Radiografia das forças policiais detectou redução de quadros e deficiências em funções essenciais
Editorial publicado pelo o Globo (clique aqui para acessar texto original) a publicação utiliza dados da 6ª edição do Onde Mora a Impunidade, pesquisa do Instituto Sou da Paz
O Brasil tem dois policiais para cada grupo de mil habitantes, revelou o estudo “Raio X das Forças de Segurança Pública”, uma radiografia das polícias Militar, Civil e Guardas Municipais feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Não é um número muito distante dos índices nos Estados Unidos, que oscilam entre 1,8 e 2,6 dependendo do estado, segundo a Associação Internacional de Chefes de Polícia. As polícias brasileiras, porém, enfrentam dificuldades próprias.
Entre 2019 e 2022, houve aumento de 23,5% no número de Guardas Municipais (de 1.188 para 1.467, num país com 5.570 municípios). Mas a reação de prefeitos para suprir as limitações estaduais no combate à violência tem sido incapaz de compensar as deficiências das PMs e Polícias Civis. Tem havido perda substancial nos efetivos dedicados ao policiamento, atividade em que a mão de obra é fundamental para o êxito.
Mesmo nas Guardas Municipais, houve diminuição de 4,3% nos quadros, apesar do aumento dos municípios com força policial própria. Nas PMs, responsáveis pelo policiamento ostensivo, a redução entre 2013 e 2023 foi de 6,8%. Nas Polícias Civis, de 2%. Há mais de 30% de vagas abertas nas duas polícias. Isso significa que faltam 180 mil PMs e 57 mil agentes civis.
Apesar de haver menos PMs nas ruas, as corporações continuam a ceder policiais a Tribunais de Justiça, Tribunais de Contas, Assembleias Legislativas e Ministérios Públicos. Sem considerar São Paulo, Piauí, Alagoas e Roraima, que não cederam essas informações ao estudo, havia 11.336 PMs fora de suas funções em 2022, quase o equivalente a toda a PM do estado de Mato Grosso. Só no Rio, onde essa prática é frequente há muito tempo, eram 2.621, o maior contingente entre os estado.
Ainda que a perda de efetivo traga desafios significativos, se as polícias operassem com integração e razoável base técnica e tecnológica, é provável que a população não apontasse a insegurança entre seus principais problemas. O levantamento do FBSP revela a indigência, em boa parte do país, da “polícia técnica”. Nem todos os estados têm todas as especialidades de peritos necessárias à investigação de crimes. Mato Grosso do Sul e Paraná não têm médicos legistas. Acre, Amazonas, Piauí, Ceará, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Minas Gerais não contam com papiloscopistas, especializados em colher indícios como impressões digitais.
Tudo isso resulta na baixa resolução de crimes. O Instituto Sou da Paz obteve informações de 18 estados e constatou que apenas 33% dos homicídios cometidos em 2020 e 35% dos perpetrados em 2021 alcançaram algum nível de esclarecimento. A mensagem enviada à sociedade é de impunidade e incentivo ao crime.
É indiscutível que o aparato policial dos estados precisa ser repensado e reforçado. Não se deve menosprezar a importância da redução de efetivos das polícias. Mas não basta contratar. É preciso também repensar a forma de operação das polícias, para que se tornem cada vez mais integradas, no espírito do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), até hoje no papel. Sem isso, será mais difícil, e talvez não se consiga, melhorar a qualidade das operações policiais como o país exige e necessita.