pela Aeronáutica e pela Polícia Civil de São Paulo durante operações policiais que descobriram locais usados como paióis pelas milícias. Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo EXTRA em parceria com o Instituto Sou da Paz que, ontem, revelou que cartuchos comprados por forças de segurança foram usados em pelo menos 23 ações criminosas que culminaram nas mortes de 83 pessoas em oito estados brasileiros, de 2010 a 2020.

    Quatro dos assassinatos cometidos pela milícia com o uso de munição comprada com dinheiro público aconteceram em Itaboraí. Um deles teve como vítima Rodrigo Menezes de Carvalho, de 35 anos, que era dono de uma lanchonete na cidade. Na madrugada de 14 de janeiro de 2019, ele estava voltando para casa de moto com a mulher e os dois filhos do casal, de 5 e 6 anos, quando a família passou a ser perseguida por um carro preto. O veículo tocou numa das rodas da moto, derrubando a família. Um homem encapuzado saiu do carro, tirou os filhos de cima de Rodrigo e o executou com vários disparos.

    No local do crime, agentes da Delegacia de Homicídios (DH) encontraram cartuchos de três lotes comprados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Ceará. Dois deles tinham como destino a Academia de Segurança Pública (Aesp), responsável pela formação e treinamento de policiais militares, civis e bombeiros do estado. No ano passado, dois instrutores desta academia desviaram lotes que foram usados numa chacina em Quiterianópolis (CE).

    A polícia ainda não sabe como a munição comprada no Ceará chegou a Itaboraí. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado nordestino, há sindicâncias abertas que apuram “informação acerca de desvios de munições da Aesp”. Segundo a SSP, quatro policiais militares foram presos pelos desvios que culminaram na chacina de Quiterianópolis “após investigações conduzidas por uma comissão composta por duas delegacias e três departamentos da Polícia Civil”.

    Projéteis da PM fluminense

    Munição da PM do Rio foi encontrada nos locais de crime de oito dos dez assassinatos cometidos por milicianos identificados pelo levantamento do EXTRA com o Instituto Sou da Paz. Nesses crimes, os paramilitares usaram 12 projéteis de nove lotes adquiridos pela corporação.

    Segundo os peritos que analisaram os cartuchos, seis têm características de munição original — ou seja, desviada diretamente dos paióis da PM para os criminosos. É o caso dos que foram coletados no local onde Joniel Silva de Souza Junior e Robson Lagoas Ribeiro foram mortos, também em Itaboraí, em junho de 2018. Um PM acusado de integrar a milícia local é réu pelos homicídios.

    Os outros seis cartuchos foram usados — provavelmente em treinamentos —, recarregados ilegalmente e repassados aos criminosos. Projéteis deste tipo foram encontrados no local onde o soldado da PM Luiz Carlos de Almeida da Silva Junior foi assassinado, em 10 de abril do ano passado, durante tiroteio entre milícias rivais que disputavam o controle de bairros de Belford Roxo, na Baixada Fluminense.

    Projéteis da PM do Rio também foram apreendidos durante operações em locais usados como paióis pela milícia. Em julho de 2019, a Polícia Civil descobriu que Osmar da Silva Gomes, o Tirso, apontado como maior matador da milícia de Itaboraí, tinha um verdadeiro arsenal, entre armas e munição, na casa onde morava.

    Anotações feitas com giz

    Na casa de Tirso, foram apreendidos, além de munição das forças de segurança do Ceará, projéteis do lote BRH49, comprado pela PM do Rio. O desvio de cartuchos com essa marcação já havia sido descoberto em 2011, na investigação do homicídio da juíza Patrícia Acioli, em Niterói: munição desse lote foi achada em buscas na casa de dois PMs que acabaram condenados pelo crime. A PM disse que “há inquéritos instaurados na corregedoria para apurar possíveis desvios de munição”.

    A investigação do crime também revelou o descontrole na gestão de munição do batalhão de São Gonçalo. Perícia feita na unidade descobriu que o controle dos lotes era feito em um quadro negro, com giz. Atualmente, 11 PMs da unidade estão condenados pelo homicídio da juíza.

    Já em fevereiro de 2020, agentes da Delegacia de Homicídios da Baixada encontraram, no apartamento de Carlos Luciano Soares da Silva, o Macaco Louco, acusado de chefiar a milícia de Queimados, 114 cartuchos de 11 lotes que haviam sido adquiridos pela Polícia Federal e distribuídos para unidades da corporação no Rio, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em Brasília. No local, os agentes também apreenderam munição da Aeronáutica e da PRF.

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