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    BENEFICIADO COM ORÇAMENTO RECORDE, GOVERNO BOLSONARO FALHA EM IMPLEMENTAR POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA JUNTO AOS ESTADOS

    15 de maio de 2023 às 12:52

    Dos R$ 6,3 bi investidos entre 2019 e 2022, metade foi para estados investirem em estrutura e reaparelhamento, porém a execução estadual dos recursos é baixa, em parte porque a gestão federal não coordenou políticas de segurança sustentáveis

    Em um relatório inédito, o Instituto Sou da Paz analisa os gastos do Fundo Nacional de Segurança Pública durante o governo Bolsonaro, que chegaram a R$ 6,3 bilhões, valor quase três vezes maior ao despendido nas gestões anteriores entre 2011 e 2018. No entanto, mais da metade deste orçamento não foi transformada em melhorias para a população, pois o governo não desenvolveu programas de segurança articulados com os estados. Dos R$ 3,3 bi que foram repassados às unidades da federação, elas não conseguiram executar R$ 2,47 bilhões, ou seja, 74% do montante ainda não foi gasto.

    O excesso de burocracia entre União e estados permanece como um dos principais desafios para a maioria das UFs conseguir executar projetos. “Isso demonstra que faltou ao Governo Federal ter clareza do seu papel de indutor dos programas de segurança para serem executados pelos estados, de acordo com as diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social para concretizar o Sistema Único de Segurança Pública, instituído em 2018. Além disso, o governo não garantiu um financiamento eficiente, já que nos últimos três anos, o repasse aos fundos estaduais ocorreu apenas a partir do meio do ano“, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. 

    O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), gerido pelo Ministério da Justiça, é o principal financiador para garantir projetos e ações nas áreas de segurança e prevenção à violência, a partir das diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). Em 2019, o Fundo passou a receber uma injeção de recursos com a aprovação da Lei 13.756/2018, que regulamentou a transferência da arrecadação das loterias e obrigou que pelo menos 50% destes recursos sejam destinados a fundos estaduais. Para efeito de comparação, com a receita das apostas, o FNSP no governo Bolsonaro foi quase três vezes maior em relação às gestões anteriores, considerando os valores atualizados de  2,5 bi (Dilma/Temer 2015-2018) e 2,4 bi (Dilma 2011-2014). Só em 2019, a dotação ultrapassou R$ 2 bilhões, ainda que a despesa não tenha se efetivado completamente em razão do contingenciamento da maior parte dos recursos ocorrido naquele ano.

    Abaixo, destacamos os principais eixos de ação do governo Bolsonaro com base nos valores empenhados e registrados no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) do Governo Federal.

    Tabela 1- Gastos do FNSP segundo tipo de ação, por gestões do governo federal, 2000 a 2022 (%)

     FHC
    2000-2002
    LULA
    2003-2006
    LULA
    2007-2010
    DILMA
    2011-2015
    TEMER*
    2016-2018
    BOLSONARO
    2019-2022
    Aprimoramento da segurança pública nacional (estruturação, reaparelhamento, modernização)22,2%48,1%33,1%27,7%34,5%55,3%
    Grandes eventos esportivos11,9%26,5%6,3%
    Prevenção da violência e enfrentamento da criminalidade4,8%8,4%5,1%0,1%28,2%
    Estratégia nacional de segurança nas fronteiras19,6%0,004%
    Capacitação e valorização profissional3,4%7,5%15,7%9,6%3,2%0,1%
    Gestão do conhecimento e tecnologia da informação sobre segurança pública7,8%6,7%1,3%12,8%2,2%
    Programa Habite Seguro para profissionais da segurança pública0,6%
    Força nacional de segurança pública1,7%8,5%30,4%49,4%11,9%
    Covid-19 – Emergência de saúde pública1,7%
    Policiamento/ repressão qualificada e sistema de acompanhamento das polícias56,5%15,9%1,1%
    Implantação da polícia comunitária17,8%2,3%
    TOTAL100,00%100,00%100,00%100,00%100,00%100,00%
    1. Aprimoramento da Segurança Pública Nacional  – 55,3% do FNSP

    Embora mais da metade dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública entre 2019 e 2022 tenha sido destinada à ação de Aprimoramento da Segurança Pública Nacional, com repasses aos estados para investirem em estruturação, reaparelhamento e modernização tecnológica e organizacional, as UFs seguem com baixíssima capacidade de execução desses recursos. Os estados e o DF não executaram R$ 2,47 bilhões dos R$ 3,3 bilhões repassados aos fundos estaduais pela União no governo Bolsonaro, ou seja, 74% do total ainda não foi empenhado.

