Antigo sistema de controle apresentou falhas graves em auditoria do TCU e era gerido pela empresa armamentista CBC, em claro conflito de interesses
Em 1º de janeiro entrou em funcionamento o novo SICOVEM – Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições, anunciado recentemente pelo Exército Brasileiro. O sistema era uma pendência desde outubro de 2006, quando sua implementação foi determinada pela Portaria do Ministério da Defesa nº 581/2006. Apesar do atraso de 18 anos, o Sou da Paz avalia este avanço como um marco significativo na busca por maior transparência e segurança na comercialização de munições no Brasil, impactando de forma importante a segurança pública ao dificultar o tráfico doméstico de munições que alimenta todas as formas de violência armada.
Até dezembro de 2024, o único sistema de registro de compras e vendas de munições existente estava a cargo da fábrica de munições CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos), em claro conflito de interesses por se tratar de uma empresa fiscalizada que o desenvolveu segundo critérios próprios, hospedou e o manteve sem qualquer contrato formal com o Exército ou a União.
Segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), esse sistema apresentava falhas graves, como a aceitação de dados irregulares e inconsistentes – incluindo CPFs falsos e registros de menores de idade. Essas brechas possibilitaram, por exemplo, a venda ilegal de mais de 2 milhões de munições durante o governo Bolsonaro, período com maior flexibilidade na compra de armas e ampliação dos limites de compras de munição.
Segundo o próprio Tribunal no relatório de auditoria:“A gestão do Sicovem pela CBC e as fragilidades identificadas nos controles dessa gestão implicam na inexistência de efetiva governança e gestão do Exército Brasileiro sobre o sistema, o que compromete a garantia de qualidade e de integridade dos dados nele contidos, com prejuízo à segurança da informação, diminuindo a credibilidade do sistema como fonte útil para o acompanhamento e a mensuração do desempenho da política pública por ele apoiada”.
A decisão do TCU, com base no item 9.1.2.3 do seu relatório de auditoria, obrigou o Comando do Exército a desenvolver um sistema próprio e substituir o falho sistema gerido pela CBC. O novo SICOVEM traz funcionalidades essenciais para um controle de qualidade, como:
- Consulta em tempo real de saldo e quantidade de munições compradas por proprietários de armas.
- Prevenção de fraudes cometidas por lojistas, que utilizavam registros de clientes reais para vender munições a terceiros.
- Maior controle e fiscalização sobre estoques e vendas de lojistas, com possibilidade de identificar irregularidades de maneira pró-ativa.
“O Instituto Sou da Paz celebra a notícia que representa uma nova fase com a possibilidade de controle efetivo do mercado de munições pelo Exército. Esperamos que o novo SICOVEM cumpra integralmente a Portaria 581, inclusive na concessão do acesso à Polícia Federal”, comenta Natália Pollachi, diretora de projetos do Sou da Paz. “Esperamos ainda que essa iniciativa mantenha seu ímpeto para também investigar e responsabilizar as irregularidades no mercado de munições já documentadas, assim como para a correção de outras deficiências apontadas na auditoria do TCU, como a suspensão de registros de pessoas em situação irregular, por exemplo, condenadas e em cumprimento de pena”, afirma.