Dentre os inúmeros processos diplomáticos que se desenrolam este mês nos agitados corredores e plenários da ONU em Nova York, talvez o que mais chame a atenção é o chamado “ATT”. O Tratado de Controle sobre o Comércio de Armas (conhecido por suas siglas em inglês para “Arms Trade Treaty”) visa estabelecer regras internacionais para a transferência de armas entre países – comércio que hoje, inacreditavelmente, ocorre sem nenhum tipo de controle. A atenção é mais do que merecida: além das enormes repercussões políticas e econômicas do eventual Tratado, o comércio desenfreado de armas tem efeitos humanitários catastróficos.
O descontrole contribui para as estimadas duas mil mortes à bala por dia ao redor do mundo, seja em conflitos na África ou nas ruas dos grandes centros urbanos da América Latina. Por isso, a sociedade civil global reunida na campanha Control Arms – que o Instituto Sou da Paz coordena no Brasil – está neste momento presente em peso na ONU, pedindo que os governos tomem as medidas necessárias para proibir transferências irresponsáveis de armas, que hoje facilmente caem em mãos erradas, logo sujas de sangue alheio.
Desde que “entrou” oficialmente na ONU em 2006, com o voto de 153 países a favor de iniciar as discussões, o ATT tem recebido níveis de apoio estratosféricos: mais de 100 países enviaram suas posições sobre o Tratado em 2007 para o Secretário Geral da ONU (o recorde anterior neste tipo de consulta era dez vezes menor) e em 2008 quase 150 votaram a favor da resolução que abriu as discussões a todos os países membro. Esta semana, provavelmente na quinta-feira, será votada a resolução de 2009 acerca do Tratado, apresentada como nos outros anos por Argentina, Austrália, Costa Rica, Finlândia, Japão, Quênia e Reino Unido.
A grande novidade: se aprovada no voto, a resolução determina que já em 2010 comecem as negociações de fato para elaborar o ATT, que seriam concluídas em uma conferência diplomática em 2012. Ou seja, estamos chegando na reta final e já se vislumbra a linha de chegada da maratona. Mais uma vez, o apoio ao Tratado deve ser maciço, mas uma dúvida paira no ar: a maioria dos países aceitará o “preço” da adesão dos Estados Unidos ao processo? Os EUA, maior produtor e exportador de armas do mundo, determinou em recente “press release” da própria Hillary Clinton que só participará se as decisões em 2012 forem tomadas por “consenso”. Resta saber se a maioria dos países está de acordo…
Quanto à posição do governo brasileiro, esperamos que continue na crescente de apoio dos últimos anos, e que o Brasil chegue nas negociações como líder de questões que – inseridas no texto do ATT – venham realmente a salvar vidas, como a inclusão de todos os tipos de armamentos e a necessidade de respeito do “cliente” aos direitos humanos de sua população para que uma venda possa ser efetuada. O ATT é essencial para o Brasil não só por tratar de armas que muitas vezes são vendidas à quem não consegue evitar que cheguem nas mãos de bandidos que derrubam helicópteros e matam crianças, mas também por que nosso país é o segundo maior exportador de armas do continente, após a terra do Tio Sam. Essas vendas também devem respeitar regras internacionais claras para que não venham eventualmente resultar no fortalecimento de governos tirânicos, grupos terroristas ou criminosos organizados em outras terras.
Para muitos países, até agora foi relativamente fácil manter a retórica de apoio ao ATT sem “meter a mão na massa”; agora chegou a hora de separar o joio do trigo. Ou seja, chegou o momento de mostrar claramente, como cantava o “rei” destas bandas onde nem Roberto Carlos nem Pelé são majestade: “a little less conversation, a little more action”. O mundo não pode esperar.
Daniel Mack é coordenador da área de controle de armas do Instituto Sou da Paz