A Agenda Segurança Pública é Solução 2022 traça um plano para o próximo governo federal, desenvolvido pelo Instituto Igarapé e o Instituto Sou da Paz
Dois desafios serão centrais após as eleições de 2022: colocar em prática medidas que garantam um caminho mais seguro para o futuro do país e reverter os retrocessos que afetaram principalmente os mais pobres e grupos minoritários. Encarar essas realidades é inadiável para fortalecer nossa segurança e nossa democracia.
O governo federal tem um papel fundamental na orientação, coordenação e financiamento das políticas de segurança pública, em articulação com estados e municípios, e também na execução de políticas que estão sob sua competência. Ao longo dos últimos anos, porém, retrocedemos nessas questões e especialmente no controle de armas e munições.
Além de ir na contramão das evidências sobre os impactos negativos da facilitação do acesso a armas de fogo e munições, incluindo a armas que antes eram de uso restrito às forças de segurança, a política armamentista em curso ignora o que quer a população brasileira. De acordo com a pesquisa de opinião encomendada pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, realizada pelo Datafolha em junho de 2022, 83% da população brasileira acredita que só profissionais da segurança devem poder andar armados nas ruas. Para 63% dos brasileiros e brasileiras, pessoas comuns não deveriam poder comprar armas iguais ou mais potentes que as armas das polícias, como os fuzis.
A pesquisa mostra ainda que 61% concordam que pessoas comuns só deveriam comprar uma arma com justificativa, 71% defendem um limite para quantidade de armas, sendo que 63% acreditam que cidadãos comuns habilitados deveriam ter no máximo duas armas. A maioria da população, representada por 60% dos entrevistados, diz que se sente menos segura sabendo que há pessoas comuns armadas ao seu redor, com alcance mais amplo entre as mulheres e na região Sul.
“O presidente eleito precisa implementar uma agenda de segurança pública que priorize a redução dos crimes violentos, dos crimes ambientais e do crime organizado, incluindo a corrupção. Para tal, precisa recompor a capacidade do Estado de exercer o controle responsável de armas e munições, reforçar a atuação constitucional das polícias, investir com estados e municípios na prevenção focalizada da violência, e enfrentar os desafios do sistema prisional”, diz Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé. “Como demonstram os dados da pesquisa de opinião, a população brasileira sabe que mais armas em circulação não tornam nosso país mais seguro”, acrescenta.
A insegurança é também jurídica. Ao instaurar a facilitação do acesso às armas por portarias, resoluções e decretos, o governo atual criou um caos normativo e dificultou a fiscalização dos arsenais em circulação por parte das polícias estaduais. Enquanto isso, o país viu aumentar a impunidade, com a queda do índice de esclarecimento de homicídios, que faz como vitimas principalmente seus homens jovens e negros. Em 2022, 37% dos assassinatos tiveram os autores identificados, índice 6% menor que o calculado em 2021.
“O próximo governo precisará ser capaz de construir uma agenda de futuro para a segurança pública no Brasil. Em primeiro lugar, terá que revogar todos os retrocessos e reconstruir uma política de controle responsável de armas que garanta a segurança de todas as pessoas e não seja baseada numa lógica de defesa individual. Será preciso também priorizar a redução da impunidade dos homicídios e a construção de uma agenda positiva de desenvolvimento para as polícias do país, sempre dialogando com questões como a distribuição desigual racial dos homicídios e as questões territoriais, com foco na Amazônia, por exemplo”, diz Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz.
Diante desse cenário difícil, a Agenda Segurança Pública é Solução 2022, elaborada pelos institutos Sou da Paz e Igarapé, destaca 5 medidas urgentes para a reversão do descontrole armado no país e apresenta também 5 eixos de ação prioritários para candidatos e candidatas efetivamente comprometidos com a redução das várias formas de violência que afetam a vida de milhares de brasileiros e brasileiras.
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Como reverter o descontrole armado no país?
A próxima gestão federal precisa assumir o compromisso de reverter os atos normativos que vão na contramão da atual legislação de controle de armas e munições no país. Também é urgente reorientar a política para o fortalecimento das capacidades de controle e fiscalização estatais, do enfrentamento do tráfico de armas e munições e da redução da violência armada.
Proposta 1 – Revogação da política armamentista:
(i) revogar os decretos, portarias e outras normas editadas ao longo dos últimos anos que banalizaram o acesso a armas e munições;
(ii) substituí-los por normas que recomponham uma política de controle responsável de armas e munições no país, orientada pela redução dos riscos de violência armada e pelo enfrentamento do tráfico de armas e munições.
Proposta 2 – Porte de armas apenas para profissionais de segurança e defesa:
(i) respeitar a excepcionalidade do porte de armas prevista em lei, mantendo o porte apenas para os profissionais de segurança, defesa e aos casos excepcionais avaliados pela Polícia Federal;
(ii) colocar fim ao porte camuflado (porte de trânsito) concedido para categorias como caçadores, atiradores e colecionadores desportivos.