    1. Implementação de Políticas de Segurança Pública, Prevenção e Enfrentamento à Criminalidade30% do FNSP

    No segundo maior eixo de investimento, 30% dos gastos do Fundo foram destinados para Implementação de Políticas de Segurança Pública, Prevenção e Enfrentamento à Criminalidade, principalmente com aparelhamento e modernização, processos e sistemas de gestão, governança e inteligência, gestão e tecnologia da informação, segurança nas fronteiras e, por fim, projetos e operações de segurança e prevenção da violência. “A execução parece fragmentada em várias iniciativas que, apesar de relevantes, não resultaram na efetivação de um programa nacional de enfrentamento à criminalidade violenta. O programa Em Frente Brasil, lançado como piloto de uma política nacional de redução da criminalidade violenta, esvaziou-se após dois anos de implementação de sua primeira fase em apenas cinco municípios“, diz Cristina Neme, coordenadora de Projetos do Instituto Sou da Paz. 

    Mesmo com orçamento recorde, Bolsonaro não avançou em relação a gestões anteriores no  desenvolvimento de um programa nacional de prevenção da violência e redução dos crimes violentos, especialmente os homicídios, a despeito dos altos números de assassinatos no país e das experiências positivas para seu enfrentamento observadas em alguns estados. A recente redução do número total de homicídios no país não se deu por ações efetivas do governo. Segue, portanto, o desafio de priorizar o tema e direcionar os investimentos a iniciativas efetivamente estruturadas em um programa nacional articulado com estados e municípios.

    Os gastos com capacitação e valorização dos profissionais de segurança somaram 10% dos gastos do Fundo, seguindo aproximadamente a linha do que era investido no Sistema Integrado de Educação e Valorização Profissional pelas gestões anteriores (sobretudo entre 2003 e 2014). Porém, chama atenção que na gestão Bolsonaro houve uma forte concentração nos investimentos em valorização dos profissionais de segurança, que responderam por 9,2% dos gastos do Fundo, enquanto os gastos com capacitação representaram apenas 0,2%. Fica a pergunta de como os investimentos em promoção da qualidade de vida e valorização dos profissionais de segurança serão empregados, visto que, desde 2021, de acordo com o PNSPDS, 20% do orçamento destinado às UFs foi vinculado a esta linha de financiamento.

    Dos investimentos diretos (da União) em valorização profissional, destaca-se também a baixa execução da Subvenção Econômica para Habitação de Profissionais da Segurança Pública, que em 2022 gastou apenas 30% do orçamento que lhe era inicialmente previsto, de R$ 100 milhões para cerca de R$ 30 milhões

    No campo das políticas de segurança e prevenção, foram poucos os investimentos explicitamente relacionados a ações de enfrentamento da violência contra a mulher, os quais consumiram apenas 0,2% dos gastos totais do Fundo em 2022. Não se alcançou assim o valor mínimo de 5% dos gastos do Fundo em medidas de enfrentamento da violência contra a mulher, conforme previsto pela  lei 14.316, de março de 2022.

    1. Força Nacional de Segurança Pública – 11,9% do FNSP

    O terceiro maior investimento foi com a Força Nacional de Segurança Pública, de cerca de R$ 752 milhões, que corresponderam a 12% dos gastos do Fundo. Os recursos foram aplicados principalmente na manutenção de atividades, operações, aparelhamento e cooperação federativa.
    Esta foi a única ação mantida sem alterações durante todas as gestões federais desde sua criação. Proporcionalmente, os gastos com a Força Nacional se destacaram mais nas gestões Dilma e Temer, quando representaram 30% e 49% dos gastos do Fundo, respectivamente. Porém, em valores corrigidos, os gastos ficaram próximos dos cerca de R$ 760 milhões empenhados no governo Dilma e R$ 900 milhões no governo Temer. 

    Apesar de ter sido criada para atuar em caráter temporário e em emergências pontuais, a Força Nacional foi empregada sistematicamente para preservação da ordem, segurança e patrimônio, como ações de policiamento ostensivo, polícia judiciária e perícia forense (34%), seguido por intervenções em terras indígenas (23%), no sistema prisional, incluindo a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (17%), na fiscalização e repressão a crimes ambientais (17%) e em conflitos no campo (4%). 

    Embora também tenha sido bastante acionada em governos anteriores, as operações da Força Nacional podem nos dar uma dimensão de emergências e insuficiências de segurança no Brasil. Nos últimos quatro anos, ela foi usada especialmente no Norte e Centro-oeste do país, em repetidas operações em contextos de conflito no campo, que envolvem tanto questões fundiárias como repressão a crimes transnacionais, tráfico de drogas, armas e munições. Na Amazônia Legal, as mobilizações de apoio aos órgãos federais responsáveis pela fiscalização ambiental se somam a operações especializadas de repressão à criminalidade organizada que envolvem crimes ambientais e tráfico de drogas, que ocasionam ataques a lideranças indígenas, servidores públicos, camponeses, ribeirinhos e defensores dos direitos humanos. O crescimento expressivo das intervenções em terras indígenas, tema que superou todos os demais no ano de 2022, denota o agravamento de problemas históricos em razão do desmonte das políticas públicas ao longo do governo Bolsonaro, com destaque para os conflitos em estados das regiões Norte e Centro-Oeste e no Rio Grande do Sul. 

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