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    NOTÍCIAS

    Congresso põe em risco o controle de armas do Brasil

    15 de abril de 2014 às 03:21

    Após vetar dois projetos de lei que concediam porte de armas de fogo a agentes penitenciários, a Presidência da República cedeu à pressão dos agentes, que acamparam por diversos meses diante do Congresso Nacional, e apresentou, em outubro de 2013, um projeto semelhante de sua própria autoria, com tramitação em regime de urgência constitucional.

    No último dia 26, esse projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, incluindo em seu texto uma emenda que estende aos guardas portuários o mesmo “benefício”. É importante ressaltar que os agentes já dispõem de porte de arma para o exercício de suas funções. O que o projeto estabelece é a possibilidade de porte irrestrito, ou seja, os agentes penitenciários e os guardas portuários poderão portar arma em qualquer lugar e a qualquer momento, e não apenas em serviço. Ao contrário das forças policiais, essas são categorias que não possuem treinamento adequado e não dispõem, em sua maioria, de mecanismos institucionais de controle, como corregedorias independentes, fundamentais para garantir o uso adequado da arma e a punição em caso de utilização indevida.

    Ao propor esse projeto, o governo federal não apenas mostrou a fragilidade de suas convicções pela priorização da segurança pública em detrimento do armamento individual, mas também abriu um perigoso precedente para uma nova leva de projetos que procuram fragilizar o controle das armas de fogo no nosso país.

    Com essa sinalização positiva, novos projetos de lei que facilitam o acesso a armas de fogo foram apresentados e outros já em tramitação voltaram à pauta. Um dos novos projetos, apresentado pelo deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), é uma verdadeira festa que concede porte a 25 categorias, como prefeitos, governadores e seus vices, advogados e residentes de áreas rurais, além de conceder porte em serviço a outras 11 categorias profissionais.

    Outros três são do deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM/RS), cuja campanha eleitoral recebeu R$250.000 da indústria brasileira de armas. O deputado apresentou projetos que estendem a licença de porte para duas armas de fogo por pessoa, estabelecem a validade indeterminada do registro das armas de uso permitido e retiram a exigência de não estar respondendo a inquérito policial para obter o porte de arma, substituindo-a pela restrição apenas se houver condenação em sentença com trânsito em julgado por crime doloso contra a vida, qualificado como hediondo ou a este equiparado.

    Além de Onyx, outros 27 congressistas eleitos em 2010 receberam doações da indústria brasileira de armas para suas campanhas (veja lista abaixo), totalizando um investimento de R$1,435 milhão no Poder Legislativo. Além desses vínculos formais, há muitos outros, como o deputado Jair Bolsonaro, que ainda acreditam na falácia de que o amplo acesso a armas de fogo pode trazer ganhos à segurança pública.

    Muitos como ele ainda ignoram dados como o do relatório da ONU lançado na semana passada, que mostra que o Brasil concentra 10% de todos os homicídios cometidos no mundo e que 70% deles, representando 35 mil vidas, são cometidos com armas de fogo, em contraste com a média mundial de 40%. Armar a população apenas fortalecerá o ímpeto da segurança e justiça individual que temos visto nos últimos meses.

    Muitos desses projetos têm como única referência técnica a própria indústria de armas. Os especialistas das instituições que lidam diariamente com o controle de armas, como o Exército, a Polícia Federal e as secretarias estaduais de segurança pública e suas polícias militares, civis e técnico-científicas, raramente são chamadas a opinar mesmo quando os projetos lhes dão uma série de novas atribuições. Não é possível considerar que se trate de um processo democrático e de uma discussão séria quando alterações dessa magnitude são propostas e aprovadas com base na intensa pressão de um pequeno grupo de interessados, sem um amplo debate com as instituições envolvidas e com a sociedade civil.

    É responsabilidade do governo zelar pelo coletivo, por soluções duráveis e sempre pesar as consequências de longo prazo que o ímpeto passional popular por vezes perde de vista. Ter cedido a essa demanda, que apenas mascara os problemas de uma categoria que sofre com a falta de valorização e investimentos no sistema penitenciário como um todo, já está trazendo sérios riscos à segurança de toda a sociedade brasileira.

    Projetos de lei citados nesta matéria:

    PL 7282/2014, do deputado Jair Bolsonaro
    PL 7283/2014PL 7301/2014 e PL 7302/2014, do deputado Onyx Lorenzoni.

    Congressistas que receberam financiamento da indústria brasileira de armas nas eleições de 2010:

    ParlamentarValor da DoaçãoDoadorPartidoUF
    Deputados Federais
    Abelardo Lupion R$ 120.000ANIAMDEMPR
    Afonso Hamm R$ 20.000ANIAMPPRS
    Alceu Moreira R$ 20.000ANIAMPMDBRS
    Delegado Francischini R$ 50.000Taurus BlindagemPSDBPR
    Eduardo Sciarra R$ 20.000ANIAMPSDPR
    Enio Bacci R$ 20.000ANIAMPDTRS
    Giovani Cherini R$ 20.000ANIAMPDTRS
    Gonzaga Patriota R$ 40.000ANIAMPSBPE
    Guilherme Campos R$ 80.000ANIAMPSDSP
    Jerônimo Goergen R$ 20.000ANIAMPPRS
    João Campos R$ 40.000ANIAMPSDBGO
    José Otávio Germano R$ 20.000ANIAMPPRS
    Lael Varella R$ 50.000ANIAMDEMMG
    Luis Carlos Heinze R$ 30.000ANIAMPPRS
    Marcos Montes R$ 30.000ANIAMPSDMG
    Maurício Quintella Lessa R$ 20.000ANIAMPRAL
    Moreira Mendes R$ 90.000ANIAMPSDRO
    Nelson Marchezan Junior R$ 10.000ANIAMPSDBRS
    Onyx Lorenzoni R$ 250.000ANIAM e TaurusDEMRS
    Ronaldo Benedet R$ 50.000Taurus BlindagemPMDBSC
    Sandro Mabel R$ 160.000ANIAMPRGO
    Silvio Costa R$ 30.000ANIAMPTBPE
    Vicentinho R$ 20.000CBCPTSP
    Vieira da Cunha R$ 20.000TaurusPDTRS
    Vilson Covatti R$ 25.000TaurusPPRS
    Senadores
    Ana Amélia de Lemos R$ 50.000ANIAMPPRS
    Demóstenes Torres R$ 30.000ANIAMDEMGO
    Requião R$ 100.000Taurus BlindagemPMDBPR

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