Por Caio do Valle, do Nexo
A Prefeitura de São Paulo anunciou na quinta-feira (23) que pretende instalar 10 mil câmeras em espaços públicos da cidade para inibir a ocorrência de crimes. A ideia é que todos os equipamentos estejam em funcionamento até o fim da atual gestão, ou seja, em 2020.
Mas será que a medida é mesmo eficaz? Ela pode ajudar a reduzir índices de violência, como sustenta o governo do prefeito João Doria (PSDB)? Ou o plano seria um paliativo apresentado pela administração de um político que tenta consolidar a marca de “realizador” logo no começo da sua gestão?
O projeto, batizado de “City Câmeras”, inclui ainda a utilização de equipamentos particulares – em residências e estabelecimentos comerciais – para integrar o sistema público de vigilância, que ficará sob os cuidados da GCM (Guarda Civil Metropolitana), da prefeitura, e que será compartilhado com as polícias civil e militar, do governo estadual.
O próprio uso de câmeras privadas gera controvérsia a respeito dos limites da privacidade dos cidadãos. Desde 2014, o governo do Estado também utiliza pontos particulares de vigilância por vídeo em seu sistema de monitoramento “inteligente” (que cruza as imagens com um banco de dados para rastrear placas de veículos e rostos), chamado de “Detecta”. Nesse sentido, o que o município fará é ampliar tais parcerias entre poder público e setor privado.
O Nexo ouviu especialistas a respeito da efetividade da utilização de câmeras para a segurança pública de uma grande cidade como a capital paulista. Há quem considere esse tipo de intervenção válida e há também quem não veja essa como uma solução para os problemas relacionados à violência urbana.
Câmeras podem ser aliadas
Desde que vinculado a políticas públicas mais amplas, o uso de câmeras pode ajudar na segurança pública, avalia Carolina Ricardo, coordenadora do Instituto Sou da Paz. Mas, em sua opinião, é preciso delinear estratégias. “A câmera pode servir para muitas coisas, desde que tenha missão [específica] e que integre outras áreas do poder público nas respostas: que não seja só a resposta policial, ou pela Guarda ou pela PM.
Ela cita como exemplo a utilização da vigilância eletrônica para combater pontos de descarte irregular de entulho, um delito relativamente comum em várias regiões de São Paulo. Para isso, Ricardo defende o acesso de outros órgãos municipais ao sistema de monitoramento, entre eles as prefeituras regionais (antigas subprefeituras) e a Secretaria Municipal de Serviços (responsável pela limpeza urbana).
“As câmeras por si só não resolvem problema algum. Além de ter o cuidado no uso das imagens e no local de colocação delas, para que não violem a privacidade das pessoas, é muito importante pensar que tipo de monitoramento vai ser feito” | Carolina Ricardo coordenadora do Instituto Sou da Paz
Ainda de acordo com a coordenadora do Sou da Paz, há o aspecto da gravação, do armazenamento e da utilização dos vídeos gerados pelos equipamentos privados. A quem essas imagens pertencem? Quem as armazena? E por quanto tempo? Além disso, quem autoriza o uso das gravações privadas? São alguns questionamentos que Ricardo levanta.
De qualquer forma, em sua avaliação, os vídeos podem ser usados como instrumentos para a investigação de crimes.
Para Bruno Paes Manso, pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP (Universidade de São Paulo), em tese, as câmeras poderiam auxiliar no controle de vários tipos de crime, inclusive nas execuções cometidas por policiais (que, segundo ele, representam cerca de um terço do total).
“Hoje, o crime é controlado a partir do trabalho ostensivo da polícia nas ruas. Quase a totalidade dos aprisionamentos é feita a partir desse patrulhamento. Boa parte dos inquéritos é feita a partir dos testemunhos dos policiais que prenderam [os suspeitos]. Não existem outros testemunhos e os próprios juízes já se acostumaram a considerar o testemunho do policial, por ser um agente do Estado, como um testemunho de fé pública, desconsiderando outros testemunhos de pessoas negando o crime. As imagens, de alguma forma, ajudariam a combater também a violência policial, que é responsável por um terço das mortes” | Bruno Paes Manso pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência
Câmeras não acabarão com a violência
Ao mesmo tempo, Manso sustenta que é preciso debater com a sociedade a distribuição das câmeras. Ele levanta dúvidas sobre a abrangência do monitoramento, se elas contemplarão bairros mais distantes do centro, como o Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, onde os índices de roubo estão em alta, ou se ficarão adstritas principalmente ao centro expandido.
O pesquisador lembra que há necessidade de ouvir a polícia e utilizar estatísticas que justifiquem a instalação dos equipamentos em função de uma lógica de segurança pública. “Existe uma reflexão sobre essa distribuição? Ou são empresários que estão pagando e, por estarem pagando, receberão mais atenção, criando um desequilíbrio? Os roubos de carros em Sapopemba fazem também parte dessa atenção, ou é mais o centro da cidade?”
Diretora-executiva do think-tank Coding Rights, a pesquisadora Joana Varon questiona a eficácia da instalação de câmeras para reduzir crimes urbanos. Na própria cidade de São Paulo, conforme a entidade, já existe uma câmera de vigilância a cada oito habitantes – proporção alta, em comparação com outras grandes cidades do mundo. E isso não fez da capital paulista uma cidade muito mais segura.
“Vai-se criando o imaginário de que espalhar câmeras é útil, o que não se revela de fato. Seria melhor gastar os recursos em equipamentos de esporte, cultura, emprego. É uma falácia essa relação mais câmeras, mais segurança” | Joana Varon diretora-executiva da Coding Rights, ligada a questões de direitos humanos nos meios digitais
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