Proposta 3 – Armas mais potentes apenas nas mãos da polícia e marcação em todas as munições:
(i) retomar o parâmetro vigente até 2018 para armas de calibre restrito, reduzindo o acesso de civis a armas de guerra, em especial os fuzis semiautomáticos;
(ii) garantir a marcação de todas as munições comercializadas no país.
Proposta 4 – Exigir a efetiva necessidade e limites máximos de compra readequados para civis:
(i) retomar a exigência legal de demonstração de efetiva necessidade para compra de armas de fogo, bem como os limites de compra de armas e munições vigentes antes das alterações realizadas a partir de 2019.
Proposta 5 – Reverter o descaso com os sistemas de registro de armas comercializadas e adquiridas no país:
(i) assegurar a atualização e confiabilidade dos bancos de dados de fabricação, comércio e registro de armas e munições no país;
(ii) garantir a integração dos principais sistemas de registro de armas, o SINARM (Polícia Federal) e o SIGMA (Exército);
(iii) garantir mecanismos rápidos e eficientes de acesso aos bancos de dados de armas (SIGMA/SISNAR e SINARM) aos policiais via INFOSEG, garantindo a policiais militares e rodoviários meios de fiscalização, e à polícia judiciária (civil e federal) meios para realizar rastreamento e investigação de crimes envolvendo armas de fogo;
(iv) desenvolver sistemas próprios para o controle da fabricação e venda de armas e munições (substituindo o Sistema de Controle Fabril de Armas – SICOFA e Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições – SICOVEM desenvolvidos pela própria indústria de armas) com acesso direto das polícias judiciárias (Polícias Civis e Polícia Federal).
O que mais precisamos para garantir a segurança pública como um direito fundamental de toda cidadã e todo cidadão?
Além do restabelecimento de uma política de controle de armas e munições responsável e baseada em evidências, apresentamos outros 5 eixos de ação prioritários para candidatos e candidatas efetivamente comprometidos com a redução das diferentes formas de violência que afetam milhares de brasileiros e brasileira. Esses eixos devem considerar a profunda desigualdade e injustiça que definem o acesso a direitos por grupos racializados e minorizados. É imprescindível priorizar o enfrentamento ao racismo, à violência de gênero, à discriminação da população LGBTQIA+ e avançar na proteção integral de crianças e adolescentes, bem como dos povos originários e comunidades tradicionais.
Proposta 6. Enfrentar a impunidade dos crimes contra a vida:
(i) priorizar a redução dos homicídios, preservando a vida;
(ii) criar um indicador nacional de esclarecimento de homicídios;
(iii) orientar a oferta de recursos públicos federais de acordo com metas de redução de homicídios.
Proposta 7. Enfrentamento ao crime organizado:
(i) racionalizar o sistema prisional brasileiro, reduzindo a alta taxa de detentos provisórios que cumprem pena sem uma sentença definitiva;
(ii) fortalecer as agências reguladoras e as capacidades de estados e municípios na regulação de prestação de serviços para redução do poderio econômico do crime organizado associado ao controle territorial;
(iii) cessar as privações e violações contra a população prisional que, contribuem, em grande medida, para o fortalecimento do controle do sistema prisional pelas facções criminosas;
(iv) reorientar a política de drogas para ajudar o usuário problemático, retirá-lo da esfera criminal, estabelecer critérios objetivos de diferenciação entre usuários e traficantes e facilitar o acesso à cannabis medicinal;
(v) assegurar mecanismos de ressocialização e reinserção de presos e egressos para que seja quebrado o vínculo entre apenados e as facções criminosas que controlam o sistema prisional.
Proposta 8. Fortalecimento de corporações policiais democráticas e orientadas à prestação de serviços à comunidade:
(i) orientar a atividade policial à proteção das pessoas e à prestação de serviços à comunidade;
(ii) garantir a valorização do trabalhador policial, a partir da proteção e garantia de direitos e de condições apropriadas de trabalho, com destaque ao fortalecimento dos programas de atenção da saúde física e mental;
(iii) modernizar a legislação que regulamenta as corporações policiais;
(v) aprimorar e fortalecer mecanismos de controle externo da atividade policial, incluindo a implementação de mecanismos de controle do uso da força;
(iv) enfrentar os processos de politização e de instrumentalização política das corporações policiais.
Proposta 9. Prevenção da violência, com prioridade máxima a grupos racializados e minorizados:
(i) garantir o acesso à educação pública, articulando com estados e municípios a implementação de programas de busca ativa contra o abandono e evasão escolares, agravados pela pandemia;
(ii) promover, em coordenação com estados e municípios, programas de inclusão no mercado de trabalho e de geração de renda;
(iii) garantir a priorização dos grupos sociais que são mais afetados por diferentes formas de violência no país: população negra, mulheres, crianças e adolescentes, população LGBTQIA+, povos originários e comunidades tradicionais, pessoas em situação de rua e demais grupos em risco biopsicossocial.
Proposta 10. Proteção da Amazônia e de suas populações:
(i) enfrentar o ecossistema de crimes e ilícitos ambientais e a crescente violência na Amazônia;
(ii) garantir a proteção dos direitos fundamentais das populações na região.
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