Após três anos e meio, gestão foi marcada por graves retrocessos e se distanciou da promoção de uma segurança pública democrática e efetiva
Na avaliação do Sou da Paz, nos três anos e meio de governo entre janeiro de 2019 e junho de 2022, a gestão federal na área da segurança foi marcada por graves retrocessos e ficou muito distante da promoção de uma segurança pública democrática e efetiva. Ao contrário, o governo Bolsonaro investiu em medidas de centralização do poder que resultaram em ingerências no funcionamento das instituições, contrariando sua finalidade pública.
E em vez de priorizar a implementação de um programa nacional de enfrentamento e prevenção da criminalidade e da violência, o governo empenhou esforço no desmantelamento da política de controle de armas. Por meio de dezenas de decretos e outras, anulou, na canetada, avanços alcançados desde 2003 com o Estatuto do Desarmamento e gerou o aumento exponencial da circulação de armas no país.
Como parte do trabalho de monitoramento da política nacional de segurança pública em seus diferentes aspectos e de fomento a um debate público transparente e qualificado no campo, o Instituto Sou da Paz mapeou as medidas ligadas à segurança pública adotadas pelo Governo Federal em três anos e meio de mandato. Para compor o “Balanço da segurança pública do Governo Federal – Uma análise dos três anos e meio da política de segurança”, que está sendo lançado nesta terça-feira (8), o Instituto Sou da Paz realizou um levantamento e sistematizou as iniciativas de segurança pública lançadas pelo Executivo federal, especialmente as formalizadas no Diário Oficial da União, tais como projetos, programas, ações e medidas normativas, entre 2019 e junho de 2022.
“A atuação federal no campo da segurança tem um papel fundamental não só na garantia da ordem pública e na indução de políticas junto às unidades federativas, mas também na afirmação do Estado de Direito”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “Com o término do mandato federal iniciado em 2019, é fundamental avaliar as políticas de segurança promovidas e seu compromisso com a democracia e com a implementação de práticas que tenham resultados reconhecidos e efetivos na prevenção da violência e no enfrentamento da criminalidade. O balanço não sinalizou nessa direção, ao contrário”, avalia.
O Instituto Sou da Paz identificou que a política de segurança pública do governo Federal foi focada nos seguintes eixos:
Desmantelamento da política de controle de armas
Em vez de priorizar a implementação de um programa nacional de enfrentamento e prevenção da criminalidade e da violência, o governo empenhou todo seu esforço no desmantelamento da política de controle de armas. Por meio de dezenas de decretos e outras normas que partiram do poder da caneta do executivo, anulou avanços alcançados desde 2003 com o Estatuto do Desarmamento e gerou o aumento da circulação de armas no país: o crescimento foi de 78% no número de armas registradas no país entre 2018 e 2021, chegando a 2,3 milhões de armas; mais de um milhão de armas nas mãos de CACs, que tiveram mais acesso a armamentos pesados, como fuzis; explosão da venda de munições, chegando a quase 1 bilhão de munições comercializadas entre 2019 e junho de 2022.
Ações pontuais e ausência de uma política nacional de segurança pública
Se alguns projetos representaram avanços, como a implementação da Rede de Centros Integrados de Inteligência de Segurança Pública, que estabeleceu centros regionais no país com vistas à integração entre agentes estaduais e federais, assim como a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos e o Sistema Nacional de Análise Balística, que constituem importantes apoios na estrutura e interligação das perícias estaduais, não houve sucesso na implementação de uma política nacional de prevenção e enfrentamento da criminalidade violenta.
O Programa Nacional de Enfrentamento à Criminalidade Violenta – Em Frente Brasil teve início com um projeto-piloto aplicado em cinco municípios com objetivo de ampliação e implementação em um grupo de 120 municípios prioritários em relação às taxas de letalidade violenta. Embora baseado em boas referências e reconhecido positivamente por especialistas como iniciativa promissora, não avançou como o programa nacional e se perdeu entre as trocas de titulares do Ministério da Justiça e Segurança Pública, atestando o fracasso de uma política nacional de prevenção e enfrentamento da criminalidade violenta, embora este seja um objetivo estratégico da Política Nacional de Segurança Pública.
Baixo esforço no enfrentamento e prevenção da violência contra a mulher
A despeito do lançamento de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio já ao final de 2021, o projeto lançado pelo governo federal no início do mandato (Projeto de Prevenção da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher-ProMulher) não dispõe de resultados sobre sua efetividade. Ainda, no orçamento do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), os gasto com medidas de enfrentamento da violência contra a mulher representaram apenas 0,01% do orçamento total nos anos de 2020 e 2021.
Ingerência política nas instituições
O governo Bolsonaro investiu em medidas de centralização do poder que resultaram em ingerências no funcionamento das instituições, contrariando sua finalidade pública. Partindo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, destaca-se desde logo a instrumentalização da atividade de inteligência para monitoramento de policiais e de professores universitários identificados como integrantes de um movimento de oposição ao governo (que resultou no “Dossiê Antifascista”). Uma vez público, o ato configurou desvio de finalidade, foi suspenso e julgado inconstitucional pelo STF. Outro exemplo é a interferência na Polícia Federal, que em três anos teve cinco mudanças em sua direção geral e sofreu ingerências, questionadas na Justiça, em seu trabalho de investigação. Em pronunciamento ao pedir demissão do Ministério da Justiça, o ex-ministro Sergio Moro afirmou que Bolsonaro teria tentado interferir politicamente na Polícia Federal.Há exemplos também relativos à mudança de finalidade da atuação da Polícia Rodoviária Federal e de ingerência no Departamento de Produtos Controlados do Exército, responsável pelo controle de armas e munições.