Após vetar dois projetos de lei que concediam porte de armas de fogo a agentes penitenciários, a Presidência da República cedeu à pressão dos agentes, que acamparam por diversos meses diante do Congresso Nacional, e apresentou, em outubro de 2013, um projeto semelhante de sua própria autoria, com tramitação em regime de urgência constitucional.
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No último dia 26, esse projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, incluindo em seu texto uma emenda que estende aos guardas portuários o mesmo “benefício”. É importante ressaltar que os agentes já dispõem de porte de arma para o exercício de suas funções. O que o projeto estabelece é a possibilidade de porte irrestrito, ou seja, os agentes penitenciários e os guardas portuários poderão portar arma em qualquer lugar e a qualquer momento, e não apenas em serviço. Ao contrário das forças policiais, essas são categorias que não possuem treinamento adequado e não dispõem, em sua maioria, de mecanismos institucionais de controle, como corregedorias independentes, fundamentais para garantir o uso adequado da arma e a punição em caso de utilização indevida.
Ao propor esse projeto, o governo federal não apenas mostrou a fragilidade de suas convicções pela priorização da segurança pública em detrimento do armamento individual, mas também abriu um perigoso precedente para uma nova leva de projetos que procuram fragilizar o controle das armas de fogo no nosso país.
Com essa sinalização positiva, novos projetos de lei que facilitam o acesso a armas de fogo foram apresentados e outros já em tramitação voltaram à pauta. Um dos novos projetos, apresentado pelo deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), é uma verdadeira festa que concede porte a 25 categorias, como prefeitos, governadores e seus vices, advogados e residentes de áreas rurais, além de conceder porte em serviço a outras 11 categorias profissionais.
Outros três são do deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM/RS), cuja campanha eleitoral recebeu R$250.000 da indústria brasileira de armas. O deputado apresentou projetos que estendem a licença de porte para duas armas de fogo por pessoa, estabelecem a validade indeterminada do registro das armas de uso permitido e retiram a exigência de não estar respondendo a inquérito policial para obter o porte de arma, substituindo-a pela restrição apenas se houver condenação em sentença com trânsito em julgado por crime doloso contra a vida, qualificado como hediondo ou a este equiparado.
Além de Onyx, outros 27 congressistas eleitos em 2010 receberam doações da indústria brasileira de armas para suas campanhas (veja lista abaixo), totalizando um investimento de R$1,435 milhão no Poder Legislativo. Além desses vínculos formais, há muitos outros, como o deputado Jair Bolsonaro, que ainda acreditam na falácia de que o amplo acesso a armas de fogo pode trazer ganhos à segurança pública.
Muitos como ele ainda ignoram dados como o do relatório da ONU lançado na semana passada, que mostra que o Brasil concentra 10% de todos os homicídios cometidos no mundo e que 70% deles, representando 35 mil vidas, são cometidos com armas de fogo, em contraste com a média mundial de 40%. Armar a população apenas fortalecerá o ímpeto da segurança e justiça individual que temos visto nos últimos meses.
Muitos desses projetos têm como única referência técnica a própria indústria de armas. Os especialistas das instituições que lidam diariamente com o controle de armas, como o Exército, a Polícia Federal e as secretarias estaduais de segurança pública e suas polícias militares, civis e técnico-científicas, raramente são chamadas a opinar mesmo quando os projetos lhes dão uma série de novas atribuições. Não é possível considerar que se trate de um processo democrático e de uma discussão séria quando alterações dessa magnitude são propostas e aprovadas com base na intensa pressão de um pequeno grupo de interessados, sem um amplo debate com as instituições envolvidas e com a sociedade civil.
É responsabilidade do governo zelar pelo coletivo, por soluções duráveis e sempre pesar as consequências de longo prazo que o ímpeto passional popular por vezes perde de vista. Ter cedido a essa demanda, que apenas mascara os problemas de uma categoria que sofre com a falta de valorização e investimentos no sistema penitenciário como um todo, já está trazendo sérios riscos à segurança de toda a sociedade brasileira.
Projetos de lei citados nesta matéria:
PL 7282/2014, do deputado Jair Bolsonaro
PL 7283/2014, PL 7301/2014 e PL 7302/2014, do deputado Onyx Lorenzoni.
Congressistas que receberam financiamento da indústria brasileira de armas nas eleições de 2010:
Parlamentar | Valor da Doação | Doador | Partido | UF |
Deputados Federais | ||||
Abelardo Lupion | R$ 120.000 | ANIAM | DEM | PR |
Afonso Hamm | R$ 20.000 | ANIAM | PP | RS |
Alceu Moreira | R$ 20.000 | ANIAM | PMDB | RS |
Delegado Francischini | R$ 50.000 | Taurus Blindagem | PSDB | PR |
Eduardo Sciarra | R$ 20.000 | ANIAM | PSD | PR |
Enio Bacci | R$ 20.000 | ANIAM | PDT | RS |
Giovani Cherini | R$ 20.000 | ANIAM | PDT | RS |
Gonzaga Patriota | R$ 40.000 | ANIAM | PSB | PE |
Guilherme Campos | R$ 80.000 | ANIAM | PSD | SP |
Jerônimo Goergen | R$ 20.000 | ANIAM | PP | RS |
João Campos | R$ 40.000 | ANIAM | PSDB | GO |
José Otávio Germano | R$ 20.000 | ANIAM | PP | RS |
Lael Varella | R$ 50.000 | ANIAM | DEM | MG |
Luis Carlos Heinze | R$ 30.000 | ANIAM | PP | RS |
Marcos Montes | R$ 30.000 | ANIAM | PSD | MG |
Maurício Quintella Lessa | R$ 20.000 | ANIAM | PR | AL |
Moreira Mendes | R$ 90.000 | ANIAM | PSD | RO |
Nelson Marchezan Junior | R$ 10.000 | ANIAM | PSDB | RS |
Onyx Lorenzoni | R$ 250.000 | ANIAM e Taurus | DEM | RS |
Ronaldo Benedet | R$ 50.000 | Taurus Blindagem | PMDB | SC |
Sandro Mabel | R$ 160.000 | ANIAM | PR | GO |
Silvio Costa | R$ 30.000 | ANIAM | PTB | PE |
Vicentinho | R$ 20.000 | CBC | PT | SP |
Vieira da Cunha | R$ 20.000 | Taurus | PDT | RS |
Vilson Covatti | R$ 25.000 | Taurus | PP | RS |
Senadores | ||||
Ana Amélia de Lemos | R$ 50.000 | ANIAM | PP | RS |
Demóstenes Torres | R$ 30.000 | ANIAM | DEM | GO |
Requião | R$ 100.000 | Taurus Blindagem | PMDB | PR |