Criar novos crimes e aumentar pena para crimes tipificados permanece a principal aposta do Congresso para reduzir a violência no país, o que se mostra ineficaz ano após ano
Como se deu a atuação legislativa sobre segurança pública no ano marcado pela pandemia da Covid-19? Quem foram os principais propositores? Considerando o aumento em 950% em 10 anos de parlamentares oriundos das forças de segurança eleitos em 2018 e atuando atualmente, quais têm sido as soluções apresentadas por eles para o crônico problema da violência no país? Pelo 6º ano consecutivo, o Instituto Sou da Paz se debruçou sobre os projetos pautados na Câmara e do Senado em temas de segurança pública e justiça criminal a fim de monitorar a atividade parlamentar na área e lança a pesquisa “O Papel do Legislativo na Segurança Pública”.
Juntas, as duas casas apresentaram 958 projetos de lei sobre segurança pública. Na Câmara dos Deputados foram identificados 4566 PLs propostos em 2020, sendo que 835 tratavam de segurança pública. No Senado, foram 1120 PLs, com 123 sobre o tema.
O aumento de pena e a criminalização de condutas continuam sendo as apostas principais tanto da Câmara quanto do Senado para a segurança pública, mesma receita identificada nos anos e legislaturas anteriores. Na Câmara, 24,5% dos projetos sobre segurança buscavam aumentar a pena de um crime já existente e 20,8% tinham por objetivo criminalizar uma conduta ainda não tipificada como crime. No Senado, 37,3% dos PLs de segurança pública buscam aumentar penas e outros 15,3% criminalizar condutas ainda não previstas no direito penal.
“A atuação do Congresso Nacional tem sido volumosa, porém pouco efetiva para a melhoria da segurança pública. O endurecimento penal, por exemplo, tem gerado uma população prisional fora de controle, berço de facções criminosas que comandam o crime do interior das prisões financiadas com o orçamento público”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Uma novidade de 2020 foi o maior número de PLs que tratam da violência contra a mulher, o que possivelmente foi impulsionado pela alta vulnerabilização das mulheres decorrente do isolamento social. Eles são a 3ª maior categoria de projetos de segurança pública na Câmara, com 10,8% dos PLs entre os que tratam do tema, enquanto no Senado são 10,2% dos PLs, sendo o quarto maior tema.
O surgimento da epidemia de Covid 19 também impactou nos projetos de segurança pública. Na Câmara dos Deputados, 24,3% dos PLs de segurança abordavam questões relativas à Covid 19. No Senado, 18,7% faziam o mesmo. O enfoque dos parlamentares ao abordarem a epidemia em seus impactos na segurança pública e justiça criminal também foi o do endurecimento penal. Na Câmara, 28,7% dos projetos que aumentavam a pena e 25,6% dos que criminalizavam condutas tratavam da Covid. No Senado, foram 31,8% entre os projetos que aumentam penas e 33,3% dos que criminalizam condutas que abordaram o tema da pandemia.
Atuação de ex-membros da forças de segurança
“Observamos também uma ampliação significativa da representação parlamentar de ex-policiais ou ex-militares, que muitas vezes se apropriam de um discurso populista para a segurança pública, além da defesa de pautas exclusivamente corporativistas, em detrimento de debates mais profundos e estruturantes para melhorar a segurança pública e o sistema de justiça do país”, analisa Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz.
Dos 42 deputados(as) ligados às forças de segurança, apenas nove não apresentaram nenhuma proposição sobre segurança pública e justiça criminal em 2020. Os outros 33 deputados(as), juntos(as), apresentaram 206 propostas. Ou seja, 6,4% dos deputado(as), todos ligados às forças de segurança, apresentaram 24,3% dos projetos de segurança pública em 2020.
No Senado Federal, são quatro parlamentares ligados às forças de segurança, que apresentaram, juntos, 28 projetos de lei, ou 22,7% do total de projetos apresentados, proporção semelhante à observada na Câmara.
Principais propositores
Entre os(as) 16 maiores propositores(as) na Câmara dos Deputados, em primeiro lugar, temos o deputado Alexandre Frota (PSDB/SP), que está no exercício de seu primeiro mandato eletivo. É curioso notar que o deputado não figurou entre os maiores propositores no ano anterior, tendo apresentado apenas uma proposta no campo da segurança pública e justiça criminal. Os outros dois deputados que vêm em seguida na lista são policiais militares. Se mantiveram como maiores propositores em relação a 2019 os deputados Capitão Alberto Neto, Guilherme Derrite, Rejane Dias, Célio Studart, (Cabo) Junio Amaral, Nereu Crispim e Coronel Tadeu.
Dentre os 10 maiores propositores no Senado, apenas os senadores Randolfe Rodrigues, Eduardo Girão e Izalci Lucas não figuraram também como maiores propositores em 2019. Os senadores ligados às forças de segurança e que também figuraram como maiores propositores são Fabiano Contarato (REDE/ES), Alessandro Vieira (CIDADANIA/SE) e Major Olímpio (PSL/SP), que faleceu em março deste ano, vítima da Covid-19. Marcos do Val (PODEMOS/ES) também está entre os principais propositores e, embora não seja policial, apresenta-se em trajes semelhantes a fardas e é instrutor de tiro para policiais.
Sobre a pesquisa
Desde 2015, o Instituto Sou da Paz se propõe a analisar a atuação do Congresso Nacional em relação a pautas de segurança pública e justiça criminal, buscando compreender como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal vêm atuando para fazer frente ao crônico problema de segurança pública enfrentado pelo país há mais de 30 anos.
As edições da pesquisa “O Papel do Legislativo na Segurança Pública: Análise da Atuação do Congresso Nacional” buscaram identificar tendências legislativas, quais foram os temas majoritariamente debatidos pelos parlamentares e os temas apreciados na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, quais soluções os(as) parlamentares buscam dar à insegurança enfrentada pela população, seja nas cidades ou no campo, quais leis sobre o tema entraram efetivamente em vigor e quem são os deputados federais e senadores que vêm liderando este debate.
Acesse as demais edições da pesquisa em: https://bit.ly/papellegislativo
Informações para a imprensa:
Izabelle Mundim e Rayane Figueiredo – imprensa@soudapaz.org