O Instituto Sou da Paz manifesta solidariedade e indignação frente ao caso do universitário Igor Melo de Carvalho, baleado por engano ao sair do trabalho no Rio de Janeiro, pelo policial militar aposentado Carlos Alberto de Jesus, que buscava fazer justiça com as próprias mãos contra o autor de um roubo contra sua esposa. Outro jovem negro, Thiago Marques, que dirigia o mototáxi onde ele estava se feriu ao cair da moto. Este crime revela problemas sociais e de segurança pública enraizados no Brasil e que precisam ser nomeados e endereçados para que possamos superá-los.
Estão presentes neste caso as problemáticas do racismo, elemento estrutural na nossa formação como país e que contribui para a frequente associação de jovens negros com criminosos, com as falhas mais recorrentes na identificação de pessoas negras e com a maior naturalidade no exercício da violência letal contra essa população. O fato de um ex-policial militar ter decidido pelo exercício do justiçamento ao invés de recorrer imediatamente às autoridades também fala muito sobre a sistemática descrença nas instituições de segurança pública e de justiça. O desfecho trágico, com Igor ainda em risco de morte, reforça os enormes riscos de tentar exercer a autodefesa individualmente com uma arma de fogo, ainda que em mãos excepcionalmente treinadas ao longo da vida para lidar com esse tipo de situação.
Por fim, o caso traz ainda uma camada de violência institucional, já que, apesar de não haver qualquer prova que os vinculasse ao assalto, não tendo sido encontradas armas nem o celular roubado com eles, os jovens vitimados foram tratados como suspeitos, recebendo ordem de prisão ainda no hospital, sendo encaminhados à audiência de custódia e liberados apenas dois dias depois, na tarde desta terça-feira (25).
A violência sofrida por Igor não é um caso isolado. É um caso emblemático de milhares de outros que compartilham as mesmas raízes sociais. Homens jovens e negros são as principais vítimas de armas de fogo no Brasil com taxas de vitimização que chegam a ser três vezes maiores. Nosso modelo de segurança que prioriza a ostensividade reforça vieses de desigualdade social, com pessoas negras sobrerrepresentadas também entre as vítimas de intervenção policial e no encarceramento em massa.
É importante que este caso seja analisado em todas as suas camadas. Individualmente, é necessário que o autor dos disparos seja responsabilizado pelo crime e que Igor receba apoio para sua recuperação. Nos sistemas de segurança pública e de justiça, é necessário que haja maior investimento em um combate ativo a vieses raciais, nomeando a questão, reconhecendo que essas instituições não são apartadas da história brasileira e propondo medidas concretas de intervenção. É preciso também aumentar a capacidade de dar respostas efetivas aos crimes. No Brasil apenas 4 de cada 10 homicídios são esclarecidos, esse índice é ainda mais baixo nos casos de crimes patrimoniais e isso é inaceitável. Precisamos de investigações rápidas e eficientes para responsabilizar autores, retomar a credibilidade do Estado e prover justiça real para a sociedade. O debate público sobre acesso a armas de fogo também precisa deixar de lado a visão irreal dos heróis individuais e debater com seriedade todos os riscos envolvidos em um uso inadequado de armas.
Socialmente, precisamos compreender que um problema profundamente coletivo como é a segurança pública nunca será resolvido individualmente. Ele precisa ser tratado com a urgência indicada pela população nas últimas pesquisas de opinião. Essa transformação começa com a destinação de devidos recursos para um policiamento estratégico e legalista, para investigações com provas técnicas e julgamentos mais céleres e para programas de prevenção mais modernos e focados em resultados efetivos.